No dia 17 de
março, Carlos Ominani proferiu palestra no Instituto Novos Paradigmas (INP),
que tem Tarso Genro como presidente de seu conselho deliberativo.
Carlos
Ominami foi senador do Chine, milita na esquerda desde os tempos do governo
Salvador Allende, conhece bastante o Brasil e o PT.
Sua palestra
foi sobre "Quem somos: a esquerda, a social democracia reinventada e o
progressismo ?"
A palestra
de Ominami foi resumida por Sandra Bittencourt, num texto publicado por Sul21
que pode ser acessado aqui:
O editor de
Sul21 destacou no título a seguinte frase, atribuída a Ominami: "Não vamos
construir o socialismo em um horizonte previsível".
Já Sandra
Bittencourt começa seu artigo com a frase: “Estamos obrigados a uma reflexão
estratégica".
A questão é:
que tipo de reflexão estratégica pode resultar de um raciocínio que concede ao
inimigo todo o horizonte previsível?
Sempre segundo
Sandra Bittencourt, Ominami disse o seguinte: "Pode ser que o que eu fale
agora soe muito forte, mas não vamos construir o socialismo em um horizonte
previsível. Sendo assim precisamos enfrentar três questões estruturantes: a
democracia como sistema político, a economia de mercado e a globalização. Nesse
espaço se deve desenvolver uma ação transformadora de esquerda".
Noutras
palavras: a “ação transformadora da esquerda” deve “enfrentar” os temas da “democracia”,
da “economia de mercado” e da “globalização”, mas como por definição a
construção do socialismo está afastada do “horizonte previsível”, então na
prática nossa ação visa “transformar” as condições sobre as quais vivemos, mas
sem sair do “espaço” do capitalismo.
Até aí, nada
de novo. O curioso é que esta “reflexão estratégica” não leva em conta as
derrotas que sofremos na América Latina, nos últimos anos.
Derrotas que
em parte estão ligadas, justamente, a esta maneira de pensar, que nos limita de
antemão, por uma definição apriorística, a considerar que construir o
socialismo está fora do horizonte previsível.
Segundo
Sandra Bittencourt, depois de relacionar várias das derrotas que a esquerda latino-americana
vem sofrendo desde 2010, Ominami disse que “não éramos a revolução, mas éramos
a nova esquerda fazendo coisas importantes. Vivemos a melhor década da América
Latina. Democracia, crescimento, inflação controlada e diminuição da pobreza,
isso tudo no continente das grandes ditaduras, da pobreza, da
desigualdade".
Pois é: “éramos”,
segundo Ominami, aquilo que ele defende que continuemos a ser. Não vejo nisto
reflexão estratégia alguma, mas sim a reiteração de uma determinada aposta.
Aposta que
teve origem, segundo relato de Sandra Bittencourt acerca do que Ominami afirmou
na palestra, na crença de que poderia ter ocorrido, nos anos 1970, uma
globalização socialdemocrata, com uma ideia de governança mundial, que pudesse
gerar transferências massivas de recursos de países ricos a pobres, enfim, uma
nova ordem econômica. Mas “se impôs uma globalização baseada no capital”.
E como
poderia ser diferente? Afinal, o chamado estado de bem-estar social defendido
como modelo pela socialdemocracia europeia só foi possível graças a uma combinação
entre pressão “de dentro” (a força da classe trabalhadora europeia vis a vis
seus contendores), pressão “de fora” (a chamada ameaça comunista, que também
tinha seus reflexos internos a cada país), investimentos dos EUA e – condição sine
qua non-- a existência de um mundo a explorar.
A medida que
estas variáveis foram se alterando, o estado de bem estar foi se enfraquecendo
e hoje, na própria Europa, está sob liquidação. Mostrando que a relação entre capitalismo, bem estar e democracia não é aquela que a social-democracia pensava ser.
Acreditar
que o "estado de bem estar" poderia ser implantado nos países do capitalismo periférico sempre foi
uma imensa ilusão. Aqui, para ter um “estado de bem estar socialdemocrata”, será
preciso uma revolução socialista bem radical.
Revolução
que Ominami considera, segundo Sandra Bittencourt, algo “fora da agenda”.
O socialismo
está fora do horizonte previsível, a revolução está fora da agenda, a “nova
esquerda” latino-americana está sendo derrotada, a “socialdemocracia não foi
capaz de se impor à globalização”, a China “é basicamente um capitalismo de
Estado, muito dinâmico, muito autoritário e muito desigual”...
Qual a
alternativa?
Segundo
relato de Sandra Bittencourt, Ominami teria dito: "Saber quem somos, a
esquerda, o progressismo, não é uma questão puramente semântica. Precisamos
saber de que lugar, de que modo, vamos vencer o desafio das desigualdades, que
faz parte do DNA da esquerda. Mas junto ao desafio da desigualdade há outras
questões igualmente urgentes e importantes. A democracia é uma delas. A cultura
da esquerda na questão democrática é complexa. Temos o desafio ecológico, há um
desafio ambiental, de sustentabilidade, que precisa ser enfrentado. Temos ainda
o desafio de gênero, porque ainda há uma esquerda com tendências machistas. E
temos uma esquerda muito vinculada à cultura estatal, pouco aberta à
inovação".
Neste nível
de generalidade, nada contra nada. Podemos querer ser radicalmente democráticos;
laicos; solidários socialmente; vinculados à sociedade; verdes; feministas; abertos
ao mundo, inovadores e transparentes.
[Não entendo, entretanto, por qual motivo
deveríamos ser meritocráticos.]
Mas, principalmente, não entendo
por qual motivo, neste mundo em que vivemos, não devemos ser, antes de mais
nada, socialistas e revolucionários.
Pois a conclusão
que Ominami tira, sempre segundo SB, é defender o “progressismo”, não como “uma
esquerda light, mas que recupera espaço. Precisamos definir se estaremos na
vanguarda ou na retaguarda, em que posição vamos enfrentar as coisas".
Façam as
contas: se o socialismo está fora do horizonte previsível, se a revolução está
fora da agenda, o tal “progressismo” estaria na “vanguarda” do que mesmo?
Ou, dito de outro jeito: como é que o socialismo vai entrar no horizonte visível e previsível, se não houver quem lute por ele?
Segue o texto comentado:
Carlos
Ominami: "Não vamos construir o socialismo em um horizonte
previsível"
Publicado
em: Março 17, 2018
Carlos
Ominami participou de um debate sobre a identidade da esquerda, promovido pelo
Instituto Novos Paradigmas. (Foto: Sandra Bitencourt/Divulgação).
Sandra Bitencourt (*)
"Estamos
obrigados a uma reflexão estratégica", resumiu Carlos Ominami durante a
palestra "Quem somos: a esquerda, a social democracia reinventada e o
progressismo ?", promovida neste sábado (17), em Porto Alegre, pelo
Instituto Novos Paradigmas (INP). Doutor em Economia, ex-ministro da Economia
do Chile, senador por dois mandatos e histórico militante pela
"concertação" no seu país, Ominami foi anunciado formalmente pelo
Presidente do Conselho Deliberativo do INP, ex-governador Tarso Genro, como o
mais novo integrante do Conselho do Instituto. Ominami debateu com uma plateia
formada por intelectuais, autoridades, parlamentares, professores e estudantes.
Para o
político chileno, estamos vivendo tempos muito difíceis e, particularmente no
Brasil, foi onde provavelmente ocorreu o fato mais grave das últimas décadas na
América Latina. Ele referiu um acúmulo de más notícias para a esquerda, a
partir de 2010, com a direita voltando ao poder no Chile pela primeira vez
depois de 20 anos de concertação, a destituição de Lugo (ex-presidente
paraguaio Fernando Lugo deposto em 2012), o triunfo imprevisível de Macri na
Argentina em 2015, a derrota de Evo Morales no referendo em 2016, o golpe
contra Dilma, a crise política na Venezuela e o processo de decomposição da
revolução cidadã no Equador. "Não éramos a revolução, mas éramos a nova
esquerda fazendo coisas importantes. Vivemos a melhor década da América Latina.
Democracia, crescimento, inflação controlada e diminuição da pobreza, isso tudo
no continente das grandes ditaduras, da pobreza, da desigualdade", recordou.
E advertiu:
"É bom
ter os pés na terra para saber onde estamos pisando. Dois pequenos países
resistem e fazem um contraponto hoje, Uruguai e Portugal, mas são países
pequenos, são a exceção que confirma a regra". Por isso, a obrigação de
fazer uma reflexão estratégica. "Pode ser que o que eu fale agora soe
muito forte, mas não vamos construir o socialismo em um horizonte previsível.
Sendo assim precisamos enfrentar três questões estruturantes: a democracia como
sistema político, a economia de mercado e a globalização. Nesse espaço se deve
desenvolver uma ação transformadora de esquerda", defendeu.
Ominami
assinalou ainda que, nos anos 70, houve a possibilidade de uma globalização
socialdemocrata, com uma ideia de governança mundial, que pudesse gerar transferências
massivas de recursos de países ricos a pobres, enfim, uma nova ordem econômica.
"Mas se impôs uma globalização baseada no capital, o que restringe a
autonomia, a possibilidade de manobra dos países nacionais. A expressão mais
direta disso são as agências de classificação de risco, que ameaçam e
interferem qualquer tentativa de política fiscal. São instrumentos da
globalização neoliberal para frear os progressos dos países sobre níveis de
pobreza e igualdade", apontou.
Para o
economista, a interrogação que devemos fazer já que a revolução está fora da
agenda é se são possíveis reformas econômicas profundas em só um país. Ominami
vê a Europa também em dificuldades, com integração monetária sem integração
fiscal e com redução do espaço social integral.
"Se
perdeu a ocasião de ter um ponto de referência importante no mundo. O grande
drama é que a socialdemocracia não foi capaz de se impor à globalização. Embora
seja de direita, o novo presidente francês tem uma tentativa de propor algo
para a Europa, recompondo o motor franco-alemão. Mas hoje, de realmente
distinto no mundo temos a China. Daqui a 10 anos, é provável que seja a grande
potência. Entretanto, o que se tem lá é basicamente um capitalismo de Estado,
muito dinâmico, muito autoritário e muito desigual. Há, portanto, a necessidade
de gerar uma força política capaz de fazer surgir novos processos",
reflete. Para Ominami, os processos políticos da esquerda não podem mais ser
construídos sob a liderança de um único líder, algo que tem ocorrido em todos
os países e invariavelmente acaba mal. "Outro fator é ser intransigente
com as práticas políticas ruins. Não dá para contemporizar, ser tolerante com
sistemas podres. Se paga muito caro por isso. Já no campo econômico, é
necessário urgentemente libertar-se da dependência da produção primária",
defendeu.
Finalmente,
Ominami elencou interrogações que possam ampliar a sugestão do tema da
palestra, ou seja, compreender qual a identidade da esquerda. "Saber quem
somos, a esquerda, o progressismo, não é uma questão puramente semântica.
Precisamos saber de que lugar, de que modo, vamos vencer o desafio das
desigualdades, que faz parte do DNA da esquerda. Mas junto ao desafio da
desigualdade há outras questões igualmente urgentes e importantes. A democracia
é uma delas. A cultura da esquerda na questão democrática é complexa. Temos o
desafio ecológico, há um desafio ambiental, de sustentabilidade, que precisa
ser enfrentado. Temos ainda o desafio de gênero, porque ainda há uma esquerda
com tendências machistas. E temos uma esquerda muito vinculada à cultura
estatal, pouco aberta à inovação", opinou.
Ominami
tende a pensar que, apesar de ser ambíguo, o progressismo é um terreno
favorável para responder a todos esses desafios. "A ideia que defendo é a
de um progressismo não como uma esquerda light, mas que recupera espaço.
Precisamos definir se estaremos na vanguarda ou na retaguarda, em que posição
vamos enfrentar as coisas". Sobre o processo de alianças, Ominami lembrou
que, na tradição da esquerda, a principal aliança social se dá com a classe
trabalhadora, historicamente na superação do capitalismo. Contudo, há uma
problemática antiga das relações da esquerda com os setores médios que precisa
ser analisada. "Por que não somos capazes de sintonizar com essas camadas
médias?", questionou: como esses novos processos políticos devem se
organizar? As forças partidárias que são originárias do século XIX vão
sobreviver e serão a forma de organização no século XXI?
Ominami
propôs uma espécie de decálogo para pensar essa nova identidade da esquerda no
século XXI: 1) radicalmente democrática; 2)laica; 3) solidária socialmente; 4)
vinculada à sociedade; 5) verde; 6) feminista; 7) meritocrática; 8) aberta ao
mundo; 9) inovadora e 10) transparente.
O INP é uma
instituição social, sem fins lucrativos, que busca contribuir com o
aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras através da abertura e
promoção de espaços públicos de reflexão e debates e do incentivo à produção
intelectual de sua rede de colaboradores (www.novosparadigmas.org).
(*) Diretora de Comunicação do INP.
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