quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Celso Rocha de Barros e a dignidade do PT

Servidor federal e doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, Celso Rocha Barros escreveu e a Folha de S. Paulo publicou, no dia 8 de outubro de 2018, um artigo intitulado “PT, volte a ser digno da hora". Reproduzo ao final.

É um artigo deveras curioso. Faz tantas críticas ao PT, que às vezes parece um roteiro para justificar a atitude daqueles que, frente ao fascismo, escolhem o caminho da “neutralidade”. 

Mas acredito que o autor está sinceramente convencido de que devemos derrotar Bolsonaro, sob pena “de que os pobres brasileiros não consigam mais se fazer ouvir no sistema político por uma geração”. 

Portanto, vejamos o que ele propõe para que Haddad possa ser o próximo presidente do Brasil.

Segundo Rocha Barros, o “fracasso de Michel Temer e as revelações da Lava Jato sobre os partidos de direita deram sobrevida ao Partido dos Trabalhadores e colocaram Fernando Haddad no segundo turno”. 

Verdade? Sim, mas meia. Há também que considerar, por exemplo, a influência de Lula sobre o eleitorado popular, especialmente no Nordeste, e a resiliência do Partido dos Trabalhadores à uma década de ataques. 

Não fossem estas duas variáveis, não seria Haddad quem estaria no segundo turno. 

Também conforme Rocha Barros, esta eleição “é a chance do PT encerrar a crise que ajudou a começar com a política econômica do primeiro mandato de Dilma Rousseff”. 

Verdade? Não, por diversos motivos. 

Em primeiro lugar, o que está em jogo neste segundo turno não é a crítica ou a autocrítica do PT. O que está em jogo é a sobrevivência das liberdades democráticas, das políticas de bem estar e da soberania nacional.  

Em segundo lugar, a eleição presidencial não vai encerrar crise alguma. No máximo dará melhores condições para que os setores democráticos e populares enfrentem a crise. 

Em terceiro e principalmente, de que "crise" Rocha Barros fala?

Vejam a frase completa outra vez: “Há eleições que se pode perder, mas essa não é uma delas. É a chance do PT encerrar a crise que ajudou a começar com a política econômica do primeiro mandato de Dilma Rousseff”. 

A pergunta é: qual “crise” teve seu começo “ajudado” pela “política econômica adotada pelo primeiro mandato de Dilma”? 

A resposta está implícita no parágrafo seguinte, onde Rocha Barros afirma que “o primeiro passo, portanto, é abraçar a responsabilidade econômica que faltou a Dilma em 2012”. 

Na origem dos nossos problemas atuais estaria, portanto, a falta de “responsabilidade econômica” da presidenta Dilma em 2012. 

Notem que esta narrativa foi defendida pelo PSDB nas eleições de 2014 e perdeu nas urnas. E foi apoiado nela que o PSDB sustentou, perante o povo, sua postura golpista em 2015 e 2016: o governo Dilma seria responsável pelos problemas econômicos do Brasil. 

Moral da história: aceita esta tese de Rocha Barros, a culpa seria do PT. 

Compreende-se por quais motivos ele defende que a tática do segundo turno consistiria em “esquecer o programa do primeiro turno”. 

O segundo passo proposto por Rocha Barros, que ele considera “até mais importante”, é que o PT “precisa abandonar qualquer ressentimento, qualquer desejo de vingança causado pela crise política que seus adversários provocaram com o impeachment de Dilma Rousseff”. 

As palavras são curiosas. 

Seria “ressentimento” dizer que não foi impeachment, mas sim um golpe? 

Seria “desejo de vingança” lembrar que não se trata de uma crise política, mas sim de uma onda fascista? 

Seria inconveniente perguntar por quais motivos a palavra maldita (fascismo) não aparece no texto de Rocha Barros? 

Talvez não apareça pelo seguinte motivo: neste caso pegaria mal fazer tantas exigências ao PT. 

Afinal, impor condições, mesmo que às custas da vitória do fascismo, não é propriamente uma atitude razoável.

As condições de Rocha Barros são as seguintes: é “hora de esquecer o programa do primeiro turno e abraçar o programa da frente democrática que deve se formar no segundo. Esse programa deve reconhecer a necessidade de ajuste fiscal, corrigindo os defeitos do ajuste de Temer, e deixar de lado toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia, e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment”.

(Deixemos de lado a referência ao “intelectual petista burro”, sem dúvida um belo jeito de começar a construção de uma “frente democrática”, especialmente quando todos sabem que foi o próprio Fernando Haddad quem coordenou a elaboração do programa. )

É importante atentar que o núcleo da crítica de Rocha Barros não atinge a "palhaçadinha" da Constituição, nem o tema do "controle" da mídia, mas sim o tema do ajuste fiscal. 

O que ele propõe é: continuar o ajuste fiscal de Temer, sem os "defeitos"

Noutras palavras: o programa da tal frente democrática é o programa do “centro democrático”, aquele que foi pulverizado nas eleições. 

Rocha Barros quer nos convencer de que, defendendo este programa, o PT conseguiria “reconquistar a confiança geral da população quanto à sua condição de partido responsável, na economia e na política”. 

Claro que ele não consegue esclarecer o que seria a tal “confiança geral”, numa eleição polarizada entre fascismo e liberdades democráticas. 

Nem explica por qual motivo o PT conseguiria sucesso, onde o PSDB fracassou. 

Sem falar, é claro, na repetição do mantra da direita e da centro-direita contra o PT: a falta de responsabilidade, “argumento” esgrimido pelos que tentaram passar a impressão de que houve um impeachment e não um golpe.

Rocha Barros profetiza que “essa é a segunda chance do Partido dos Trabalhadores, mas também é a última”. 

Talvez ele diga isso por saber, embora não use o termo no seu artigo, que o fascismo inclui a aniquilação física dos seus oponentes e a destruição das organizações democráticas e de esquerda.

E agrega: “Se o PT perder para Bolsonaro, há uma perspectiva real de que os pobres brasileiros não consigam mais se fazer ouvir no sistema político por uma geração. O PT não tem o direito de impor aos pobres essa tragédia sendo incompetente ou radical. Agora é a hora do partido voltar a ser a alternativa da esquerda democrática como foi nos anos Lula”.

Genial, não? 

Se Bolsonaro ganhar, seria por culpa do PT. Não dos que estão lavando as mãos, não dos que estão supostamente neutros, nem tampouco seria culpa dos que estimularam o fascismo a tomar conta das ruas. 

A culpa seria do PT, que (só falta dizer isto) insiste em falar alto e usar roupas provocantes!

Para evitar falsas polêmicas: é óbvio que a “campanha no segundo turno deve ser a mais inclusiva possível para todo mundo, da esquerda, do centro ou da direita, que defenda a democracia contra Bolsonaro”. 

É óbvio, também, que queremos que os “centristas democratas” votem no PT. 

Sendo legítimo que se faça alterações no programa, em nome de uma aliança. 

Ocorre que, a depender das alterações que se promovam no programa e na tática da campanha, não haverá vitória alguma.

O problema é: só ganharemos estas eleições se conseguirmos “terminar de ganhar os votos que eram de Lula entre os pobres”. 

Rocha Barros mesmo admite que isto (ganhar voto entre os pobres) é algo que “o PT sabe fazer”. Mas é impossível fazer isto, se a campanha assumir um discurso de ajuste fiscal.

(Vou pular a parte que fala em “discurso imbecil contra Lava Jato ou a favor do vagabundo Nicolás Maduro”; apenas registro que este tipo de approach, quando ganha as massas, vira "bolsonarismo".)

Rocha Barros termina seu texto pedindo que o PT “torne-se” digno da hora. 

Não apenas o tempo verbal é curioso, mas o conjunto do raciocínio. 

Vencemos quatro eleições, fomos derrubados por um golpe, podemos vencer a quinta eleição, mas se não conseguirmos, esta seria nossa “última chance”. 

E ainda: do PT derrotar Bolsonaro dependeria “a sobrevivência da conversa democrática brasileira, a sobrevivência tanto da centro-esquerda quanto da centro-direita, nossa participação na comunidade das nações livres”. 

E se o PT conseguir dar conta de tão grandiosa tarefa? Pois bem, mesmo neste caso ele deveria ser “recriado”. 

E para que ninguém tenha dúvida sobre o sentido dessa recriação, citemos Rocha Barros: “o partido que existiu até agora, aliás, acabou neste domingo. Serviu para manter o eleitorado lulista unido e colocar Haddad no segundo turno. Agora Haddad, junto a Jaques Wagner e os governadores do partido —que já vêm fazendo ajuste fiscal faz tempo— devem recriá-lo”.

De novo, para Rocha Barros o central é o ajuste fiscal.

Respeitosamente, sem ressentimentos nem sentido de vingança, eu sugeriria o seguinte: se quisermos ganhar eleição, e se quisermos tomar posse e governar, precisamos do voto e do apoio do povo. 

Até por isto, o PT não é nem pode ser o partido do “ajuste fiscal”. 

E quem precisa ser recriado não é o PT. É o PSDB. Este sim acabou no domingo 7 de outubro. 

Segue abaixo o texto criticado.

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PT, volte a ser digno da hora
O PT está prestes a ganhar algo raríssimo na política: uma segunda chance. O fracasso de Michel Temer e as revelações da Lava Jato sobre os partidos de direita deram sobrevida ao Partido dos Trabalhadores e colocaram Fernando Haddad no segundo turno, na eleição mais importante de nossa história. Há eleições que se pode perder, mas essa não é uma delas. É a chance do PT encerrar a crise que ajudou a começar com a política econômica do primeiro mandato de Dilma Rousseff.
O primeiro passo, portanto, é abraçar a responsabilidade econômica que faltou a Dilma em 2012. O segundo passo é até mais importante: precisa abandonar qualquer ressentimento, qualquer desejo de vingança causado pela crise política que seus adversários provocaram com o impeachment de Dilma Rousseff. Enfim, é hora de esquecer o programa do primeiro turno e abraçar o programa da frente democrática que deve se formar no segundo. Esse programa deve reconhecer a necessidade de ajuste fiscal, corrigindo os defeitos do ajuste de Temer, e deixar de lado toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia, e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment.
Algumas dessas propostas podem até ser dignas de discussão, mas só depois de o PT reconquistar a confiança geral da população quanto à sua condição de partido responsável, na economia e na política. Essa é a segunda chance do Partido dos Trabalhadores, mas também é a última. Se o PT perder para Bolsonaro, há uma perspectiva real de que os pobres brasileiros não consigam mais se fazer ouvir no sistema político por uma geração. O PT não tem o direito de impor aos pobres essa tragédia sendo incompetente ou radical. Agora é a hora do partido voltar a ser a alternativa da esquerda democrática como foi nos anos Lula.
A campanha no segundo turno deve ser a mais inclusiva possível para todo mundo, da esquerda, do centro ou da direita, que defenda a democracia contra Bolsonaro. Haddad é perfeitamente capaz de levantar as bandeiras que o PT precisa defender, mas o partido precisa deixá-lo vencer. É preciso terminar de ganhar os votos que eram de Lula entre os pobres, o que o PT sabe fazer. Mas também é preciso ganhar terreno no centro, que não está interessado em discurso imbecil contra Lava Jato ou a favor do vagabundo Nicolás Maduro. É preciso deixar que os centristas democratas votem no PT.
O partido que existiu até agora, aliás, acabou neste domingo (7). Serviu para manter o eleitorado lulista unido e colocar Haddad no segundo turno. Agora Haddad, junto a Jaques Wagner e os governadores do partido —que já vêm fazendo ajuste fiscal faz tempo— devem recriá-lo. Um partido de esquerda moderado sempre será favorito nas eleições brasileiras —o PT pode vencer a quinta presidencial seguida daqui a três semanas. É a última chance que o Partido dos Trabalhadores —de longe, o maior vitorioso de nossa história democrática, e, portanto, o maior interessado na preservação de nossa democracia —terá de desempenhar esse papel.
A sobrevivência da conversa democrática brasileira, a sobrevivência tanto da centro-esquerda quanto da centro-direita, nossa participação na comunidade das nações livres, depende da derrota de Jair Bolsonaro. Partido dos Trabalhadores, torne-se digno da hora.
Celso Rocha de Barros é servidor federal e doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.

2 comentários:

  1. Difícil crer na ingenuidade de um "sociólogo de Oxford" articulista da Folha, mesmo porque como sociólogo ele vem se destacando mesmo é como articulista da Folha.

    Trabalho em tesouraria de Banco e estou habituadíssimo a escutar essa mesma cantilena politica disfarçada de "discurso econômico" na boca de 10 entre 10 "economista de banco" e "especialistas" de "mercado".

    Aliás, os meninos do mercado já tem um candidato para chamar de seu e para carregar sua "agenda de reformas", acho que não precisam da ajuda de um sociólogo, mesmo de Oxford, até porque já contam com o auxílio luxuoso do Príncipe da Sociologia.

    Essas almas penadas tucanas (mesmo aqueles que pensam que não são tucanos) buscam desesperados corpos para encarnar e voltar de novo à vida. Celso Rocha parece oferecer seu corpo e sua alma.

    Ele parece esquecer que esse discurso econômico da "austeridade" e da "responsabilidade" fiscal perdeu 4 eleições e foi o mantra do Golpe de Estado e do governo golpista, ilegítimo e inepto de Temer com sua "Ponte" caída para o futuro (agora do pretérito) candidato tucano.

    São ótimos predicadores, mas todos sabemos que responsabilidade e austeridade é tudo o que os governos de alma tucana menos praticam.

    O erro de Dilma foi o de acreditar na "parceria" com o "empresário nacional" e de que no embate com a banca esse empresário ficaria do lado do Governo. Devia ter lido o pequeno grande artigo do filósofo Bertrand Russel (Rei Midas Moderno) que no início dos anos 30 já alertava para a injustificada reverência do público em geral para as mistificações das Finanças e que o capital industrial apesar de ter interesses conflitantes com a Banca sempre acaba aliando-se com este último em contra dos trabalhadores.

    ass. Policarpo

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  2. O povo brasileiro deseja e necessita que a educação básica seja a prioridade!
    Assim:https://www.facebook.com/LafaieteDeSouzaSpinola/posts/536024086555004

    Trecho do tópico:Será necessário, por certo tempo, solicitar o engajamento laico das igrejas, associações, sindicatos e das nossas Forças Armadas (guerra contra o analfabetismo e o atraso) para essa grande empreitada inicial.
    As construtoras devem ser acionadas para a construção de escolas de alta qualidade, com quadras esportivas, espaços culturais, áreas de refeição e cozinhas bem equipadas etc. Tudo isso exigindo qualidade, porém sem luxo. Durante esse período, o governo deve investir na preparação de professores para atender à grande demanda.

    Unidades escolares para atender acima de dois mil alunos.

    Quem não tem preguiça lê o texto e compartilha. Enviei para a Presidenta Dilma, mas, ela já estava sofrendo um bombardeio de todos os lados!
    O Lula, quando tinha mais de 80% de aprovação poderia ter essa audácia! O povo sairia para a rua, o grosso das Forças Armadas participaria! Apenas, uma minoria teria a coragem de contestar! Só, assim construiremos uma nação!

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