Às vezes acho que o Partido dos
Trabalhadores está atravessando um “corredor polonês”.
De um lado, berram: “quadrilha,
quadrilha, quadrilha”!!!
Do outro lado, berram: “desiste,
desiste, desiste”!!!
Um dos que assumiu essa função é Mangabeira Unger, em entrevista
concedida no dia 7 e publicada no dia 9 de maio jornal Folha de S. Paulo.
(Sobre Mangabeira, uma curiosidade
escrita em 1994 pode ser lida aqui: http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/livros-yes-nos-temos-mangabeira)
Um alerta: comentar entrevistas é
sempre um risco. Afinal, nem sempre os editores são fiéis ao dito. E há que
considerar a possibilidade de desmentidos e correções posteriores. Assim, fica
aqui o alerta: o que vou dizer a seguir baseia-se no que foi publicado e
pressupõe que a edição da entrevista tenha sido fiel ao entrevistado.
Mangabeira neste momento está
apoiando a candidatura de Ciro Gomes. E vai direto ao ponto: “há um problema
concreto: um partido dentro da chamada esquerda ou centro-esquerda se acostumou
a uma condição hegemônica e a tratar os outros como satélites. Seria o cúmulo
da irresponsabilidade política que esse partido não apoiasse alternativa com
maior potencial de chegar ao poder”.
Neste raciocínio há três frases muito
curiosas: “o PT se acostumou”, “maior potencial de chegar ao poder” e “um
problema concreto”.
Não há espaço aqui para falar da história
do PT. Assim, passo direto ao resumo: o PT não se “acostumou”, o PT conquistou com muita luta a condição de principal partido de esquerda do Brasil, em
termos de votos, presença institucional e principalmente apoio social.
Claro: isto não dá ao Partido dos Trabalhadores
monopólio de absolutamente nada. E, sem dúvida, a relação do PT com seus
aliados nunca foi uma maravilha. Mas atenção: onde, em que época, em que lugar
do mundo, a relação entre partidos aliados foi ou é tranquila, harmônica, sem
conflitos? Por exemplo, como são as coisas naqueles estados e naquelas cidades
onde os “outros” – para usar o termo de Mangabeira -- mantém a mesma “condição
hegemônica” que o PT conquistou em âmbito nacional??
Na verdade, a atitude do PT frente a
seus aliados pode ser melhor ou pior, mas não é um ponto fora da curva.
Portanto, a crítica de Mangabeira é
na verdade pura retórica: cobra do PT virtudes muito elevadas, não as encontra,
então aponta o dedo acusador e lança suas “críticas de efeito moral”.
A expectativa é que, submetidos ao
bombardeio, tomados de sentimento de culpa e atordoamento, alguns petistas
aceitem como se fossem verdadeiras frases do tipo: “seria o cúmulo da
irresponsabilidade política que esse partido não apoiasse alternativa com maior
potencial de chegar ao poder”.
Passemos então à segunda frase: Ciro
tem mesmo “maior potencial de chegar ao poder”?
(Registro: neste país onde a classe
dominante nunca teve seu poder ameaçado, há quem fale de governo como se fosse
igual a poder.)
A pergunta óbvia é: maior potencial
em relação a quem?
Até o momento, Lula lidera todas as
pesquisas. Por sua vez, a preferência popular pelo Partido dos Trabalhadores é algumas
vezes superior a dos demais partidos.
Não é obviamente o que eu defendo, mas apenas para facilitar a
discussão, vamos supor que o PT cometesse a, digamos, estultice de desistir de
Lula.
Vamos imaginar, também, que o PT resolvesse
não tirar todas as decorrências da afirmação “eleição sem Lula é fraude”.
Consideradas todas estas hipóteses, ainda
assim caberia perguntar: por qual motivo a única, a principal ou a melhor
alternativa do PT seria apoiar Ciro?
A Folha
perguntou isto a Mangabeira: “O PT tem chance de chegar ao poder se não fizer
uma aliança com Ciro?”
A resposta publicada foi: “Não vejo
no quadro atual”.
Claro, nem a força de Lula, nem a
força do PT, garantem vitória, nem mesmo asseguram um bom desempenho,
especialmente numa “eleição” em tempos de golpe.
Mas para usar as palavras de
Mangabeira, levando em conta as pesquisas atuais e a trajetória histórica, seria
“o cúmulo da irresponsabilidade política” que o PT não considerasse outras alternativas.
Isto nos remete a terceira frase muito
curiosa de Mangabeira: “um problema concreto”.
Os apoiadores de Ciro acham que seu “problema
concreto” são os outros. Se ele não superou até agora determinado patamar de
votos, seu “problema concreto”, segundo Mangabeira, seria o PT, incapaz de
perceber que estamos diante do último biscoito do pacote.
Antes que reclamem, a frase é de
Mangabeira: “a candidatura do Ciro é de longe a nossa melhor, senão a nossa
única opção”.
Com o perdão da brincadeira: “nossa”
quem, cara pálida?
Mangabeira quer “realismo político” e
cobra que “nossos aliados compreendam a sua responsabilidade histórica”.
Perfeito: sejamos realistas.
O quadro das eleições 2018 ainda está
embaralhado. Até agora os golpistas não se puseram de acordo, e não se puseram de
acordo entre outros motivos porque nenhuma de suas candidaturas emplacou. Do
outro lado, Lula lidera todas as pesquisas.
Para resolver isso, não basta
unificar a direita. Não basta nem mesmo prender Lula. É preciso também “convencer” o
povo de que Lula não será candidato. E este “convencimento” precisa ser feito
já, não em agosto-setembro. Pois os golpistas sabem que tirar Lula da disputa
presidencial neste momento pode ser tarde demais para eles. Entre outros
motivos porque, na reta final, a chance de transferência de votos seria maior
do que hoje.
Sendo assim, como não desejam cancelar
as eleições e como não admitem a hipótese de perder, a alternativa dos
golpistas é fraudar desde já, com muita antecedência: por isso é preciso, por
exemplo, tirar Lula das pesquisas, é preciso tirar Lula das sabatinas, é
preciso tirar da mídia o movimento pela liberdade de Lula e pelo direito dele
ser candidato.
É nesse contexto que deve ser vista a
“responsabilidade histórica” de declarações como as de Mangabeira, bem como de algumas
lideranças e governadores que se opuseram e lutam contra o golpe.
Falar em desistir de Lula, objetivamente,
apenas ajuda na movimentação da direita.
Além disso, mesmo do ponto de vista
dos que defendem um plano B, é um erro imenso apostar as fichas numa operação
precoce de “transferência de votos”.
Como já disse antes, não é minha posição, mas imaginemos, só por hipótese, que Lula ou o PT indicassem neste
momento um “plano B”, meses antes daquele momento em que a maior parte da
população analisa as alternativas e decide seu voto.
O resultado prático seria duplo: por
um lado, reduziria as chances de uma transferência de apoio no momento mais
adequado; por outro lado, transformaria o tal nome alternativo em alvo de todas
as baterias da direita.
Ciro (e Mangabeira) sabem disso?
Suponho que sim.
Mas então por qual motivo tanta
pressão sobre o PT, para que desista de Lula e apoie Ciro neste momento?
Medo de que o PT vá com Lula até o
final?
Medo de que o PT aposte num “plano B”
petista?
Medo de que a transferência de votos
exija muito tempo?
Nenhuma das alternativas anteriores. O
problema, na minha opinião, é que Ciro acredita que a solução para a crise
política passa pela eleição de um presidente de centro. Tipo: nem Lula, nem
Bolsonaro, nem radicalismo de esquerda nem de direita.
Por isto ele precisa deixar muito
claro que não será candidato de Lula, nem do PT, nem da esquerda.
Acontece que, para ser eleito, Ciro precisa
chegar ao segundo turno. E para isto precisa de um pouco mais de votos. Ele
poderia buscar estes votos no eleitorado de direita e/ou de centro, mas o
mercado ali está muito competitivo.
Ele poderia, também, buscar votos de
pessoas que hoje continuam apoiando Lula e o PT. Mas para conseguir estes votos,
ele precisa dizer que Lula e o PT não tem outra alternativa. Esta argumentação gera
antipatias dentro do eleitorado petista e lulista. Mas neste momento ele não
precisa de todos os votos, só do suficiente para ir ao segundo turno. Pois acredita
que, no segundo turno, contra uma candidatura vinda do campo golpista, ele
seria escolhido por exclusão.
Para usar uma expressão antiga, Ciro
acredita que no segundo turno o PT faria como Brizola em 1989: engoliria o sapo
barbudo.
Não é uma tática eleitoral absurda. Afinal,
se a eleição for muito pulverizada, uma candidatura com poucos votos no
primeiro turno pode mesmo ir ao segundo turno.
Mas é uma tática eleitoral no mínimo arriscada.
Afinal, outras candidaturas farão movimento similar. Inclusive candidaturas
golpistas tentarão vestir a mesma fantasia de equilíbrio. É por isso que, paradoxalmente, apesar do
meio-ambiente político estar radicalizado e polarizado, tudo indica que vai ocorrer
um congestionamento de candidaturas que se apresentam como de centro. Aliás, mais uma de várias
semelhanças desta eleição de 2018 com a de 1989.
Portanto, a opção de Ciro por bater
no PT e demarcar com Lula não é um erro. É uma aposta. Erram os petistas que
não percebem isto. E erram mais ainda os que esquecem que o principal problema
da candidatura de Ciro não é tático ou eleitoral, é estratégico e programático.
Mangabeira, do jeito que lhe é típico,
diz que “as particularidades do Ciro podem ser agora úteis ao país” e que “a elite
jurídica (...) tem um papel que é desestabilizar os acertos oligárquicos e
abrir espaço para a energia cívica”.
E a serviço do que essa “energia
cívica” seria utilizada? Não será, como a entrevista de Mangabeira deixa claro,
em favor da revogação das medidas golpistas, nem de um programa democrático
popular, não será nem mesmo em favor de uma “pacificação” em favor do “andar de
baixo”.
Por isto tudo, Lula faz muito bem em continuar
candidatíssimo. E o PT faz muito bem em
deixar claro que não existe nenhuma outra alternativa real para a crise
política nacional, uma alternativa que beneficie a maioria do povo, que não
passe por eleições livres, Lula candidato e Lula presidente. O resto é fake
news.
Segue a entrevista, transcrita pela análise de mídia da Fundação Perseu
Abramo:
”Conselheiro de Ciro, Mangabeira
Unger cobra apoio da esquerda” - Considerado o guru de Ciro Gomes, o filósofo
Roberto Mangabeira Unger não vislumbra no cenário atual a chance de o PT
participar da coalizão vencedora caso não apoie o PDT. Em entrevista na segunda
(7), ele afirmou que o pré-candidato não servirá de "instrumento do
PT" e disse acreditar que, mesmo com a atual resistência dos petistas, a
sigla deve chegar a um momento de "realismo político".
· Folha - A esquerda passa por um forte desgaste de imagem. Por que ela
seria eleita neste ano?
· Roberto Mangabeira Unger - A candidatura de Ciro não deve
ser apenas projeto de centro-esquerda. Deve ser um projeto que se ofereça como
veículo político ao agente social mais importante do país, que chamamos de
emergentes.
· Mas a fragmentação da esquerda não inviabiliza seu retorno ao poder?
· Há um problema concreto: um partido dentro da chamada esquerda ou
centro-esquerda se acostumou a uma condição hegemônica e a tratar os outros
como satélites. Seria o cúmulo da irresponsabilidade política que esse partido
não apoiasse alternativa com maior potencial de chegar ao poder.
· O PT tem chance de chegar ao poder se não fizer uma aliança com Ciro?
· Não vejo no quadro atual. Agora, a candidatura do Ciro é de longe a
nossa melhor, senão a nossa única opção. Ciro jamais será instrumento do PT. É
agente de um projeto transformador que as forças comprometidas com um
produtivismo inclusivo têm a responsabilidade histórica de apoiar.
· Mas o próprio Ciro afirmou que as chances de o PT ser vice dele são
próximas a zero. Ele não tem contribuído com a desagregação?
· Eu não sou tão pessimista quanto o Ciro a esse respeito. Eu acho que não
só deve, mas pode chegar o momento do realismo político, em que nossos aliados
compreendam a sua responsabilidade histórica.
· O senhor disse no passado que considera Ciro uma espécie de
"outsider". Como ele pode sê-lo se tem origem em uma das principais
oligarquias do Ceará?
· Eu não usaria "outsider". Não tem essa de se fantasiar de
"outsider" ou "insider". As particularidades do Ciro podem
ser agora úteis ao país.
· A defesa de Lula diz que o petista é vítima de "lawfare", ou
seja, uso ilegítimo de recursos jurídicos. O conceito se aplica a ele?
· A condenação me parece injusta, baseada em um conjunto frágil de provas
indiciárias. A elite jurídica não pode assumir a condução do país. Ela tem um
papel que é desestabilizar os acertos oligárquicos e abrir espaço para a
energia cívica.
· O teto dos gastos aprovado pelo Congresso Nacional precisa ser alterado?
· O teto como construído é uma camisa de força para substituir a base real
do realismo fiscal. Quiseram impor o sacrifício sem as oportunidades. Devemos
ter regras de contenção fiscal, mas não devem ser genéricas que não distingam
entre o que é estratégico e o que não é e o que é custeio e o que é
investimento.
· Ciro deve manter ou revogar a reforma trabalhista?
· A reforma nos moldes em que foi adotada é um exemplo clássico da erosão
dos direitos do trabalho. É inaceitável defender os interesses da minoria
organizada contra os interesses da maioria desorganizada e usar o imperativo da
flexibilidade como pretexto para jogar a maioria na precarização.
· Há no PDT a defesa que Ciro seja domesticado para o mercado financeiro.
Ele é domesticável?
· Jamais, a meu ver, será.
· A carga tributária deve ser elevada?
· Com completa honestidade intelectual, entendo que o Brasil terá de
manter alta carga tributária, combinando tributos progressivos, como a
tributação de lucros e dividendos, com tributação neutra e indireta do consumo.
Quem diz que nós podemos reduzir a carga tributária de forma compatível com o
realismo fiscal está mentindo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário