quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Quando “nada” diz tudo


O texto abaixo será publicado na edição de setembro do jornal Página 13. A editora do jornal autorizou sua divulgação antecipada neste espaço.

Eleições 2018

Quando “nada” diz tudo

Finalmente chegamos aos últimos episódios da segunda temporada do “Golpe”

Valter Pomar*

Quando tudo que estamos vivendo virar roteiro de uma netflix qualquer, dará uma boa minissérie com pelo menos três temporadas.

A depender do roteirista, a primeira temporada poderia começar no segundo turno de 2014, quando a cúpula do PSDB recebe a notícia de que Dilma Rousseff foi reeleita. E terminaria na condução coercitiva, indicando o que ocorreria na segunda temporada.

Esta, por sua vez, começaria na posse do “golpista que estava acampado na vice” – com direito a flashbacks do processo de “impeachment” -- e terminaria no anúncio do vencedor das eleições de 2018. O roteiro da terceira temporada, claro, dependeria de quem e como vencerá.

Claro que muito antes disto tudo virar roteiro, temos a vida real, onde protagonistas verdadeiros lutam entre si para definir o desfecho da história.

A batalha da impugnação

A candidatura Lula foi inscrita no dia 15 de agosto de 2018, numa atividade que contou com a presença de milhares de pessoas. Em seguida vieram: a decisão da ONU; novas pesquisas eleitorais; e ótimas atividades de campanha no nordeste. O respaldo político confirmado por estes lances atrapalhou os planos & os prazos do departamento jurídico do golpe.

A Procuradora Geral da República (PGR) impugnou a candidatura já no dia 15; mas uma decisão, salvo novo atropelo, ficou para os dias 30 ou 31 de agosto. Se a decisão for confirmar a impugnação, a defesa poderá fazer embargos. Uma decisão definitiva do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sairia no dia 3 de setembro. No caso de impugnação, esta decisão concederia ao PT dez dias para substituir a candidatura. Ou seja, 13 de setembro.

O PT pode e deve, também, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Seja questionando a decisão do TSE com base na exceção prevista na Lei da Ficha Limpa, seja argumentando direito político líquido e certo respaldado pela ONU.

O STF pode receber ou não o recurso do PT; recebendo, pode conceder ou não liminar. Se o STF receber e conceder liminar, Lula poderá seguir candidato, com todos os outros direitos (inclusive de ser substituído e/ou de ter seus votos computados futuramente). Se o STF receber e não conceder liminar, isto significaria que o PT poderia manter a candidatura Lula, mas sem os direitos regulares e correndo o risco de ter a chapa e os votos anulados. Se o STF não receber o recurso, isto significaria que estariam formalmente encerrados os canais jurídicos da controvérsia.

O departamento jurídico do golpe fará de tudo para impugnar a candidatura antes de 17 de setembro. Esta é a data limite para que qualquer coligação substitua suas candidaturas. Impugnar depois geraria maiores controvérsias políticas e jurídicas, por exemplo, a de não reconhecer a vitória e não diplomar um presidente eleito por 50% mais 1 dos votos em primeiro turno.

Seja como for, a força exibida por Lula nas pesquisas e nas ruas constrange os golpistas e nos permite ganhar tempo. E para nós, ganhar tempo é fundamental.

(Aliás, os defensores do Plano B e similares devem ganhar um imã de geladeira onde esteja escrito: APRESSADO COME CRU.)

Para que a batalha da impugnação não encerre no dia 13 de setembro com uma vitória dos golpistas, precisamos aumentar ainda mais o tom e a pressão, manter a mobilização de rua, empreender novas ações, criar mais fatos políticos.

Campanha versus fraude

Alguns setores da esquerda brasileira defendem travar a batalha da impugnação sem colocar sobre a mesa a “arma”, ou melhor, a palavra de ordem “eleição sem Lula é fraude”.

É óbvio que tais setores reconhecem que impugnar Lula seria um ato fraudulento da (in)justiça, com o objetivo de forjar artificialmente o resultado das eleições. Mas aqueles setores acham que adotar aquela palavra-de-ordem poderia ampliar o abstencionismo, o voto nulo e branco, prejudicando as candidaturas de esquerda e beneficiando as candidaturas alinhadas com o golpe. Alertam, além disso, que adotar a palavra-de-ordem “eleição sem Lula é fraude” poderia afetar não apenas a eleição presidencial, mas também o desempenho da esquerda nas eleições para governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas.

Os defensores da palavra-de-ordem eleição sem Lula é fraude respondem que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Consideram que a eleição que os golpistas trabalham para fraudar por antecipação é a presidencial. Afirmam que é necessário chamar as coisas pelo seu nome: democracia é democracia, golpe é golpe, fraude é fraude. Lembram que há várias maneiras de lidar com um governo golpista. A única maneira inaceitável é aquela que esconde, disfarça, mascara sua natureza. Entendem que há várias maneiras de lidar com uma fraude eleitoral, desde o boicote total até a participação. A única maneira inaceitável seria aquela que dê a aparência de que estaríamos diante de um processo normal, com a mesma legalidade e legitimidade de eleições anteriores. Propõem, finalmente, que os críticos da palavra-de-ordem “eleição sem Lula é fraude” considerem duas questões adicionais.

A primeira delas é: os golpistas precisam pagar muito caro, caso ocorra a impugnação. E chamar as coisas pelo nome aumenta o preço a pagar. Não é por outro motivo que eles preferem falar de impeachment e nós preferimos falar de golpe. Já está provado que a indignação com a injustiça é um dos motivos pelos quais cresce o apoio popular ao Lula. Deixar claro que estamos diante de uma fraude amplia a indignação. Pelo contrário, evitar falar de fraude arrefece a indignação.

A segunda delas é: caso impugnem Lula, ao decidir o que fazer, a esquerda teria que considerar todos os riscos envolvidos no processo eleitoral. Substituir Lula por outra candidatura poderia resultar numa vitória eleitoral da esquerda e forças progressistas, à condição de que consigamos transferir, para esta outra candidatura, a maior parte da atual intenção de voto lulista. Isto não seria fácil de fazer. Até porque, neste cenário, os golpistas que tiverem impugnado a candidatura Lula não parariam por aí. Caso efetivem a impugnação de Lula e mesmo assim não se livrem da ameaça de uma derrota, os golpistas apelarão para outras artimanhas.

A fraude, como o golpe, não é um ato, é um processo. Só estaremos preparados para novas fraudes, se tivermos clareza acerca do que estamos enfrentando. E se nossa postura for participar da eleição, e caso ao final sejamos derrotados, neste cenário a esquerda teria sido triplamente derrotada: impugnaram Lula, derrotaram seu substituto e elegeram um presidente que não poderíamos chamar de fraudulento e ilegítimo. Afinal ao participar, em alguma medida teríamos legitimado o processo. Legitimar o resultado de uma fraude antecipada é um risco que deve ser levado em devida conta.

Em resumo, podemos até decidir participar, mas esta decisão precisa levar em conta todos os riscos envolvidos. A decisão sobre o que fazer, caso a impugnação ocorra, é uma questão tática, não uma questão de princípio. Há prós e contras. Mas é preciso colocar sobre a mesa todas as alternativas. Não apenas aquela que defende participar, qualquer que seja o cenário.

Esperamos que a discussão acima resumida não seja necessária. Até porque, se nós enfrentamos problemas, o lado de lá também tem os seus.

Dilemas tucanos

Em primeiro lugar, se Lula participa das eleições, ele provavelmente ganha de qualquer adversário. Mas se a candidatura Lula for impugnada, isto não necessariamente contribui para colocar o PSDB no segundo turno.

Alckmin tem disto que o horário eleitoral gratuito pode levar o PSDB ao segundo turno. Mas, mesmo que consiga ir ao segundo turno, o candidato tucano pode ser derrotado, se do outro lado estiver alguém que se saia melhor na tripla polarização que está caracterizando esta campanha (sobre este tema, ver box).

O segundo dilema tucano é Bolsonaro. Supondo que alguma candidatura da “turma de Lula” estará no segundo turno, então Alckmin precisa não apenas crescer, mas também crescer tirando votos de Bolsonaro. Mas como fazer isso, num cenário de polarização? Se Alckmin tentar ele próprio assumir um discurso fascista, pode reforçar Bolsonaro. E se combate o fascismo, pode fortalecer outras candidaturas, que não a sua.

O terceiro dilema tucano: embora Alckmin seja o preferido da cúpula do golpe, é possível que surjam propostas de apostar em outras candidaturas (por exemplo, naquelas que pareçam ser da turma de Lula, como Marina e Ciro), ou mesmo propostas de buscar novos nomes (o que exigiria a renúncia de algum dos candidatos postos, como Meirelles, por exemplo).

O quarto e último dilema é o que fazer, caso tudo dê errado e pela quinta vez consecutiva Lula vença, diretamente ou por interposta pessoa, as eleições presidenciais. Ou, num cenário alternativo, que o número de votos brancos, nulos e abstenções seja superior ao 50% mais 1.

Considerando o conjunto dos dilemas tucanos, compreende-se o bordão “Lula ou nada”, adotado por setores do eleitorado. Alguns enxergam aí apenas uma opção eleitoral. Mas existe algo mais profundo: Lula é a única alternativa que tem começo, meio e fim. Todos os cenários sem Lula envolvem tantas incertezas, que seu desfecho mais provável é o aprofundamento da crise. Ou seja: ou é Lula, ou nada poderá ser como antes.

Valter Pomar é militante do PT e professor de relações internacionais da UFABC (SP).


Box

A tripla polarização

As eleições deste ano já são as mais polarizadas desde 1989. Há três polarizações: uma em torno do golpe, outra em torno do programa e outra acerca do sistema político.

De um lado os golpistas, de outro quem luta contra o golpe. De um lado os neoliberais, de outro os que defendem os interesses populares. De um lado os candidatos do “sistema”, de outro os que são ou parecem ser anti-sistêmicos.

Lula lidera as pesquisas, entre outros motivos, porque polariza muito bem, aos olhos da massa, nos três vetores. Lula é uma dupla vítima — do golpe e do “sistema” — e, ao mesmo tempo, seu nome é lido por parte do povo como um programa! Nos três vetores, Lula desempenha melhor que Ciro e Boulos, que imaginavam crescer num vácuo que até agora não existiu.

Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas eleitorais porque polariza fortemente (e por isto perde mais do que ganha, eleitoralmente falando) nos quesitos golpista e neoliberal, e por outro lado se beneficia (ganha muito mais do que perde) ao ser visto por parte do povo como alguém antissistema.

Na resultante destes três vetores, Bolsonaro desempenha melhor que Alckmin, Meirelles, Álvaro, Marina e outras candidaturas da centro-direita, que perdem muitíssimo por serem golpistas e neoliberais, mas também perdem demais porque fedem a politica tradicional.

Esta situação causa desespero nas candidaturas de centro-direita, pois a combinação de vetores torna muito mais difícil tirar Lula e Bolsonaro da liderança das pesquisas.

A ação do governo e do parlamento golpista destacam espontaneamente o sentido programático da candidatura Lula. E cada passo que dão no sentido de impugnar Lula, o consolida como candidato anti-golpe e anti-sistema. E, pesadelo dos pesadelos, recupera a imagem pública do PT.

Por outro lado, dependendo de como a centro-direita tentar detonar Bolsonaro, há o risco da parcela “antissistema” de seus eleitores migrar para Lula.

Moral da história: para gente como Alckmin, o problema é triplo. Precisam tirar Lula, precisam tirar Bolsonaro e precisam crescer no eleitorado.
Já para o PT, o problema é simples: trata-se de continuar polarizando. E de polarizar cada vez mais. Nosso programa é relativamente claro sobre isso: revogação das medidas golpistas, programa de emergência para gerar empregos e viabilizar direitos, Assembleia Constituinte. Mas não basta programa no papel. É preciso um programa que o povão entenda. Lula as pessoas entendem.

Por isso sua ausência física precisa ser compensada por uma campanha Lula de extrema polarização: contra o golpe, contra o programa neoliberal do golpe e contra o apodrecimento do “sistema”. Para o povão, este é um triplex que faz sentido!


17 comentários:

  1. Valter, no final, se se quer a deteriorizacao do sistema, não seria o caso de encerrar dizendo: pelo apodrecimento do "sistema"? E não como estah: contra o apodrecimento do "sistema"?

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    1. Você acha que Lula governaria pelo "apodrecimento" do sistema?

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  2. Se ficar o bicho pega ,se correr o bicho come, se unirmos o bicho corre.PARA RUA PESSOAL. PRAÇA SANTOS ANDRADE ÀS 16:00 HORAS.

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  3. Uma excelente análise comandante Valter, no resumo, penso que devemos imprimir mais força em nossas convicções...devemos dar aquele cavalo de pau que deveríamos ter dado um pouco antes de 2016...se do lado de cá esta difícil, do outro lado também não é diferente, vivemos a correlação de forças ipsis litteris...avante que a vitória é nossa.

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  4. Excelente analise, na verdade Bolsonaro vai levar "muito tiro"e perder mais votos do que ganhar. A esquerda tem uma grande oportunidade para voltar e se realmente tiver humildade para refletir os erros do passado, teremos ganhos políticos e pedagógicos que nos sustentará no futuro, porem não nos esqueçamos: A direita sempre vai existir, fiquemos sempre alerta.

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  5. Bora ler novamente, muito bom o texto, colocar tudo isso em prática...Bora lá...

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  6. VOCÊ também É CULPADO, Valter Pomar. Tentamos conseguir sua ajuda quando ainda era possível reação, mas vc privilegiou a harmonia interna do PT. Cada um dos que se omitiram pagará, cada um a seu modo. De concessão a concessão à ala golpista do PT foi que chegamos a isso.

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    1. Bem por aí Míriam
      Como houve alertas e mais alertas.
      Porém o umbigo é mais importante.
      Ha alas dentro do PT.
      Terrível isso.
      São os Judas.
      Jesus em seu grupo só tinha um.
      Mas aí ha varios.

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  7. Nessa altura do campeonato, será que ainda tem jeito? Será que podemos sonhar por um Brasil melhor?

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  8. Eu não votei na esquerda para compactuar com golpe nenhum!
    Ou o PT cria vergonha na cara, e luta por Lula , ou merecerão um Bolsonaro mesmo ou talvez algo pior, como um alckmin por exemplo.
    Coloquem em suas cabecinhas de uma vez por todas:
    Só Lula , apenas Lula nos representa como povo.
    Sem LULA sem voto .
    O povão já decidiu. Agora decidam vocês !

    Ou Lula ou nada !

    Doa a quem doer !

    Não há o que discutir, caro professor Valtet Pomar.

    Obs:

    Não sou PT , não sou 13, não sou "triplex" , não sou golpista

    Sou LULA! Apenas LULA!

    Espero que os parlamentares mais CAROS do mundo olhem para nosso povo, pelo menos uma vez em suas vidas .

    Abraços

    Obrigada pelo artigo.

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  9. O que está faltando nas opções dos golpistas na política é que também podem usar de fraude nas urnas e também com o apoio dos outros poderes para colocar alguém deles lá. A realidade é que não vão deixar a esquerda voltar, e se de alguma forma não conseguirem barrar a entrada vão continuar buscando opções de manter suas posições e benefícios e política. Vai muito além de opções de candidatos

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  10. Embora não concorde com tudo, achei excelente sua análise. Parabéns!

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  11. Parece-me que a única estratégia do PT, e alguns nomes na ala dos que tem uma aprência esquerdista - é chororô e lamentações das decisões de juízes e tribunais. Esquecem-se de que o GOLPE foi dado com o STF e com o "Com Tudo", e isso inclui Todavia e Entretanto. Porém, parece-me que as lideranças do PT - os da CNB em particular - confiam tanto na justiça que aí está que não fazem outra coisa a não ser marcar o ponto na seção de protocolos dos tribunais. Também comemoram no "feicibuqui" e no "tuiti" as falas do papa e de algumas autoridades internacionais que apoiam Lula. Quanto a organizar o povo para a revolta.....Isso parece não estar no plano daqueles que ficam postando imagens de Che e de Fidel. Às vezes fico me perguntando o que Che Guevara diria desses esquerdistas de fancaria. Uma outra coisa que essa liderança petista adora fazer é soltar notinhas de repúdio contra isso e aquilo, por isso, companheiro Valter não se admire se Dona Gleisi Hoffmann soltar uma notinha aí contra essa sua verve revolucionária. Um abraço

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  12. É Lula livre! Lula ou nulo. Senao o PT acaba na mão do grande capital especulativo.

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