Primeiro foi
o pedido de renúncia.
Depois veio o
comentário de Flávio Dino, sobre Mourão assumir e ficar até 2022.
E agora,
finalmente, apareceu a fórmula completa: “praticamente” uma frente de “salvação
nacional”.
A ideia está
na entrevista concedida hoje, 16 de abril, pelo companheiro Tarso Genro ao
jornal Folha de S.Paulo.
A entrevista
pode ser lida aqui: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/uma-tentativa-de-impeachment-frustrada-fortalecera-bolsonaro-diz-tarso-genro.shtml
O raciocínio
de Tarso, ao menos sua versão publicada, é o seguinte:
“Nossa frente hoje é
praticamente de salvação nacional. E estão incluídas todas as forças que
entendem que não haverá política, democracia e Estado se a pandemia vencer. O
elemento agregador hoje da estratégia política é a favor de uma disciplina
social de isolamento e apoio irrestrito a todos os governadores e prefeitos,
seja do partido que forem, que estejam a favor da estratégia de enfrentamento
do flagelo sanitário. Esta é a questão chave”.
Talvez em
nome desta “questão chave”, Tarso elogia Dória, um governador que estaria "atuando
bem em relação a questão da pandemia”; embora faça ressalvas acerca de sua
postura frente a democracia.
Mas o que seria
“atuar bem” em relação a pandemia?
Vários dos
setores que estão a favor da quarentena social, também estão a favor de tirar
direitos do povo, como aconteceu recentemente, na votação da MP 905, verdadeira
reforma trabalhista plus. E como também aconteceu na
autorização para que o BC compre títulos podres de instituições financeiras em
dificuldades.
Se o “elemento
agregador da estratégia” da esquerda é ser a favor de uma “disciplina social de isolamento”;
se devemos dar apoio “irrestrito” a todos, “seja do partido que forem”, desde
que defendam a “estratégia de enfrentamento do flagelo sanitário”; resta a
Tarso explicar como devemos lidar com o detalhe de que parte desses “sanitaristas
de última hora” também está a favor de aprovar, no meio do flagelo, medidas que
aprofundam a desigualdade social e que, por tabela, reduzem a capacidade dos trabalhadores
de enfrentar a pandemia.
Dória, por
exemplo, aplica uma política de combate à pandemia que está muito longe de ser
eficaz, essencialmente porque ele apoia (e, no que está ao seu alcance, também implementa)
medidas de política econômica e social que ajudam, objetivamente, no espalhamento
do vírus.
A impressão
que tenho é que o efeito “bode na sala” faz com que certas pessoas estejam
dispostas a aceitar qualquer coisa, desde que não Bolsonaro, mesmo que para
isso tenham que abandonar até mesmo a lógica.
Acontece que
“qualquer coisa” não vai aumentar o tamanho da sala, ou melhor, não vai
aumentar nosso êxito, nem no combate a pandemia, muito menos no combate a cada
vez mais catastrófica situação social e econômica.
Além da “salvação
nacional”, Tarso apresenta na entrevista à Folha outra ideia muito importante: a de que o mecanismo do impeachment só deve ser utilizado no momento em
que tivermos certeza de que temos maioria.
Na prática, o
que significaria isto?
Que a esquerda só deve dar andamento a um pedido de
impeachment depois que a direita – que é maioria no Congresso – estiver apoiando
o impeachment??
Mas se for
assim, não há dúvida nenhuma de que o impeachment resultante será um
instrumento útil apenas para o lado de lá.
A “certeza de ganhar” se converte,
na prática, em passividade; o que favorece os setores de direita que,
eventualmente, poderiam votar contra Bolsonaro.
Mas se nossa
postura for de passividade, o que é mesmo que levaria estes setores de direita a
arriscar afastar o cavernícola?
Talvez eles se arriscassem devido a nossa própria passividade, pois ela
deixaria claro, para a direita, que não vamos nem mesmo tentar aproveitar a situação criada por
um impeachment, para quem sabe devolver o governo federal ao povo.
Concorre
para esta minha interpretação a resposta que Tarso dá para outra questão feita pela Folha, sobre se um impeachment depois
do outro não seria problemático.
Tarso obviamente descarta a questão, mas agrega que se tem impeachment,
então é porque teria “uma maioria social e política suficientemente articulada
para manter a estabilidade democrática do país depois”.
Obviamente
isto não é verdade em relação ao impeachment da Dilma. Não houve manutenção da estabilidade democrática do país depois do golpe. Pelo contrário.
Mas o que Tarso diz foi relativamente verdadeiro em
relação ao impeachment do Collor. E, pelo visto, é um cenário parecido aquele, o que Tarso está
desenhando para um hipotético impeachment de Bolsonaro.
A saber: uma “maioria
social e política” que garantiria a "estabilidade democrática do país".
Na época de Itamar, concedeu-se aos neoliberais a tranquilidade para gestar o plano Real e a candidatura FHC. Agora, no contexto de um hipotético governo de "salvação nacional" pós-Bolsonaro, tenho até medo de pensar o que, ou quem, se gestaria.
Na época de Itamar, concedeu-se aos neoliberais a tranquilidade para gestar o plano Real e a candidatura FHC. Agora, no contexto de um hipotético governo de "salvação nacional" pós-Bolsonaro, tenho até medo de pensar o que, ou quem, se gestaria.
Lógico que
quem pensa assim, pode ter o apreço que quiser pelo cidadão, mas não vai defender a centralidade de “uma
eventual candidatura do Lula”.
Pois, a preços de hoje, falar de Lula candidato é dar um sinal claro de que não cogitamos embarcar num pacto de "salvação nacional" com golpistas e ultraliberais.
Há outros
aspectos interessantes na entrevista concedida por Tarso, por exemplo sua "resposta", quando a Folha
o lembra que ele defendeu o Fora FHC em janeiro de 1999.
Mas a melhor passagem
é quando ele diz que é um “quadro da esquerda”, mas tem "acordo com o que diz
o Financial Times. É muito estranho.”
Na verdade, Tarso está sendo modesto. Pois há coisas muito mais estranhas entre o Céu e a Terra.
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