A reunião da Direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, realizada no dia 25 de julho de 2020, tomou como ponto de partida um roteiro que, com alterações feitas a partir dos debates travados na referida reunião, segue abaixo. Não se trata, portanto, de uma resolução.
A situação e o Partido
1.Desde março de 2020, portanto há mais de 120 dias, estamos em pandemia. Isto tornou mais difícil o que já era difícil, tornou mais complexo o que já era complexo, acentuando algumas tendências que antes da pandemia considerávamos negativas (por exemplo, a “militância nas redes”, o “ultracentralismo” de certas direções e a redução na mobilização social).
2.Este preâmbulo é necessário, para alertar para o seguinte: por mais esforço que façamos em analisar corretamente a situação, por mais que aprovemos resoluções, aumentou a distância entre o “decidir fazer” e o “fazer acontecer”.
CRISE SISTÊMICA, GEOPOLITICA E ESTRUTURAL
3.Isto posto, começando pelo começo, temos insistido na caracterização geral do período (em escala mundial) como de “crise sistêmica”, para a qual temos que buscar produzir uma “alternativa sistêmica”.
4.Temos insistido também que, para além do conflito geopolítico (especialmente entre China e Estados Unidos), há também uma “crise estrutural” do capitalismo, que teve uma de suas manifestações agudas em 2008 e que, segundo a maior parte das previsões, teria outro pico a qualquer momento.
5.Mas este pico não veio e a pandemia embaralhou todas as cartas.
6.A questão, politicamente muito relevante, é saber quais os “efeitos colaterais” que a crise sanitária produzirá na “crise estrutural”.
7.Cabe lembrar que um dos fenômenos de fundo da “crise estrutural” é que o desenvolvimento das forças produtivas cada vez mais descarta força de trabalho, aumentando a produtividade e a produção, ao mesmo tempo que faz baixar a taxa de lucros e afeta a capacidade de consumo de massas crescentes da população.
8.E o que temos visto, como uma das decorrências da crise sanitária? Mais substituição de trabalhadores vivos por máquinas, mais desemprego estrutural, colocando os próprios capitalistas diante da necessidade de sustentar parte do consumo por outros meios, que não o da massa salarial.
9.A maneira como o capitalismo tenta “resolver” isto (mantendo uma parte da população na miséria absoluta e mantendo outra parte pouco acima deste limiar, graças a “rendas emergenciais”) revela por um lado os limites deste sistema e, por outro lado, coloca o movimento socialista diante de situações que foram descritas, literariamente, por Jack London, onde se fala da difícil relação entre o proletariado e o “povo do abismo”.
10.Olhando em perspectiva, podemos estar diante de dois cenários diferentes:
1/ a pandemia passar, a crise prosseguir e se manifestar em um novo 2008, caso em que a situação sanitária terá sido apenas um hiato, um parêntese;
2/ durante a pandemia, os capitalistas e seus governos tomam medidas que produzem os efeitos “purgantes” que um novo 2008 causaria – concentração e centralização de capitais, novo patamar de exploração da classe trabalhadora, saltos tecnológicos etc.
11.A depender do cenário (ou de suas combinações), aumentam ou diminuem as chances de, no curto prazo, ocorrer um novo ciclo de expansão capitalista e também afetam a natureza deste ciclo.
12.Vale acentuar que, para que ocorra um novo ciclo de expansão capitalista –portanto, diferente do crescimento rastejante que temos tido nas últimas décadas, no mundo capitalista neoliberal -- seria necessário OU bem a abertura de uma nova frente de investimentos (o fundo do mar, o espaço), OU bem uma reconstrução em larga escala (que suporia uma grande destruição prévia, ao estilo do que foi a Segunda Guerra).
13.Notar, a esse respeito, que os tambores de guerra continuam soando. Ou seja, a busca do capitalismo por gerar mais lucros gera, por todos os lados, fenômenos destrutivos e doentios.
BRASIL, CRISE NACIONAL
14.Além da crise estrutural e da crise geopolítica, temos batido na tecla de que o Brasil vive uma “crise nacional”, ou seja, uma situação similar a vivida nos anos 1980, quando esgotou o “ciclo desenvolvimentista” e o país ficou diante da disjuntiva caminho neoliberal ou caminho democrático-popular-socialista.
15.Naquele momento, como hoje, não se trata de uma “crise revolucionária”. Aliás, se há algo que caracteriza o nosso país, é que até hoje não vivemos uma grande revolução. Não admira que, dos “gigantes” do mundo, sejamos o mais atrasado sob vários pontos de vista.
16.Quando falamos de “crise nacional”, nos referimos ao fato de que a dinâmica geral da sociedade brasileira gera contradições cada vez maiores, cujo não solução empurra esta sociedade para uma situação de “múltiplas doenças crônicas”. Situações que obrigam cada classe social, cada força política, a buscar caminhos e meios que permitam reestruturar o funcionamento da sociedade.
17.Claro que esta busca de caminhos e meios PODE vir a tornar-se uma crise revolucionária, mas o problema também pode ser resolvido por uma ofensiva reacionária, como a que estamos presenciando hoje.
18.O que resultará da presente crise nacional? Claro que isto dependerá da luta de classes interna a nossa sociedade e, por outro lado, dependerá da relação entre nossa sociedade e a situação mundial. Mas vale a pena observar o que ocorreu na crise nacional anterior, aberta no final dos anos 1970, início dos anos 1980.
40 ANOS DE NEOLIBERALISMO
19.O fato de não termos DERRUBADO a ditadura, que conseguiu retirar-se “em ordem”; o fato da “transição para democracia” ter sido no fundamental lenta, segura e gradual, prescindindo inclusive de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, democrática e soberana; o fato dos neoliberais terem triunfado nas eleições de 1989 e reafirmado seu triunfo em 1994, recebendo “mandato popular” para fazer o que fizeram; tudo isto, junto e misturado com a situação mundial (ascenso neoliberal, recuo do socialismo), resultou em 40 anos de neoliberalismo.
20.É importante afirmar isso: os momentos de crise parecem apenas momentos, parecem apenas conjunturas, mas nestes momentos decide-se o perfil futuro de décadas inteiras. Por isso temos insistido que vivemos uma situação em que se faz necessário articular, mais do que nunca, a conjuntura e a estrutura, a tática e a estratégia, o emergencial e o programa de médio prazo.
21.Os 40 anos posteriores a 1980 foram de hegemonia neoliberal (ou seja, uma “ditadura” da “sociedade limitada” entre o capital financeiro, o capital transnacional e o agronegócio exportador); de aprofundamento de algumas das desigualdades sociais (para dar um exemplo, a estrutura patrimonial e a repartição da renda nacional entre capital e trabalho é pior hoje, do que era nos anos 1970); de crescimento baixo (nunca mais tivemos vários anos de 7-11% de crescimento do PIB).
22.Mas, ao mesmo tempo, nos 40 anos posteriores a 1980 predominou um nível de liberdades democráticas e de incidência institucional dos setores populares muito superiores aos do passado pré-1964.
23.A classe dominante não pode, não quis ou não precisou lançar mão dos métodos ditatoriais típicos do período 1930-1945 e 1964-1985.
24.Graças a isso, tivemos no Brasil o mesmo que nos países europeus, no período anterior e posterior as grandes guerras: havendo mínimas liberdades democráticas, parcelas cada vez mais amplas da classe trabalhadora votam nos seus partidos.
25.No caso brasileiro, isto desembocou no ciclo de governos presidenciais petistas, entre 2003 e 2016. Gerando, em alguns analistas, uma falsa percepção sobre o sentido geral seguido pela sociedade brasileira no período 1980-2020.
26.O fato é que, apesar da influência da esquerda ter sido maior do que nunca tinha sido na história do Brasil; e apesar disto ter se traduzido em conquistas efetivas no plano de algumas políticas públicas e conquistas materiais; apesar disso, no plano econômico-estrutural (patrimônio e renda) a desigualdade persistiu sendo uma das maiores do mundo.
27.Aliás, embora tenha sido sempre combatida pela classe dominante, a nossa presença no governo federal não impediu que os lucros dos capitalistas seguissem crescendo, não reverteu as privatizações feitas nos governos anteriores, nem reverteu a desindustrialização nacional.
28.Seja como for, a crise de 2008 mudou as condições gerais e, para a classe dominante brasileira, tornou-se estratégico retomar o controle completo do governo federal. Não bastava mais controlar o Banco Central e outras áreas e políticas, era necessário controlar o conjunto da operação, inclusive para privar a classe trabalhadora de meios para se defender da onda reacionária.
UMA CLASSE DOMINANTE PRIMÁRIA E BRUTAL
29.Os acontecimentos posteriores às eleições presidenciais de 2014 não devem ser vistos, portanto, como episódios isolados. Tudo o que vem acontecendo desde então indica que a dinâmica da luta de classes está voltando a ser parecida com o que era antes de 1980. Nos referimos, especificamente, ao seguinte: para a classe dominante, é fundamental reduzir ao mínimo possível, tanto as liberdades democráticas quanto a presença institucional dos setores populares.
30.Não se trata de uma “tara” pessoal do cavernícola que nos preside, nem de um vício da cúpula das forças armadas e das polícias. Ocorre que a classe dominante brasileira considera que nosso papel no mundo é o de “exportar primários e importar industrializados”.
31.Aceita esta premissa, a prioridade primário-exportadora tem várias consequências. Uma delas é a contada na fábula de Procusto: é preciso amarrar o Brasil na cama e cortar tudo que fique para fora. Dito de outro jeito, fazer o Brasil de 2020 caber nas roupas do Brasil de 1920.
32.Em termos econômicos, um país primário-exportador não conseguirá oferecer saúde, educação, moradia, trabalho e salários para a maior parte da atual população brasileira. Aliás, do ponto de vista da lógica dominante, um país primário-exportador não precisa oferecer nada disto. Para começo de conversa, para que tantos trabalhadores virando universitários?? Para que uma trabalhadora doméstica deveria querer fazer viagens de avião??
33.Vale dizer que esta visão é antiga: já em 1988, José Sarney e outros diziam que os direitos previstos na Constituição de 1988 não cabiam no Brasil.
34.Em consequência disto, a classe dominante precisa tratar a questão social (cerca de 200 milhões de brasileiros e brasileiras) como “caso de polícia”.
35.Como decorrência do ultraliberalismo, a classe dominante precisa e defende reduzir substancialmente as liberdades democráticas, os espaços institucionais e de auto-organização do povo.
36.O “bolsonarismo” não é um fenômeno isolado, nem patologia individual. Sob esta e outras formas, a tendência é de que a classe dominante se comporte de maneira mais e mais repressiva e intolerante.
37.Os fenômenos do golpismo, da militarização, da criminalização, do punitivismo penal, do encarceramento em massa, da partidarização da justiça, da judicialização da política, da intolerância e do fundamentalismo derivam daí.
38.Isto que vem sendo chamado de “fascismo” ou de “neofascismo” é, portanto, uma ferramenta que a classe dominante vai usar cada vez mais, pelo menos até que nossos capitalistas sejam derrotados.
A CLASSE DOMINANTE SABE O QUE FAZ
39.Em resumo: a crise social, a crise econômica e a crise cultural (entendendo por isso um choque acentuado entre visões de mundo) fazem parte de uma “crise nacional” mais ampla, que diz respeito ao futuro de médio prazo da nossa sociedade.
40.Apenas como imagem, se a opção preferencial da classe dominante for levada até o fim, o Brasil daqui há dois anos chegará em... 1922.
41.Seja como for, não é de admirar que estejamos assistindo, hoje, alguns debates que tem similitudes com os que foram travados por anarquistas, socialistas e comunistas, na década de 1920.
42.O risco que corremos, óbvio, é cometer de novo os mesmos erros (entre os quais colocar a classe trabalhadora sob a direção de uma suposta “burguesia nacional” ou de seu alter ego, a “pequena burguesia radicalizada”).
43.É importante ter claro, também, que esta opção é a mais lógica e a mais lucrativa para a classe dominante.
44.Para começo de conversa, o Brasil (e a região sulamericana) possui extensas reservas naturais de tudo que é demandado pelas potências industriais. Ganhe quem ganhar a batalha geopolítica em curso no mundo, o Brasil pode fornecer seus minerais, seus vegetais, suas proteínas etc.
45.Em segundo lugar, já existe um excesso de capacidade produtiva no mundo e, se a pandemia produzir um mini-ciclo de substituição de importações naquelas potências que descobriram que não conseguem produzir... máscaras, este excesso de capacidade produtiva vai crescer ainda mais.
46.Neste cenário, a reindustrialização do Brasil exigiria altas doses de protecionismo, muito investimento e muita disposição para brigar com as grandes potências industriais já instaladas. Exigiria, também, ampliar a capacidade de consumo da classe trabalhadora brasileira. Ou seja, a classe dominante brasileira – que usa nossos baixos salários como vantagem comparativa – teria que abrir mão de parte dos seus lucros e correr riscos numa guerra geopolítica.
47.Muito mais cômodo é aceitar a posição de gestores de um entreposto primário-exportador, abastecido com produtos industriais comprados nas grandes oficinas & laboratórios do mundo.
EM QUE PONTO ESTAMOS DA HISTÓRIA
48.Neste ponto, cabe perguntar: a partida já está decidida? Estamos em 1889 ou em 1902? Estamos em 1922 ou em 1935? Estamos em 1945 ou em 1947? Estamos em 1964 ou em 1968? Estamos em 1985 ou em 1989? Ou seja, a batalha decisiva já foi travada e nós a perdemos, e portanto teremos pela frente um período mais ou menos longo de defensiva estratégica; ou a batalha decisiva ainda será travada e, portanto, a história pode seguir um curso completamente diferente e no curto prazo podemos estar construindo um cenário estratégico completamente diferente?
49.Sabemos que nem o golpe de 2016, nem a condenação/prisão/interdição de Lula, foram suficientes para decidir o resultado do jogo.
50.As eleições presidenciais de 2018 foram, como todas as eleições presidenciais desde 1989, polarizadas pelo PT. Ou seja, a dinâmica política do país continuou, pelo menos até 2018, sendo definida pela disputa entre a classe dominante e o petismo.
51.Claro que nos municípios e nos estados não era, nem é, necessariamente assim. Mas no âmbito nacional, foi a disputa PT x classe dominante que prevaleceu desde 1989 até 2018.
52.A grande questão política do país é se esta polarização vai se manter ou se vai ser substituída por outra.
53.Os setores da esquerda e da centro-esquerda que confundem isso com “hegemonismo” ou “patriotismo de partido”, ou bem acreditam no mito da Hidra de Lerna (neste caso, se cortarem a cabeça do PT, outra esquerda surgirá do pescoço decepado), ou bem não entendem algo essencial: o protagonismo do PT, desde 1989 até 2018, é a expressão mais destacada do protagonismo dos setores populares. Por isso a classe dominante não tem dúvida nenhuma acerca de qual é o inimigo principal.
54.O protagonismo do PT é, em si mesmo, um sinal de que a partida ainda não foi concluída, que o placar ainda pode ser virado.
55.Por outro lado, se o PT for destruído, isto significaria que a partida terá sido concluída. Para fazer uma analogia, com todos os limites que isto tem, seria como se estivéssemos em 1947-1968-1989. Ou seja, significaria que teremos pela frente um período mais longo, de uma década ou mais, em que a classe dominante aplicaria seu programa, em que resistiriamos, mas sem que os setores populares conseguissem virar a mesa.
56.Por isso, repetimos mais uma vez, o conjuntural e o estratégico estão tão ligados nos dias que correm. Uma derrota conjuntural nossa, neste momento, não será apenas conjuntural. Abrirá um período mais longo, que pode durar mais ou menos tempo.
57.Por isso, vale dizer, insistimos tanto em não perder a hora certa para defender o Fora Bolsonaro. A vacilação naquela oportunidade, vacilação que se alimenta em parte de uma visão incorreta da urgência da hora, pode vir a se revelar fatal, caso se consolide o acordo por cima, com a manutenção de Bolsonaro e da política de Guedes.
AS ELEIÇÕES DE 2020, DE UM ÂNGULO ESTRATÉGICO
58.Embora não se trate de um fenômeno estrita ou principalmente eleitoral, as eleições de 2020 e as próximas eleições presidenciais (inclusive quando vão ocorrer, se em 2022 ou antes) terão enorme importância para afirmar uma ou outra “narrativa” a respeito do conflito entre o PT e a classe dominante.
59.Embora a situação econômica, social e sanitária deva se agravar nos próximos meses, não está claro como isso vai se traduzir nas eleições municipais de 2020.
60.O número de votos de cada partido, o número de vereadores e prefeitos eleitos, tende a uma grande dispersão, o que tornará muito difícil qualquer conclusão “definitiva”.
61.Entretanto, o resultado eleitoral nas cidades onde ocorre segundo turno, especialmente nas grandes capitais, especialmente no “triângulo das Bermudas” (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo), vai indicar uma tendência.
62.Quando falamos “tendência” referi-mo-nos, por exemplo, ao seguinte: vencemos em São Paulo em 1988, em 2000 e em 2012; e o PT esteve no segundo turno presidencial em 1989, em 2002 e em 2014.
63.Mas também é verdade que perdemos em São Paulo em 1992 e em 1996, mas mesmo assim o PT ficou em segundo lugar na disputa presidencial de 1994 e de 1998.
64.E igualmente é verdade que perdemos em São Paulo em 2004 e em 2008, mas mesmo assim vencemos as eleições presidenciais de 2006 e de 2010.
65.Portanto, existe uma relação entre o desempenho do PT nas grandes cidades (no caso, falamos de SP capital, mas o exemplo é extensivo ao conjunto das 100 maiores cidades do país) e, dois anos depois, o desempenho do PT nas eleições presidenciais, mas esta relação envolve outras variáveis além do resultado eleitoral estrito senso.
66.Seja como for, voltamos a dizer que não está claro o que vai ocorrer nas eleições de 2020. Mas se o desempenho do Partido dos Trabalhadores puder ser apresentado (com maior ou menor aderência à realidade) como positivo, isto ajudará a manter viva a polarização PT x classe dominante na eleição presidencial vindoura e noutros terrenos da disputa.
67.Mas se o PT sofrer uma derrota acachapante nas eleições de 2020, ou seja, se o resultado for tal que não possa ser interpretado de outra forma senão como uma derrota, neste caso recrudescerá brutalmente a pressão por parte daqueles que querem virar a página da polarização PT x classe dominante.
68.Os que desejam isto, em primeiro lugar, são os setores que defendem uma terceira via. Aqui se alinham os que converteram o PT em inimigo principal (como é o caso de Ciro Gomes); também se alinham os que defendem que, para derrotar o inimigo principal, o PT seria um problema, não uma solução (setores do PCdoB, setores do PSOL, outros).
69.Além dos que desejam isso, há os que se conformam com este tipo de desfecho. É o caso de setores do PT que se sentem confortáveis na condição de “sócios menores”; e, paradoxalmente, setores do PT que consideram que o suposto “hegemonismo” do Partido dificulta a construção de uma alternativa mais solidamente de esquerda, capitulando à ideia de que o caminho para uma frente de esquerda passa por enfraquecer e não por fortalecer o PT.
70.Quando olhamos para a classe dominante estrito senso, também enxergamos posições diferentes a respeito do “protagonismo” do PT.
71.Alguns setores adotam defendem o extermínio total do Partido; outros defendem que bastaria ele ser esmagado, até tornar-se uma força residual; outros consideram que o ideal seria a conversão do PT em uma espécie de PSDB recauchutado (uma espécie de Tony-Blairização do Partido, o que converteria o petismo numa alternativa confiável para um setor da classe dominante); e, finalmente, há os que consideram que a existência do PT pode até ser útil, desde que o PT possa funcionar como um espantalho, forte o suficiente para ir ao segundo turno, fraco demasiado para ganhar o segundo turno.
72.Seja como for, repetindo o que já foi dito antes, embora não se trate de um fenômeno estrita ou principalmente eleitoral, as eleições de 2020 e as próximas eleições presidenciais (em 2022 ou antes) terão enorme importância para afirmar uma ou outra “narrativa” a respeito da manutenção ou não da polarização PT x classe dominante. E, claro, não se trata apenas de uma “narrativa”, mas sim de uma medida eleitoral, da correlação de forças real na sociedade.
73.Este fato nos parece ter sido percebido pelo conjunto do PT e, também por isso, prevaleceu na direção nacional do partido a tática de lançar candidaturas petistas onde fosse possível.
HÁ RISCOS DE UMA DERROTA CATASTRÓFICA?
74.Só depois das eleições teremos certeza de qual foi o resultado prático desta tática. Mas desde já há, no Partido, opiniões contraditórias a respeito, desde quem diga que o PT vai “bombar” nas eleições, até que ele pode sofrer uma derrota catastrófica.
75.Entre os que defendem esta segunda tese, há quem enfatize o seguinte:
1/o bolsonarismo mantém um núcleo duro de apoio;
2/apesar do governo ter uma política de saúde que já nos custou a vida de mais de 85 mil brasileiros e brasileiras, há uma dinâmica de “naturalização” do genocídio;
3/o núcleo duro de apoio ao governo se mantém, também apesar de já termos mais de 40 milhões de brasileiros desempregados, desalentados ou em vias de. Aliás, frente a alguns setores, Bolsonaro tenta vender a ideia de que é ele quem defende os que precisam trabalhar;
4/por outro lado, a oposição de centro e de direita dispõe de meios institucionais, materiais e comunicacionais maiores do que os nossos, para capturar o eleitorado descontente com Bolsonaro;
5/há uma operação de ocultamento do petismo, vide o ocorrido no caso da ajuda emergencial, somada a operação que vem desde 2005, de estigmatização do Partido;
6/as características desta campanha, em meio a pandemia, provavelmente com altos níveis de abstenção, podem tornar muito difícil ao PT ter um desempenho de reta final similar ao de outras eleições;
7/as direções partidárias em todos os níveis e as candidaturas postas, com raras exceções, ainda estão com muita dificuldade para se movimentar no na conjuntura.
76.Destes pontos, o único que está sob nossa (do Partido) governabilidade é o último. Portanto, vamos analisa-lo com um pouco mais de cuidado.
77.A maior parte das direções municipais e boa parte das direções estaduais do PT passa por grandes dificuldades, financeiras, organizativas e políticas. Isto não é um detalhe trivial, pois num momento como o que vivemos, é de grande importância a ação das direções. A direção nacional do PT também enfrenta dificuldades financeiras, organizativas e políticas.
78.Ao mesmo tempo, a direção chamou para si a decisão final sobre as candidaturas. Em diversos casos isto não implicou na solução ótima. Há casos surpreendentes, em que a CEN aprovou alianças com partidos e candidaturas bolsonaristas; mas ainda não sabemos se isto é uma exceção ou se há um grande número de cidades onde tenham ocorrido alianças exóticas, com diferentes matrizes do golpismo. E há as situações, politicamente mais relevantes, de grandes capitais, onde as candidaturas e/ou as politicas de aliança geram desconforto em setores do partido e/ou em setores do eleitorado petista.
79.Sobre isto, nossa posição deve ser informada, por escrito, diretamente ao DN, que deve abordar a questão em reunião convocada para o dia 31 de julho.
80.Para além de corrigir a tática em algumas cidades, é preciso refletir sobre a situação nacional, incluindo aí a situação do Nordeste.
81.Está ficando claro que o balanço feito por alguns, em 2018, acerca do sucesso da “tática adotada no nordeste”, não levou em devida conta diversos problemas, entre os quais:
1/os interesses próprios dos partidos de centro direita aliados ao PT em vários estados do nordeste;
2/a capacidade de atração que o governo Bolsonaro tem, por sobre alguns partidos de centro e direita que fazem parte da base de apoio dos governos estaduais;
3/o impacto da crise sanitária, econômica e social, por sobre a capacidade tributária e de ação dos governos estaduais;
4/os efeitos eleitoralmente contraditórios da postura dos governadores petistas do Nordeste frente a pandemia;
5/a força que o gverno federal pode exibir, no confronto com outras unidades da federação, inclusive utilizando a PF e outras “ferramentas”.
82.Assim como as grandes cidades, o desempenho geral do PT no Nordeste também vai construir uma “narrativa” acerca da manutenção, ou não, da polarização PT x classe dominante.
83.Ao relacionar os problemas, não quer dizer que consideremos que o resultado será catastrófico. Há outras variáveis, que podem resultar num desempenho positivo ou razoável por parte do PT. Mas para que isso ocorra, é indispensável que os problemas anteriormente listados sejam enfrentados.
84.Na lista de problemas, citamos dois mais:
1/está cada vez mais comum ver nossa direção nacional ser palco de um “cabotinismo” que, ao invés de nos fortalecer, nos enfraquece. O autoelogio – reforçado pelo fato de muitas de nossas reuniões serem transmitidas ao vivo – estimula uma imagem falsa, de que as coisas estão bem para nós, de que estamos fazendo tudo certo. E isto não é verdade.
2/está em curso uma “batalha” pelo destino dos recursos do fundo eleitoral. Esta batalha contrapõe demandas do “sindicato dos parlamentares”, demandas setoriais, interesses burocráticos-gerenciais da tesouraria nacional, interesses de tendência, interesses político-pessoais etc. Como se trata de dinheiro público, é importante um debate público, transparente e didático a respeito.
85.Como já dissemos, independente do que ocorra em 2020, continuará uma disputa acerca da manutenção ou não da polarização PT x classe dominante. Por isto mesmo, é essencial que nossa tática, nossa linha de campanha, nossa política de alianças, esteja organizada por um duplo objetivo: por um lado, obter vitórias eleitorais; por outro lado, polarizar política e programaticamente com o ultraliberalismo, com o bolsonarismo, com o golpismo.
86.Se adotarmos a linha correta, mesmo que soframos derrotas eleitorais, seguiremos em condições de manter a polarização política, que como já explicamos é essencial para o destino de médio prazo do país.
A LINHA DO PARTIDO SERÁ DECISIVA
87. O PT continuará sendo a expressão político-partidária da maior parte da vanguarda da classe trabalhadora? E continuará, por isso, recebendo a simpatia da maior parte dos segmentos conscientes da classe trabalhadora?
88.Reafirmamos que, em última análise, esta disputa será decidida pelo povo. Não apenas nas eleições, mas no conjunto da luta de classes.
89.Falando em tese, isto pode ocorrer qualquer que seja a orientação política que prevaleça no PT. Ou seja, pode em tese ocorrer com o PT o que ocorreu com o Labour Party, que foi da social-democracia clássica ao neoliberalismo e, hoje, está de volta à social-democracia... de esquerda.
90.Mas, por conta das características da sociedade e da luta política no Brasil, é pouquíssimo provável que o PT sobreviva a qualquer tipo de “tonyblairização”. A esse respeito, vale lembrar que a influência do pallocismo nos levou à borda do precipício.
91.Portanto, não apenas o protagonismo, mas inclusive a sobrevivência do PT depende em grande medida da linha política que o partido adotar.
92.Entendendo por “linha” não apenas uma resolução escrita num pedaço de papel, mas principalmente o comportamento prático, uma maneira de agir na luta de classes, a relação cotidiana do Partido com a classe trabalhadora.
93.Outra questão que deve ser lembrada é que o PT é um dos produtos de uma época muito especial da vida brasileira, em que prevaleceram as liberdades democráticas e, portanto, não houve interrupções brutais na vida dos partidos de esquerda.
94.Caso estas interrupções voltem a ocorrer, caso o PT viva situações como as vividas pelo PC, em 1930, em 1947, em 1964, sua sobrevivência estará brutalmente ameaçada e, novamente, dependerá em grande medida da linha política.
95.O PC, por exemplo, sobreviveu as duas primeiras, mas não sobreviveu a terceira tentativa de extermínio. E isto não apenas por conta da repressão, mas principalmente porque durante a ditadura, o movimento comunista se desconectou do movimento geral da classe trabalhadora.
96.Cabe lembrar, também, que o PT é um partido de tendências. Em épocas de vacas gordas, é mais fácil a coexistência dessas tendências. Em épocas de vagas magras, a coexistência torna-se mais difícil. Um linha incapaz de enfrentar a situação, um comportamento incapaz de coesionar o conjunto do partido, pode estimular comportamentos centrípetos.
97.Outro ponto a lembrar, mesmo não sendo algo fácil de dizer: é preciso lembrar que a geração fundadora do PT está partindo, exatamente neste momento de imensas dificuldades. E parte importante da nova geração dirigente está demasiadamente marcada pela experiência de governo. Aprendeu a fazer política numa determinada “escola”; e, hoje, a situação exige outros conhecimentos, que parte importante desta nova geração ainda não tem. Novamente, o tema da linha política ganha muita importância.
98.Finalmente, e mais importante que tudo, a classe trabalhadora brasileira de hoje é muito diferente da dos anos 1980. Uma parte da classe nunca nos apoiou, outra se decepcionou profundamente conosco, outra nos conheceu basicamente como governo. E as instituições que, em certa medida, intermediam nossa relação com a classe (os sindicatos, os movimentos, a igreja progressista etc.), atualmente todas enfrentam dificuldades.
99.Por todos os motivos citados, e outros mais. o partido precisa de uma linha adequada, ou seja, de uma maneira de atuar na luta de classes, que corresponda às necessidades do atual período histórico. Sem isso, a sua sobrevivência pode ser ameaçada, seja pelos inimigos, seja pelos adversários, seja pelos nossos erros.
100.Enfim, o quadro geral não é para amadores. Como já dissemos, vivemos um daqueles momentos da história em o debate sobre a tática e a estratégia, sobre o conjuntural e o estrutural, sobre o programa de curto e de médio prazo, sobre política e organização, estão profundamente entrelaçados. E num momento desses, erros que noutras circunstâncias seriam de pouco impacto, hoje podem ser estrategicamente fatais.
O DEBATE SOBRE O PROGRAMA
101.Neste sentido, é revelador que no meio das eleições de 2020, o Diretório Nacional tenha encarregado a FPA (mais exatamente, encarregou Fernando Haddad, Aloizio Mercadante e o “centro de altos estudos”) de fazer um programa de transformação do Brasil.
102.Já apresentamos uma crítica à primeira versão deste texto (http://valterpomar.blogspot.com/2020/07/por-um-plano-de-transformacao.html) e faremos o mesmo, no dia 31 de julho e em outras oportunidades, em relação a segunda versão, que aliás começa a ser apresentada de público, como se fora uma posição quase oficial.
103.O que em primeiro lugar chama a atenção é que o conteúdo do texto reflete uma concepção estratégica alguns graus abaixo do que consideramos adequado para a situação.
104.Em nossa opinião, um programa que articule nossos objetivos imediatos, emergenciais, com nossos objetivos de médio prazo, estratégicos, pode contribuir muito para que o partido saia politicamente vitorioso desta conjuntura, qualquer que seja o resultado eleitoral.
OBSERVAÇÕES SOBRE A CONJUNTURA ESTRITO SENSO
105.A prisão de Queiroz e as investigações acerca das fake news, que fornecem mais e mais provas do comportamento criminoso de Bolsonaro e seu clã, deveriam servir como argumento adicional para cassar a chapa ou, pelo menos, para iniciar o processo de impeachment. Mas, na verdade, serviram de argumento para construir um acordo por cima.
106.O fato é que as diferentes facções do golpismo têm como prioridade manter a política ultraliberal, a tutela militar e o isolamento do PT, até o momento todas preferem apostar em um acordo.
107.O acordo pode assumir diferentes formas: a/Bolsonaro permanece, supostamente domesticado; b/Bolsonaro sai, mas no seu lugar entra Mourão; c/assume um “governo de salvação nacional”.
108.Nenhuma destas alternativas garante uma política adequada contra a pandemia, o fim da política de Guedes e a reconstrução das liberdades democráticas.
109.O melhor caminho para evitar o acordo por cima é estimulando a mobilização popular, sob todas as suas formas (virtual, simbólica, presencial). Sem mobilização, os que deram o golpe de 2016, os que prenderam e condenaram Lula, os que fraudaram as eleições de 2018, continuarão aplicando seu programa e levando o país de volta ao passado.
110.É cada vez mais necessário, urgente e indispensável ampliar todas as formas de luta do povo. Vale, neste sentido, analisar detalhadamente as lutas e mobilizações ocorridas no último período (torcidas, entregadores de aplicativos, professores, metalúrgicos da Renaul do Paraná etc.).
111.Entre as dificuldades enfrentadas pelas mobilizações, está a existência, nas esquerdas brasileiras, de duas táticas na luta contra o bolsonarismo: a tática da denominada frente ampla e a tática da frente de esquerda. Sobre isso já opinamos noutro momento(http://valterpomar.blogspot.com/2020/06/que-tipo-de-frente-derrota-o-fascismo.html).
112.A mais recente expressão destas duas táticas foi a participação de várias lideranças petistas, psolistas e comunistas no comício virtual “direitos já”, sob a tutela ideológica do tucanismo, que fala muito sobre democracia, nada de impeachment e menos ainda da política de Guedes. Deixando claro que a tática da frente ampla tem como um de seus objetivos neutralizar & cooptar o PT, para uma política de acordo por cima; ou, se não for possível, isolar & derrotar nosso Partido.
113.Aliás, é didático ver como o movimento pelos “direitos já”, e tantas outras manifestações da chamada “frente ampla pela democracia”, esfriaram totalmente depois que Bolsonaro, após a prisão de Queiroz, deu vários sinais de estar disposto a algum tipo de acordo.
114.Não acreditamos que Bolsonaro seja capaz de deter seus ímpetos golpistas. Mas tampouco acreditamos na disposição oposicionista e na vocação democrática dos setores não bolsonaristas do golpismo. E muito menos nos negamos a ver o óbvio: não é a pessoa de Bolsonaro, mas o conjunto da coalizão golpista, que está operando um “golpe por dentro das instituições”.
115.Frente a esta situação, devemos nos engajar na construção de uma campanha de massas pelo Fora Bolsonaro e Mourão/impeachment/diretas já, obrigando os que discursam a favor de uma frente ampla pela democracia, a sair da zona de conforto, em que falam de democracia, mas não lutam verdadeiramente por ela.
116.Mas para que este engajamento ocorra, é preciso enfrentar algumas concepções que seguem existindo entre nós.
117.A primeira é a que acredita que só depois da pandemia, será possível fazer mobilização mais ampla. Desconhecendo, entre outras coisas, que mais de 50 milhões de trabalhadores seguem todo dia, de suas casas para os locais de trabalho.
118.A segunda é a que considera que o espaço principal de oposição é o parlamento. É verdade que conseguimos algumas vitórias no parlamento, em parte devido a nossa mobilização, mas em parte, também, devido as disputas na base do governo e as múltiplas chantagens do Centrão (o Fundeb, por exemplo). Mas também é verdade que o efeito prático destas nossas vitórias parlamentares é muito variado (há os vetos, há a distância entre o aprovado e a vida real). Um grande exemplo disto é o efeito prático que teve a ajuda emergencial, para manter a base de apoio do bolsonarismo junto as camadas mais pobres, inclusive no Nordeste.
119.A terceira é a que acha que a ação dos nossos governos estaduais e municipais é, isoladamente, o principal vetor de oposição. Sem subestimar a importância de nossos governos, é preciso levar em conta a incidência de outros fatores – como os citados no ponto 81 do documento. Cabendo lembrar que os governos que mais defenderam o isolamento podem, se houver um relaxamento agora, enfrentar uma situação sanitária mais difícil semanas que antecedem o processo eleitoral.
120.A quarta é a que trata as eleições de 2020 como uma disputa municipal, onde os grandes temas nacionais serão apenas um pano de fundo.
121.A quinta é a que terceiriza – para as frentes, por exemplo – a condução da campanha Fora Bolsonaro. Como se o papel da direção nacional fosse o parlamento e as eleições. A campanha própria do Partido pelo Fora Bolsonaro, por exemplo, em boa medida ainda não saiu da prancheta.
122.Aliás, a adoção da palavra de ordem Fora Bolsonaro e a participação formal do PT na Campanha Lula Livre, não corresponderam a adoção, por parte do conjunto do Partido, de uma política que realmente busque construir a derrubada do governo, a antecipação das eleições e a anulação da sentença de Lula, para que este possa intervir plenamente e inclusive ser candidato nas eleições presidenciais.
123.Aliás, sexta posição, há um amplo setor do Partido que, assumindo ou não publicamente isto, tendo ou não consciência disso, parece ter jogado a toalha em relação a reconquista dos direitos políticos de Lula e trabalha apenas com a alternativa Haddad 2022. Como se fosse verdade a tese segundo a qual se Bolsonaro conseguir ficar até 2022, será mais fácil para nós derrotá-lo, devido ao seu desgaste.
124.Da nossa parte, reafirmamos que é preciso insistir na campanha Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Fora este governo e suas políticas, Eleições presidenciais diretas já, Anula STF. Reafirmamos, também, que Lula deve jogar um papel mais ativo na luta política nacional.
125.Finalmente, se analisarmos com mais detalhe, a relação entre o governo e os diferentes setores do empresariado; a postura das forças armadas e das polícias militares frente ao governo; os conflitos entre o governo e a cúpula do sistema judiciário; a relação entre o governo e o parlamento, em particular com o chamado Centrão, veremos que a situação não está estável para ninguém. Mas para que esta instabilidade não termine sendo útil para o bolsonarismo, ou para outros setores do golpismo, é preciso que o Partido radicalize seu discurso e amplie sua presença junto ao povo. O que nos remete a uma discussão político-organizativa essencial, que é a do trabalho de base e a da retomada dos núcleos.
A situação e o Partido
1.Desde março de 2020, portanto há mais de 120 dias, estamos em pandemia. Isto tornou mais difícil o que já era difícil, tornou mais complexo o que já era complexo, acentuando algumas tendências que antes da pandemia considerávamos negativas (por exemplo, a “militância nas redes”, o “ultracentralismo” de certas direções e a redução na mobilização social).
2.Este preâmbulo é necessário, para alertar para o seguinte: por mais esforço que façamos em analisar corretamente a situação, por mais que aprovemos resoluções, aumentou a distância entre o “decidir fazer” e o “fazer acontecer”.
CRISE SISTÊMICA, GEOPOLITICA E ESTRUTURAL
3.Isto posto, começando pelo começo, temos insistido na caracterização geral do período (em escala mundial) como de “crise sistêmica”, para a qual temos que buscar produzir uma “alternativa sistêmica”.
4.Temos insistido também que, para além do conflito geopolítico (especialmente entre China e Estados Unidos), há também uma “crise estrutural” do capitalismo, que teve uma de suas manifestações agudas em 2008 e que, segundo a maior parte das previsões, teria outro pico a qualquer momento.
5.Mas este pico não veio e a pandemia embaralhou todas as cartas.
6.A questão, politicamente muito relevante, é saber quais os “efeitos colaterais” que a crise sanitária produzirá na “crise estrutural”.
7.Cabe lembrar que um dos fenômenos de fundo da “crise estrutural” é que o desenvolvimento das forças produtivas cada vez mais descarta força de trabalho, aumentando a produtividade e a produção, ao mesmo tempo que faz baixar a taxa de lucros e afeta a capacidade de consumo de massas crescentes da população.
8.E o que temos visto, como uma das decorrências da crise sanitária? Mais substituição de trabalhadores vivos por máquinas, mais desemprego estrutural, colocando os próprios capitalistas diante da necessidade de sustentar parte do consumo por outros meios, que não o da massa salarial.
9.A maneira como o capitalismo tenta “resolver” isto (mantendo uma parte da população na miséria absoluta e mantendo outra parte pouco acima deste limiar, graças a “rendas emergenciais”) revela por um lado os limites deste sistema e, por outro lado, coloca o movimento socialista diante de situações que foram descritas, literariamente, por Jack London, onde se fala da difícil relação entre o proletariado e o “povo do abismo”.
10.Olhando em perspectiva, podemos estar diante de dois cenários diferentes:
1/ a pandemia passar, a crise prosseguir e se manifestar em um novo 2008, caso em que a situação sanitária terá sido apenas um hiato, um parêntese;
2/ durante a pandemia, os capitalistas e seus governos tomam medidas que produzem os efeitos “purgantes” que um novo 2008 causaria – concentração e centralização de capitais, novo patamar de exploração da classe trabalhadora, saltos tecnológicos etc.
11.A depender do cenário (ou de suas combinações), aumentam ou diminuem as chances de, no curto prazo, ocorrer um novo ciclo de expansão capitalista e também afetam a natureza deste ciclo.
12.Vale acentuar que, para que ocorra um novo ciclo de expansão capitalista –portanto, diferente do crescimento rastejante que temos tido nas últimas décadas, no mundo capitalista neoliberal -- seria necessário OU bem a abertura de uma nova frente de investimentos (o fundo do mar, o espaço), OU bem uma reconstrução em larga escala (que suporia uma grande destruição prévia, ao estilo do que foi a Segunda Guerra).
13.Notar, a esse respeito, que os tambores de guerra continuam soando. Ou seja, a busca do capitalismo por gerar mais lucros gera, por todos os lados, fenômenos destrutivos e doentios.
BRASIL, CRISE NACIONAL
14.Além da crise estrutural e da crise geopolítica, temos batido na tecla de que o Brasil vive uma “crise nacional”, ou seja, uma situação similar a vivida nos anos 1980, quando esgotou o “ciclo desenvolvimentista” e o país ficou diante da disjuntiva caminho neoliberal ou caminho democrático-popular-socialista.
15.Naquele momento, como hoje, não se trata de uma “crise revolucionária”. Aliás, se há algo que caracteriza o nosso país, é que até hoje não vivemos uma grande revolução. Não admira que, dos “gigantes” do mundo, sejamos o mais atrasado sob vários pontos de vista.
16.Quando falamos de “crise nacional”, nos referimos ao fato de que a dinâmica geral da sociedade brasileira gera contradições cada vez maiores, cujo não solução empurra esta sociedade para uma situação de “múltiplas doenças crônicas”. Situações que obrigam cada classe social, cada força política, a buscar caminhos e meios que permitam reestruturar o funcionamento da sociedade.
17.Claro que esta busca de caminhos e meios PODE vir a tornar-se uma crise revolucionária, mas o problema também pode ser resolvido por uma ofensiva reacionária, como a que estamos presenciando hoje.
18.O que resultará da presente crise nacional? Claro que isto dependerá da luta de classes interna a nossa sociedade e, por outro lado, dependerá da relação entre nossa sociedade e a situação mundial. Mas vale a pena observar o que ocorreu na crise nacional anterior, aberta no final dos anos 1970, início dos anos 1980.
40 ANOS DE NEOLIBERALISMO
19.O fato de não termos DERRUBADO a ditadura, que conseguiu retirar-se “em ordem”; o fato da “transição para democracia” ter sido no fundamental lenta, segura e gradual, prescindindo inclusive de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, democrática e soberana; o fato dos neoliberais terem triunfado nas eleições de 1989 e reafirmado seu triunfo em 1994, recebendo “mandato popular” para fazer o que fizeram; tudo isto, junto e misturado com a situação mundial (ascenso neoliberal, recuo do socialismo), resultou em 40 anos de neoliberalismo.
20.É importante afirmar isso: os momentos de crise parecem apenas momentos, parecem apenas conjunturas, mas nestes momentos decide-se o perfil futuro de décadas inteiras. Por isso temos insistido que vivemos uma situação em que se faz necessário articular, mais do que nunca, a conjuntura e a estrutura, a tática e a estratégia, o emergencial e o programa de médio prazo.
21.Os 40 anos posteriores a 1980 foram de hegemonia neoliberal (ou seja, uma “ditadura” da “sociedade limitada” entre o capital financeiro, o capital transnacional e o agronegócio exportador); de aprofundamento de algumas das desigualdades sociais (para dar um exemplo, a estrutura patrimonial e a repartição da renda nacional entre capital e trabalho é pior hoje, do que era nos anos 1970); de crescimento baixo (nunca mais tivemos vários anos de 7-11% de crescimento do PIB).
22.Mas, ao mesmo tempo, nos 40 anos posteriores a 1980 predominou um nível de liberdades democráticas e de incidência institucional dos setores populares muito superiores aos do passado pré-1964.
23.A classe dominante não pode, não quis ou não precisou lançar mão dos métodos ditatoriais típicos do período 1930-1945 e 1964-1985.
24.Graças a isso, tivemos no Brasil o mesmo que nos países europeus, no período anterior e posterior as grandes guerras: havendo mínimas liberdades democráticas, parcelas cada vez mais amplas da classe trabalhadora votam nos seus partidos.
25.No caso brasileiro, isto desembocou no ciclo de governos presidenciais petistas, entre 2003 e 2016. Gerando, em alguns analistas, uma falsa percepção sobre o sentido geral seguido pela sociedade brasileira no período 1980-2020.
26.O fato é que, apesar da influência da esquerda ter sido maior do que nunca tinha sido na história do Brasil; e apesar disto ter se traduzido em conquistas efetivas no plano de algumas políticas públicas e conquistas materiais; apesar disso, no plano econômico-estrutural (patrimônio e renda) a desigualdade persistiu sendo uma das maiores do mundo.
27.Aliás, embora tenha sido sempre combatida pela classe dominante, a nossa presença no governo federal não impediu que os lucros dos capitalistas seguissem crescendo, não reverteu as privatizações feitas nos governos anteriores, nem reverteu a desindustrialização nacional.
28.Seja como for, a crise de 2008 mudou as condições gerais e, para a classe dominante brasileira, tornou-se estratégico retomar o controle completo do governo federal. Não bastava mais controlar o Banco Central e outras áreas e políticas, era necessário controlar o conjunto da operação, inclusive para privar a classe trabalhadora de meios para se defender da onda reacionária.
UMA CLASSE DOMINANTE PRIMÁRIA E BRUTAL
29.Os acontecimentos posteriores às eleições presidenciais de 2014 não devem ser vistos, portanto, como episódios isolados. Tudo o que vem acontecendo desde então indica que a dinâmica da luta de classes está voltando a ser parecida com o que era antes de 1980. Nos referimos, especificamente, ao seguinte: para a classe dominante, é fundamental reduzir ao mínimo possível, tanto as liberdades democráticas quanto a presença institucional dos setores populares.
30.Não se trata de uma “tara” pessoal do cavernícola que nos preside, nem de um vício da cúpula das forças armadas e das polícias. Ocorre que a classe dominante brasileira considera que nosso papel no mundo é o de “exportar primários e importar industrializados”.
31.Aceita esta premissa, a prioridade primário-exportadora tem várias consequências. Uma delas é a contada na fábula de Procusto: é preciso amarrar o Brasil na cama e cortar tudo que fique para fora. Dito de outro jeito, fazer o Brasil de 2020 caber nas roupas do Brasil de 1920.
32.Em termos econômicos, um país primário-exportador não conseguirá oferecer saúde, educação, moradia, trabalho e salários para a maior parte da atual população brasileira. Aliás, do ponto de vista da lógica dominante, um país primário-exportador não precisa oferecer nada disto. Para começo de conversa, para que tantos trabalhadores virando universitários?? Para que uma trabalhadora doméstica deveria querer fazer viagens de avião??
33.Vale dizer que esta visão é antiga: já em 1988, José Sarney e outros diziam que os direitos previstos na Constituição de 1988 não cabiam no Brasil.
34.Em consequência disto, a classe dominante precisa tratar a questão social (cerca de 200 milhões de brasileiros e brasileiras) como “caso de polícia”.
35.Como decorrência do ultraliberalismo, a classe dominante precisa e defende reduzir substancialmente as liberdades democráticas, os espaços institucionais e de auto-organização do povo.
36.O “bolsonarismo” não é um fenômeno isolado, nem patologia individual. Sob esta e outras formas, a tendência é de que a classe dominante se comporte de maneira mais e mais repressiva e intolerante.
37.Os fenômenos do golpismo, da militarização, da criminalização, do punitivismo penal, do encarceramento em massa, da partidarização da justiça, da judicialização da política, da intolerância e do fundamentalismo derivam daí.
38.Isto que vem sendo chamado de “fascismo” ou de “neofascismo” é, portanto, uma ferramenta que a classe dominante vai usar cada vez mais, pelo menos até que nossos capitalistas sejam derrotados.
A CLASSE DOMINANTE SABE O QUE FAZ
39.Em resumo: a crise social, a crise econômica e a crise cultural (entendendo por isso um choque acentuado entre visões de mundo) fazem parte de uma “crise nacional” mais ampla, que diz respeito ao futuro de médio prazo da nossa sociedade.
40.Apenas como imagem, se a opção preferencial da classe dominante for levada até o fim, o Brasil daqui há dois anos chegará em... 1922.
41.Seja como for, não é de admirar que estejamos assistindo, hoje, alguns debates que tem similitudes com os que foram travados por anarquistas, socialistas e comunistas, na década de 1920.
42.O risco que corremos, óbvio, é cometer de novo os mesmos erros (entre os quais colocar a classe trabalhadora sob a direção de uma suposta “burguesia nacional” ou de seu alter ego, a “pequena burguesia radicalizada”).
43.É importante ter claro, também, que esta opção é a mais lógica e a mais lucrativa para a classe dominante.
44.Para começo de conversa, o Brasil (e a região sulamericana) possui extensas reservas naturais de tudo que é demandado pelas potências industriais. Ganhe quem ganhar a batalha geopolítica em curso no mundo, o Brasil pode fornecer seus minerais, seus vegetais, suas proteínas etc.
45.Em segundo lugar, já existe um excesso de capacidade produtiva no mundo e, se a pandemia produzir um mini-ciclo de substituição de importações naquelas potências que descobriram que não conseguem produzir... máscaras, este excesso de capacidade produtiva vai crescer ainda mais.
46.Neste cenário, a reindustrialização do Brasil exigiria altas doses de protecionismo, muito investimento e muita disposição para brigar com as grandes potências industriais já instaladas. Exigiria, também, ampliar a capacidade de consumo da classe trabalhadora brasileira. Ou seja, a classe dominante brasileira – que usa nossos baixos salários como vantagem comparativa – teria que abrir mão de parte dos seus lucros e correr riscos numa guerra geopolítica.
47.Muito mais cômodo é aceitar a posição de gestores de um entreposto primário-exportador, abastecido com produtos industriais comprados nas grandes oficinas & laboratórios do mundo.
EM QUE PONTO ESTAMOS DA HISTÓRIA
48.Neste ponto, cabe perguntar: a partida já está decidida? Estamos em 1889 ou em 1902? Estamos em 1922 ou em 1935? Estamos em 1945 ou em 1947? Estamos em 1964 ou em 1968? Estamos em 1985 ou em 1989? Ou seja, a batalha decisiva já foi travada e nós a perdemos, e portanto teremos pela frente um período mais ou menos longo de defensiva estratégica; ou a batalha decisiva ainda será travada e, portanto, a história pode seguir um curso completamente diferente e no curto prazo podemos estar construindo um cenário estratégico completamente diferente?
49.Sabemos que nem o golpe de 2016, nem a condenação/prisão/interdição de Lula, foram suficientes para decidir o resultado do jogo.
50.As eleições presidenciais de 2018 foram, como todas as eleições presidenciais desde 1989, polarizadas pelo PT. Ou seja, a dinâmica política do país continuou, pelo menos até 2018, sendo definida pela disputa entre a classe dominante e o petismo.
51.Claro que nos municípios e nos estados não era, nem é, necessariamente assim. Mas no âmbito nacional, foi a disputa PT x classe dominante que prevaleceu desde 1989 até 2018.
52.A grande questão política do país é se esta polarização vai se manter ou se vai ser substituída por outra.
53.Os setores da esquerda e da centro-esquerda que confundem isso com “hegemonismo” ou “patriotismo de partido”, ou bem acreditam no mito da Hidra de Lerna (neste caso, se cortarem a cabeça do PT, outra esquerda surgirá do pescoço decepado), ou bem não entendem algo essencial: o protagonismo do PT, desde 1989 até 2018, é a expressão mais destacada do protagonismo dos setores populares. Por isso a classe dominante não tem dúvida nenhuma acerca de qual é o inimigo principal.
54.O protagonismo do PT é, em si mesmo, um sinal de que a partida ainda não foi concluída, que o placar ainda pode ser virado.
55.Por outro lado, se o PT for destruído, isto significaria que a partida terá sido concluída. Para fazer uma analogia, com todos os limites que isto tem, seria como se estivéssemos em 1947-1968-1989. Ou seja, significaria que teremos pela frente um período mais longo, de uma década ou mais, em que a classe dominante aplicaria seu programa, em que resistiriamos, mas sem que os setores populares conseguissem virar a mesa.
56.Por isso, repetimos mais uma vez, o conjuntural e o estratégico estão tão ligados nos dias que correm. Uma derrota conjuntural nossa, neste momento, não será apenas conjuntural. Abrirá um período mais longo, que pode durar mais ou menos tempo.
57.Por isso, vale dizer, insistimos tanto em não perder a hora certa para defender o Fora Bolsonaro. A vacilação naquela oportunidade, vacilação que se alimenta em parte de uma visão incorreta da urgência da hora, pode vir a se revelar fatal, caso se consolide o acordo por cima, com a manutenção de Bolsonaro e da política de Guedes.
AS ELEIÇÕES DE 2020, DE UM ÂNGULO ESTRATÉGICO
58.Embora não se trate de um fenômeno estrita ou principalmente eleitoral, as eleições de 2020 e as próximas eleições presidenciais (inclusive quando vão ocorrer, se em 2022 ou antes) terão enorme importância para afirmar uma ou outra “narrativa” a respeito do conflito entre o PT e a classe dominante.
59.Embora a situação econômica, social e sanitária deva se agravar nos próximos meses, não está claro como isso vai se traduzir nas eleições municipais de 2020.
60.O número de votos de cada partido, o número de vereadores e prefeitos eleitos, tende a uma grande dispersão, o que tornará muito difícil qualquer conclusão “definitiva”.
61.Entretanto, o resultado eleitoral nas cidades onde ocorre segundo turno, especialmente nas grandes capitais, especialmente no “triângulo das Bermudas” (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo), vai indicar uma tendência.
62.Quando falamos “tendência” referi-mo-nos, por exemplo, ao seguinte: vencemos em São Paulo em 1988, em 2000 e em 2012; e o PT esteve no segundo turno presidencial em 1989, em 2002 e em 2014.
63.Mas também é verdade que perdemos em São Paulo em 1992 e em 1996, mas mesmo assim o PT ficou em segundo lugar na disputa presidencial de 1994 e de 1998.
64.E igualmente é verdade que perdemos em São Paulo em 2004 e em 2008, mas mesmo assim vencemos as eleições presidenciais de 2006 e de 2010.
65.Portanto, existe uma relação entre o desempenho do PT nas grandes cidades (no caso, falamos de SP capital, mas o exemplo é extensivo ao conjunto das 100 maiores cidades do país) e, dois anos depois, o desempenho do PT nas eleições presidenciais, mas esta relação envolve outras variáveis além do resultado eleitoral estrito senso.
66.Seja como for, voltamos a dizer que não está claro o que vai ocorrer nas eleições de 2020. Mas se o desempenho do Partido dos Trabalhadores puder ser apresentado (com maior ou menor aderência à realidade) como positivo, isto ajudará a manter viva a polarização PT x classe dominante na eleição presidencial vindoura e noutros terrenos da disputa.
67.Mas se o PT sofrer uma derrota acachapante nas eleições de 2020, ou seja, se o resultado for tal que não possa ser interpretado de outra forma senão como uma derrota, neste caso recrudescerá brutalmente a pressão por parte daqueles que querem virar a página da polarização PT x classe dominante.
68.Os que desejam isto, em primeiro lugar, são os setores que defendem uma terceira via. Aqui se alinham os que converteram o PT em inimigo principal (como é o caso de Ciro Gomes); também se alinham os que defendem que, para derrotar o inimigo principal, o PT seria um problema, não uma solução (setores do PCdoB, setores do PSOL, outros).
69.Além dos que desejam isso, há os que se conformam com este tipo de desfecho. É o caso de setores do PT que se sentem confortáveis na condição de “sócios menores”; e, paradoxalmente, setores do PT que consideram que o suposto “hegemonismo” do Partido dificulta a construção de uma alternativa mais solidamente de esquerda, capitulando à ideia de que o caminho para uma frente de esquerda passa por enfraquecer e não por fortalecer o PT.
70.Quando olhamos para a classe dominante estrito senso, também enxergamos posições diferentes a respeito do “protagonismo” do PT.
71.Alguns setores adotam defendem o extermínio total do Partido; outros defendem que bastaria ele ser esmagado, até tornar-se uma força residual; outros consideram que o ideal seria a conversão do PT em uma espécie de PSDB recauchutado (uma espécie de Tony-Blairização do Partido, o que converteria o petismo numa alternativa confiável para um setor da classe dominante); e, finalmente, há os que consideram que a existência do PT pode até ser útil, desde que o PT possa funcionar como um espantalho, forte o suficiente para ir ao segundo turno, fraco demasiado para ganhar o segundo turno.
72.Seja como for, repetindo o que já foi dito antes, embora não se trate de um fenômeno estrita ou principalmente eleitoral, as eleições de 2020 e as próximas eleições presidenciais (em 2022 ou antes) terão enorme importância para afirmar uma ou outra “narrativa” a respeito da manutenção ou não da polarização PT x classe dominante. E, claro, não se trata apenas de uma “narrativa”, mas sim de uma medida eleitoral, da correlação de forças real na sociedade.
73.Este fato nos parece ter sido percebido pelo conjunto do PT e, também por isso, prevaleceu na direção nacional do partido a tática de lançar candidaturas petistas onde fosse possível.
HÁ RISCOS DE UMA DERROTA CATASTRÓFICA?
74.Só depois das eleições teremos certeza de qual foi o resultado prático desta tática. Mas desde já há, no Partido, opiniões contraditórias a respeito, desde quem diga que o PT vai “bombar” nas eleições, até que ele pode sofrer uma derrota catastrófica.
75.Entre os que defendem esta segunda tese, há quem enfatize o seguinte:
1/o bolsonarismo mantém um núcleo duro de apoio;
2/apesar do governo ter uma política de saúde que já nos custou a vida de mais de 85 mil brasileiros e brasileiras, há uma dinâmica de “naturalização” do genocídio;
3/o núcleo duro de apoio ao governo se mantém, também apesar de já termos mais de 40 milhões de brasileiros desempregados, desalentados ou em vias de. Aliás, frente a alguns setores, Bolsonaro tenta vender a ideia de que é ele quem defende os que precisam trabalhar;
4/por outro lado, a oposição de centro e de direita dispõe de meios institucionais, materiais e comunicacionais maiores do que os nossos, para capturar o eleitorado descontente com Bolsonaro;
5/há uma operação de ocultamento do petismo, vide o ocorrido no caso da ajuda emergencial, somada a operação que vem desde 2005, de estigmatização do Partido;
6/as características desta campanha, em meio a pandemia, provavelmente com altos níveis de abstenção, podem tornar muito difícil ao PT ter um desempenho de reta final similar ao de outras eleições;
7/as direções partidárias em todos os níveis e as candidaturas postas, com raras exceções, ainda estão com muita dificuldade para se movimentar no na conjuntura.
76.Destes pontos, o único que está sob nossa (do Partido) governabilidade é o último. Portanto, vamos analisa-lo com um pouco mais de cuidado.
77.A maior parte das direções municipais e boa parte das direções estaduais do PT passa por grandes dificuldades, financeiras, organizativas e políticas. Isto não é um detalhe trivial, pois num momento como o que vivemos, é de grande importância a ação das direções. A direção nacional do PT também enfrenta dificuldades financeiras, organizativas e políticas.
78.Ao mesmo tempo, a direção chamou para si a decisão final sobre as candidaturas. Em diversos casos isto não implicou na solução ótima. Há casos surpreendentes, em que a CEN aprovou alianças com partidos e candidaturas bolsonaristas; mas ainda não sabemos se isto é uma exceção ou se há um grande número de cidades onde tenham ocorrido alianças exóticas, com diferentes matrizes do golpismo. E há as situações, politicamente mais relevantes, de grandes capitais, onde as candidaturas e/ou as politicas de aliança geram desconforto em setores do partido e/ou em setores do eleitorado petista.
79.Sobre isto, nossa posição deve ser informada, por escrito, diretamente ao DN, que deve abordar a questão em reunião convocada para o dia 31 de julho.
80.Para além de corrigir a tática em algumas cidades, é preciso refletir sobre a situação nacional, incluindo aí a situação do Nordeste.
81.Está ficando claro que o balanço feito por alguns, em 2018, acerca do sucesso da “tática adotada no nordeste”, não levou em devida conta diversos problemas, entre os quais:
1/os interesses próprios dos partidos de centro direita aliados ao PT em vários estados do nordeste;
2/a capacidade de atração que o governo Bolsonaro tem, por sobre alguns partidos de centro e direita que fazem parte da base de apoio dos governos estaduais;
3/o impacto da crise sanitária, econômica e social, por sobre a capacidade tributária e de ação dos governos estaduais;
4/os efeitos eleitoralmente contraditórios da postura dos governadores petistas do Nordeste frente a pandemia;
5/a força que o gverno federal pode exibir, no confronto com outras unidades da federação, inclusive utilizando a PF e outras “ferramentas”.
82.Assim como as grandes cidades, o desempenho geral do PT no Nordeste também vai construir uma “narrativa” acerca da manutenção, ou não, da polarização PT x classe dominante.
83.Ao relacionar os problemas, não quer dizer que consideremos que o resultado será catastrófico. Há outras variáveis, que podem resultar num desempenho positivo ou razoável por parte do PT. Mas para que isso ocorra, é indispensável que os problemas anteriormente listados sejam enfrentados.
84.Na lista de problemas, citamos dois mais:
1/está cada vez mais comum ver nossa direção nacional ser palco de um “cabotinismo” que, ao invés de nos fortalecer, nos enfraquece. O autoelogio – reforçado pelo fato de muitas de nossas reuniões serem transmitidas ao vivo – estimula uma imagem falsa, de que as coisas estão bem para nós, de que estamos fazendo tudo certo. E isto não é verdade.
2/está em curso uma “batalha” pelo destino dos recursos do fundo eleitoral. Esta batalha contrapõe demandas do “sindicato dos parlamentares”, demandas setoriais, interesses burocráticos-gerenciais da tesouraria nacional, interesses de tendência, interesses político-pessoais etc. Como se trata de dinheiro público, é importante um debate público, transparente e didático a respeito.
85.Como já dissemos, independente do que ocorra em 2020, continuará uma disputa acerca da manutenção ou não da polarização PT x classe dominante. Por isto mesmo, é essencial que nossa tática, nossa linha de campanha, nossa política de alianças, esteja organizada por um duplo objetivo: por um lado, obter vitórias eleitorais; por outro lado, polarizar política e programaticamente com o ultraliberalismo, com o bolsonarismo, com o golpismo.
86.Se adotarmos a linha correta, mesmo que soframos derrotas eleitorais, seguiremos em condições de manter a polarização política, que como já explicamos é essencial para o destino de médio prazo do país.
A LINHA DO PARTIDO SERÁ DECISIVA
87. O PT continuará sendo a expressão político-partidária da maior parte da vanguarda da classe trabalhadora? E continuará, por isso, recebendo a simpatia da maior parte dos segmentos conscientes da classe trabalhadora?
88.Reafirmamos que, em última análise, esta disputa será decidida pelo povo. Não apenas nas eleições, mas no conjunto da luta de classes.
89.Falando em tese, isto pode ocorrer qualquer que seja a orientação política que prevaleça no PT. Ou seja, pode em tese ocorrer com o PT o que ocorreu com o Labour Party, que foi da social-democracia clássica ao neoliberalismo e, hoje, está de volta à social-democracia... de esquerda.
90.Mas, por conta das características da sociedade e da luta política no Brasil, é pouquíssimo provável que o PT sobreviva a qualquer tipo de “tonyblairização”. A esse respeito, vale lembrar que a influência do pallocismo nos levou à borda do precipício.
91.Portanto, não apenas o protagonismo, mas inclusive a sobrevivência do PT depende em grande medida da linha política que o partido adotar.
92.Entendendo por “linha” não apenas uma resolução escrita num pedaço de papel, mas principalmente o comportamento prático, uma maneira de agir na luta de classes, a relação cotidiana do Partido com a classe trabalhadora.
93.Outra questão que deve ser lembrada é que o PT é um dos produtos de uma época muito especial da vida brasileira, em que prevaleceram as liberdades democráticas e, portanto, não houve interrupções brutais na vida dos partidos de esquerda.
94.Caso estas interrupções voltem a ocorrer, caso o PT viva situações como as vividas pelo PC, em 1930, em 1947, em 1964, sua sobrevivência estará brutalmente ameaçada e, novamente, dependerá em grande medida da linha política.
95.O PC, por exemplo, sobreviveu as duas primeiras, mas não sobreviveu a terceira tentativa de extermínio. E isto não apenas por conta da repressão, mas principalmente porque durante a ditadura, o movimento comunista se desconectou do movimento geral da classe trabalhadora.
96.Cabe lembrar, também, que o PT é um partido de tendências. Em épocas de vacas gordas, é mais fácil a coexistência dessas tendências. Em épocas de vagas magras, a coexistência torna-se mais difícil. Um linha incapaz de enfrentar a situação, um comportamento incapaz de coesionar o conjunto do partido, pode estimular comportamentos centrípetos.
97.Outro ponto a lembrar, mesmo não sendo algo fácil de dizer: é preciso lembrar que a geração fundadora do PT está partindo, exatamente neste momento de imensas dificuldades. E parte importante da nova geração dirigente está demasiadamente marcada pela experiência de governo. Aprendeu a fazer política numa determinada “escola”; e, hoje, a situação exige outros conhecimentos, que parte importante desta nova geração ainda não tem. Novamente, o tema da linha política ganha muita importância.
98.Finalmente, e mais importante que tudo, a classe trabalhadora brasileira de hoje é muito diferente da dos anos 1980. Uma parte da classe nunca nos apoiou, outra se decepcionou profundamente conosco, outra nos conheceu basicamente como governo. E as instituições que, em certa medida, intermediam nossa relação com a classe (os sindicatos, os movimentos, a igreja progressista etc.), atualmente todas enfrentam dificuldades.
99.Por todos os motivos citados, e outros mais. o partido precisa de uma linha adequada, ou seja, de uma maneira de atuar na luta de classes, que corresponda às necessidades do atual período histórico. Sem isso, a sua sobrevivência pode ser ameaçada, seja pelos inimigos, seja pelos adversários, seja pelos nossos erros.
100.Enfim, o quadro geral não é para amadores. Como já dissemos, vivemos um daqueles momentos da história em o debate sobre a tática e a estratégia, sobre o conjuntural e o estrutural, sobre o programa de curto e de médio prazo, sobre política e organização, estão profundamente entrelaçados. E num momento desses, erros que noutras circunstâncias seriam de pouco impacto, hoje podem ser estrategicamente fatais.
O DEBATE SOBRE O PROGRAMA
101.Neste sentido, é revelador que no meio das eleições de 2020, o Diretório Nacional tenha encarregado a FPA (mais exatamente, encarregou Fernando Haddad, Aloizio Mercadante e o “centro de altos estudos”) de fazer um programa de transformação do Brasil.
102.Já apresentamos uma crítica à primeira versão deste texto (http://valterpomar.blogspot.com/2020/07/por-um-plano-de-transformacao.html) e faremos o mesmo, no dia 31 de julho e em outras oportunidades, em relação a segunda versão, que aliás começa a ser apresentada de público, como se fora uma posição quase oficial.
103.O que em primeiro lugar chama a atenção é que o conteúdo do texto reflete uma concepção estratégica alguns graus abaixo do que consideramos adequado para a situação.
104.Em nossa opinião, um programa que articule nossos objetivos imediatos, emergenciais, com nossos objetivos de médio prazo, estratégicos, pode contribuir muito para que o partido saia politicamente vitorioso desta conjuntura, qualquer que seja o resultado eleitoral.
OBSERVAÇÕES SOBRE A CONJUNTURA ESTRITO SENSO
105.A prisão de Queiroz e as investigações acerca das fake news, que fornecem mais e mais provas do comportamento criminoso de Bolsonaro e seu clã, deveriam servir como argumento adicional para cassar a chapa ou, pelo menos, para iniciar o processo de impeachment. Mas, na verdade, serviram de argumento para construir um acordo por cima.
106.O fato é que as diferentes facções do golpismo têm como prioridade manter a política ultraliberal, a tutela militar e o isolamento do PT, até o momento todas preferem apostar em um acordo.
107.O acordo pode assumir diferentes formas: a/Bolsonaro permanece, supostamente domesticado; b/Bolsonaro sai, mas no seu lugar entra Mourão; c/assume um “governo de salvação nacional”.
108.Nenhuma destas alternativas garante uma política adequada contra a pandemia, o fim da política de Guedes e a reconstrução das liberdades democráticas.
109.O melhor caminho para evitar o acordo por cima é estimulando a mobilização popular, sob todas as suas formas (virtual, simbólica, presencial). Sem mobilização, os que deram o golpe de 2016, os que prenderam e condenaram Lula, os que fraudaram as eleições de 2018, continuarão aplicando seu programa e levando o país de volta ao passado.
110.É cada vez mais necessário, urgente e indispensável ampliar todas as formas de luta do povo. Vale, neste sentido, analisar detalhadamente as lutas e mobilizações ocorridas no último período (torcidas, entregadores de aplicativos, professores, metalúrgicos da Renaul do Paraná etc.).
111.Entre as dificuldades enfrentadas pelas mobilizações, está a existência, nas esquerdas brasileiras, de duas táticas na luta contra o bolsonarismo: a tática da denominada frente ampla e a tática da frente de esquerda. Sobre isso já opinamos noutro momento(http://valterpomar.blogspot.com/2020/06/que-tipo-de-frente-derrota-o-fascismo.html).
112.A mais recente expressão destas duas táticas foi a participação de várias lideranças petistas, psolistas e comunistas no comício virtual “direitos já”, sob a tutela ideológica do tucanismo, que fala muito sobre democracia, nada de impeachment e menos ainda da política de Guedes. Deixando claro que a tática da frente ampla tem como um de seus objetivos neutralizar & cooptar o PT, para uma política de acordo por cima; ou, se não for possível, isolar & derrotar nosso Partido.
113.Aliás, é didático ver como o movimento pelos “direitos já”, e tantas outras manifestações da chamada “frente ampla pela democracia”, esfriaram totalmente depois que Bolsonaro, após a prisão de Queiroz, deu vários sinais de estar disposto a algum tipo de acordo.
114.Não acreditamos que Bolsonaro seja capaz de deter seus ímpetos golpistas. Mas tampouco acreditamos na disposição oposicionista e na vocação democrática dos setores não bolsonaristas do golpismo. E muito menos nos negamos a ver o óbvio: não é a pessoa de Bolsonaro, mas o conjunto da coalizão golpista, que está operando um “golpe por dentro das instituições”.
115.Frente a esta situação, devemos nos engajar na construção de uma campanha de massas pelo Fora Bolsonaro e Mourão/impeachment/diretas já, obrigando os que discursam a favor de uma frente ampla pela democracia, a sair da zona de conforto, em que falam de democracia, mas não lutam verdadeiramente por ela.
116.Mas para que este engajamento ocorra, é preciso enfrentar algumas concepções que seguem existindo entre nós.
117.A primeira é a que acredita que só depois da pandemia, será possível fazer mobilização mais ampla. Desconhecendo, entre outras coisas, que mais de 50 milhões de trabalhadores seguem todo dia, de suas casas para os locais de trabalho.
118.A segunda é a que considera que o espaço principal de oposição é o parlamento. É verdade que conseguimos algumas vitórias no parlamento, em parte devido a nossa mobilização, mas em parte, também, devido as disputas na base do governo e as múltiplas chantagens do Centrão (o Fundeb, por exemplo). Mas também é verdade que o efeito prático destas nossas vitórias parlamentares é muito variado (há os vetos, há a distância entre o aprovado e a vida real). Um grande exemplo disto é o efeito prático que teve a ajuda emergencial, para manter a base de apoio do bolsonarismo junto as camadas mais pobres, inclusive no Nordeste.
119.A terceira é a que acha que a ação dos nossos governos estaduais e municipais é, isoladamente, o principal vetor de oposição. Sem subestimar a importância de nossos governos, é preciso levar em conta a incidência de outros fatores – como os citados no ponto 81 do documento. Cabendo lembrar que os governos que mais defenderam o isolamento podem, se houver um relaxamento agora, enfrentar uma situação sanitária mais difícil semanas que antecedem o processo eleitoral.
120.A quarta é a que trata as eleições de 2020 como uma disputa municipal, onde os grandes temas nacionais serão apenas um pano de fundo.
121.A quinta é a que terceiriza – para as frentes, por exemplo – a condução da campanha Fora Bolsonaro. Como se o papel da direção nacional fosse o parlamento e as eleições. A campanha própria do Partido pelo Fora Bolsonaro, por exemplo, em boa medida ainda não saiu da prancheta.
122.Aliás, a adoção da palavra de ordem Fora Bolsonaro e a participação formal do PT na Campanha Lula Livre, não corresponderam a adoção, por parte do conjunto do Partido, de uma política que realmente busque construir a derrubada do governo, a antecipação das eleições e a anulação da sentença de Lula, para que este possa intervir plenamente e inclusive ser candidato nas eleições presidenciais.
123.Aliás, sexta posição, há um amplo setor do Partido que, assumindo ou não publicamente isto, tendo ou não consciência disso, parece ter jogado a toalha em relação a reconquista dos direitos políticos de Lula e trabalha apenas com a alternativa Haddad 2022. Como se fosse verdade a tese segundo a qual se Bolsonaro conseguir ficar até 2022, será mais fácil para nós derrotá-lo, devido ao seu desgaste.
124.Da nossa parte, reafirmamos que é preciso insistir na campanha Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Fora este governo e suas políticas, Eleições presidenciais diretas já, Anula STF. Reafirmamos, também, que Lula deve jogar um papel mais ativo na luta política nacional.
125.Finalmente, se analisarmos com mais detalhe, a relação entre o governo e os diferentes setores do empresariado; a postura das forças armadas e das polícias militares frente ao governo; os conflitos entre o governo e a cúpula do sistema judiciário; a relação entre o governo e o parlamento, em particular com o chamado Centrão, veremos que a situação não está estável para ninguém. Mas para que esta instabilidade não termine sendo útil para o bolsonarismo, ou para outros setores do golpismo, é preciso que o Partido radicalize seu discurso e amplie sua presença junto ao povo. O que nos remete a uma discussão político-organizativa essencial, que é a do trabalho de base e a da retomada dos núcleos.
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