quinta-feira, 3 de maio de 2018

Para não termos (apenas) um grande passado pela frente

A tendência petista Articulação de Esquerda foi criada em setembro de 1993. Um quarto de século depois, não há como escrever a história do PT sem fazer alguma referência, mesmo que em nota de rodapé, ao que fizeram e pensaram os integrantes de nossa tendência. 

Entretanto, embora seja importante conhecer e estudar o que fizemos até aqui, muito mais importante é o que faremos daqui em diante. 

Nossos desafios fundamentais são os mesmos do Partido dos Trabalhadores, a saber: a) reconquistar o apoio da maioria da classe trabalhadora; b) reconstruir os vínculos orgânicos com nossa base social; c) adotar um padrão de funcionamento adequado a "tempos de guerra”; d) implementar uma estratégia capaz de enfrentar e derrotar não apenas o golpismo, mas também a classe dos capitalistas e o imperialismo, tendo como objetivo fazer do Brasil um país socialista.

O conjunto do PT não conseguiu, ao menos até agora, dar conta desses desafios. Aliás, parte do petismo não concorda com a enumeração feita no parágrafo anterior; outra parte não tem consenso acerca de como enfrentar todos e cada um deles. 

Aliás, é tão grande o contraste entre nossas capacidades dirigentes e as dificuldades enfrentadas, que podemos dizer que o Partido dos Trabalhadores vive uma “crise de direção”. 

A crise de direção resulta, em primeiro lugar, de ser muito difícil trocar o pneu do carro, com ele em movimento 

O “pneu do carro” é a estratégia do Partido. Mesmo os formuladores desta estratégia, adotada oficialmente a partir de 1995, sabem que ela não é adequada aos tempos atuais, pelo simples motivo de que os capitalistas não querem conciliação e as direitas não querem respeitar o resultado da eleição. Mas perceber a necessidade é diferente de formular e aplicar uma nova estratégia. E o fato de que uma nova estratégia é necessária não faz sumirem as “obrigações”, aparatos, dívidas e hábitos decorrentes da estratégia anterior. E todas as dificuldades decorrentes deste quiproquó caem sobre a cabeça das direções, especialmente sobre o Diretório Nacional.

A crise de direção resulta, em segundo lugar, da dificuldade de transformar um partido institucional-eleitoral num partido militante de combate. As atuais instâncias dirigentes foram escolhidas segundo critérios e funcionam segundo métodos que, certos ou errados no passado, não ajudam a formar direções capazes de dar conta dos problemas do presente. Sintomas disso são as instâncias que se reúnem para "tirar foto", falar muito e decidir pouco. Ou a “terceirização de tarefas” para outras organizações, como acontece em vários aspectos da mobilização, comunicação e da juventude. Novamente, todas as dificuldades decorrentes disto caem sobre a cabeça das direções, especialmente sobre o Diretório Nacional.

E o resultado é a impressão, justificada ou não, de que temos uma direção que não está à altura dos desafios. Vale dizer que esta crise atinge em maior ou menor medida o conjunto da esquerda brasileira. 

Sendo este o diagnóstico, qual é a tarefa específica da Articulação de Esquerda? Em nossa opinião, contribuir para que o PT supere esta crise, com uma saída pela esquerda. 

Evidentemente, atingir este objetivo não depende apenas da Articulação de Esquerda, nem depende apenas da luta interna entre as diferentes tendências partidárias.

O PT é um partido de massas. Temos dezenas de milhões de simpatizantes e eleitores, cerca de dois milhões de filiados, centenas de milhares de militantes, dezenas de milhares de dirigentes, milhares de lideranças populares, sindicalistas, parlamentares e governantes, intelectuais e “figuras públicas” que são referência para grande parte da população brasileira.

Além disso, o PT não age no vácuo. Estamos em meio a uma guerra, em que somos vítima de uma operação de cerco e aniquilamento. E parte de nossos aliados nesta guerra contra o golpismo, são nossos adversários na disputa por influenciar a classe trabalhadora em favor deste ou daquele programa e estratégia.

Portanto, superar a crise de direção vivida pelo PT é um processo complexo, com várias etapas, em que se combinarão diferentes dinâmicas e no qual interagirão diferentes protagonistas. E um processo que tem o desfecho em aberto: podemos ser total ou parcialmente vitoriosos, mas também podemos ser total ou parcialmente derrotados.

Este dois fatos – a complexidade da tarefa e a insegurança do desfecho – fazem com que muitos militantes tenham dúvida sobre se não haveria alternativa melhor. Fazem bem em duvidar. Mas pedimos que "olhem" para o passado: quando foi que os desafios postos foram fáceis e a vitória garantida? Pedimos que "olhem" para o presente: qual partido a direita trabalha por exterminar? Pedimos que "olhem" para o futuro: quais as chances de conquistar o poder e construir o socialismo, se a classe trabalhadora não dispuser de um partido de massas? Portanto, embora a tarefa seja complexa, o desfecho inseguro e – acrescentamos – haja grande possibilidade de sermos derrotados, é preciso continuar trabalhando em favor de superar pela esquerda a crise de direção do PT.

Mas para termos êxito neste trabalho, nós da AE temos que superar pelo menos três obstáculos. 

O primeiro deles é de representatividade: somos pequenos e nossos vínculos com a classe trabalhadora são menores do que o necessário. 

O segundo deles é cultural: grande parte da militância não domina nossas formulações estratégicas e programáticas.

O terceiro deles é organizativo e resulta da nossa condição de “tendência petista”: igual a nosso partido, a AE também passa por uma “crise de direção”.

Não há solução mágica, instantânea, fácil e indolor para estes obstáculos. Superar todos e cada um deles também será um processo, simultâneo e combinado com a disputa de rumos do PT e com o enfrentamento do golpismo.

Novamente, a complexidade da tarefa e a incerteza do desfecho levam muitos militantes a terem dúvidas, não acerca das propostas que a AE defende, mas acerca de nossa capacidade de materializar estas propostas. Quem sabe não haveria alternativa melhor? 

Novamente dizemos: fazem bem em duvidar. Mas pedimos que olhem para o passado: no fundamental, a AE acertou ou errou acerca dos desafios postos para o PT? Pedimos que olhem para o presente: há alguma alternativa sem os nossos problemas e com as nossas qualidades? Pedimos que olhem para o futuro: quais as chances de disputar o PT, sem uma tendência organizada?

Portanto, repetimos: embora a tarefa seja complexa, o desfecho inseguro e haja grande possibilidade de sermos derrotados, é preciso continuar construindo a tendência petista Articulação de Esquerda, como um instrumento na disputa dos rumos do PT.

O que fazer?

Em primeiro lugar, que cada organismo e cada militante da tendência priorize ampliar os vínculos orgânicos com a classe trabalhadora. Embora não seja o único, o principal instrumento para isto, neste momento, é a atividade sindical. Uma atividade sindical que precisa ser reinventada, para dar conta das mudanças que estão em curso na classe trabalhadora e na luta de classes. 

Em segundo lugar, que cada organismo e cada militante da tendência dedique parte de seu tempo para difundir, estudar e contribuir no desenvolvimento de nossas formulações estratégicas e programáticas. Os principais instrumentos para isso são nossa Escola, nossa revista, nosso jornal, nossos livros e nossa página eletrônica.

Em terceiro lugar, que nossas direções superem a “crise” por que passam. No que consiste esta crise? Em geral, como no PT, a crise resulta do contraste entre nossas capacidades dirigentes e as dificuldades enfrentadas. 

Mas há um aspecto específico na “crise de direção” vivida por nossa tendência: não atuamos no vácuo. Os problemas que afetam o PT, inclusive seus grupos majoritários, também nos afetam. Nada que ocorre no PT nos é estranho: pragmatismo, oportunismo, carreirismo, eleitoralismo, institucionalismo, reformismo, personalismo, preguiça, incompetência, confusão ideológica etc.

Em épocas de grandes lutas sociais, todos e cada um destes problemas seriam resolvidos sem grande dificuldade. Mas em épocas de defensiva e derrota, quando nosso organismo político está sob ataque de variadas doenças e problemas, estes problemas crescem de tamanho e podem ameaçar nossa sobrevivência.

Aqui, novamente, não há uma fórmula mágica. Não somos, nunca fomos e nunca seremos uma seita de pessoas perfeitas. Pelo contrário, entendemos que o sucesso de uma organização depende exatamente de articular as diferentes qualidades de cada um de seus integrantes. Mas é preciso exigir muito mais daqueles que são ou pretendem ser nossos e nossas dirigentes. 

Afinal, se há algo que nos destruiria ou nos reduziria à irrelevância, é chegarmos ao ponto de merecer a mesma frase que o então prefeito David Capistrano cunhou acerca do PT: soldados vietnamistas, sargentos gringos e generais paraguaios. Para que isso não ocorra, é preciso dar um salto de qualidade no que diz respeito à composição, ao funcionamento e a postura de nossas direções, de nossos e nossas dirigentes.

Isto inclui o velho método das decisões coletivas e responsabilidades individuais; relatório e balanço; crítica e autocrítica; substituir quem não tem desempenho à altura; combate ao grupismo e às micro-frações; elevar a capacidade política e o empenho dirigente de todos e todas; instância que funcionem, direções que mereçam este nome.

Dito de forma mais geral, trata-se de construir não qualquer tendência petista, mas uma tendência petista com consistência ideológica, teórica, programática, estratégica e um padrão de funcionamento que sejam superiores à média do PT. Não um grupo de pressão que busca ocupar espaços, mas uma organização que reúna militantes de vanguarda.

Como é usual dizer, os próximos meses serão decisivos: a evokução da situação internacional e da economia nacional, a luta política e social contra o golpismo, a definição da tática nas eleições 2018 e seu resultado, bem como a próxima eleição das direções petistas, vão definir o futuro do PT. Nossa capacidade de incidir nestas diferentes frentes, ao mesmo tempo em que damos conta das tarefas estratégicas relacionadas acima, vai decidir o futuro da AE.

Se tivermos sucesso, não teremos apenas um grande passado pela frente.

Valter Pomar
3/5/2018

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