O jornal Folha de S.
Paulo divulgou hoje uma entrevista do presidente Lula à jornalista Monica
Bergamo.
A entrevista pode ser lida ao final deste texto ou acessada
no seguinte endereço: http://www.tijolaco.com.br/blog/lula-folha-estao-me-transformando-numa-vitima-desnecessaria/
É uma entrevista interessante, entre outros motivos devido ao
debate gerado.
Por exemplo, entre os que se pretendem mais lulistas do que
Lula, que esquadrinham cada frase à busca da “linha justa”.
Por exemplo, ainda, entre os críticos do lulismo, que enxergam
na entrevista uma prova de que Lula seguiria sendo, acima de tudo, um
conciliador.
Por exemplo, também, entre os vários ramos do golpismo e
entre os setores que estão em disputa.
Debates a parte, Freud tinha razão: as vezes um charuto é só
um charuto.
E para constatar isso, basta ler – além das respostas de
Lula – as perguntas da jornalista.
Pois trata-se de uma entrevista: a jornalista tinha uma
pauta, fez as perguntas que quis e ouviu as respostas que Lula quis dar, o
jornal editou e destacou no título o que considerou essencial.
As perguntas todas remetiam para a discussão do “Plano B”. O
objetivo era ver Lula jogando a toalha e indicando alguém para concorrer no seu
lugar.
Na entrevista do líder nas pesquisas de opinião, temas como
programa, perspectivas de um futuro governo e candidaturas oponentes da direita
não comparecem nas perguntas da Folha, ao menos na versão disponível no link acima.
A primeira pergunta, citando Ciro, foi: “ninguém no Brasil
acredita que o senhor poderá ser candidato a presidente. Quando chegará a hora
de discutir o lançamento ou o apoio a um outro nome?”
O centro da resposta de Lula foi chamar o Moro e o TRF4 de criminosos.
Dizer que eles devem ser exonerados a bem do serviço público. De lambuja, o
inquérito da PF e a acusação do MP são chamados de mentirosos. E o STF é
convocado a tomar uma decisão em favor da verdade.
A segunda pergunta não foi uma pergunta, foi uma afirmação
da jornalista: “O STF não entrará no mérito da sentença. E não haveria nem tempo,
caso isso ocorresse, para garantir a candidatura”.
O centro da resposta de Lula foi: “eu só posso confiar no julgamento
se ele entrar no mérito”. Ou seja, a decisão do STF só é legítima se
entrar no mérito, se punir “o Moro, o MPF, a PF e os três juízes que
fizeram a sentença lá”.
E Lula acrescentou nesta mesma resposta um ataque direto a
Ciro Gomes, acusado de – “quem sabe” – não querer que o Lula
seja candidato. Ou seja, acusado de aliado objetivo dos golpistas.
A perguntas seguintes da jornalista versaram sobre a relação
da Globo com o golpe. A jornalista questiona se a atitude da Globo não poderia
ser “jornalismo simplesmente?”
Lula responde: Você acha que na Globo alguém faz jornalismo
livre?
A jornalista chega a perguntar se Lula admira Temer .
Resposta de Lula: “Não”.
A jornalista insiste: “o senhor hoje faz críticas à TV Globo
mas, no governo, teve uma boa relação com a emissora”.
Lula admite que teve boa relação com todos os meios de
comunicação. Mas afirma com todas as letras que “eles não são honestos na
cobertura”.
A jornalista pergunta então: “O senhor fala “eles não me
aceitam”. Quem são eles?” E insiste: “Nesse sistema em que “eles” mandariam, o
senhor foi eleito, reeleito, fez uma sucessora e a reelegeu. Tinha uma
convivência boa com construtoras e bancos. Como dizer que a elite é contra o
senhor?”
Novamente Lula diz que teve boa relação com todo mundo. E
aponta o dedo acusador para “o tal de mercado”, “um
bando de yuppies”, poupando inclusive os donos dos grandes bancos.
A jornalista não deixa por menos: compara o raciocínio de
Lula com o de Jânio Quadros acerca das “forças ocultas”. E Lula insiste: “Quando
eu falo “eles” e “nós”, é porque você tem lado na política brasileira”.
Aí a jornalista pergunta sobre o sítio de Atibaia: “Independentemente
de a Justiça concluir se houve ou não crime, não foi no mínimo indevido, uma
relação promíscua entre um político e uma empreiteira?”
Lula deixa claro que não vai responder sobre isto a
jornalista. Que responderá sobre isso no processo. A jornalista insiste. Lula é
obrigado então a desenhar: “Não, você não é juíza. Eu vou esperar o juiz”.
A jornalista insiste na mesma linha e pergunta se Lula sabia
“que tinha corrupção no governo. Era possível não saber?”
Lula responde afirmando ter orgulho de “pertencer a um partido e a um
governo que criou os mecanismos mais eficientes de combate à lavagem de
dinheiro e à corrupção nesse país”. E engata a resposta com uma acusação
direta aos Estados Unidos: “estou convencido de que os americanos estão
por trás de tudo o que está acontecendo na Petrobras”.
A jornalista pergunta: “Mas o senhor acha, por exemplo, que
os procuradores da Lava Jato vão aos EUA e se reúnem com um mentor?”
Resposta de Lula: “acho”.
A jornalista volta para o tema do “plano B” e pergunta se
Lula “enxerga agora um caminho de saída, depois de duas condenações?”
Lula responde: “é muito
simplista essa pergunta. Você deveria estar perguntando é se eles vão conseguir
juntar uma prova de cinco centavos contra mim. Esse é o dilema”.
A jornalista insiste: “Mas, presidente, eles já condenaram o
senhor”.
Lula devolve: “Eu não tenho que encontrar saída. O que
vocês da imprensa têm que pedir são provas. Vocês não podem retratar “ipsis
litteris” [como está escrito] a mentira da Polícia Federal”.
A jornalista volta a atacar: “E o Palocci?”
O centro da resposta de Lula é: “O Palocci demonstrou gostar de
dinheiro”.
A jornalista tenta um plano B: “Ou quer a liberdade”.
Lula responde citando Vaccari: “caráter e dignidade não são
compráveis”. E diz estar tranquilo, pois sabia que “eles”
iam tirar a Dilma e depois tentariam “impedir o Lula”.
A jornalista não se contém: “E isso está perto de ocorrer”.
Resposta de Lula: “Vamos aguardar, querida. Se eu acreditar que
o jogo está definido, o que eu estou fazendo nesse país? Eu quero saber o
seguinte: eu, proibido de ser candidato, na rua fazendo campanha, como eles vão
ficar? Eles estão me transformando numa vítima desnecessária”.
A jornalista vê a oportunidade para voltar ao “Plano B”: o
senhor “não abre brecha para a discussão de uma outra candidatura?”
Resposta de Lula: “Não abro. Não abro. Se eu fizer isso, minha
filha, eu tô dando o fato como consumado. Eu vou brigar até ganhar”.
E acrescenta: “E só vou aventar a possibilidade de outra
candidatura quando for confirmado definitivamente que não sou candidato”.
A jornalista acha que enfim vai conseguir o troféu: levar para
a casa o nome de um Plano B.
Habilmente, come o mingau pela beirada e pergunta:
“Algumas correntes do PT já pensam em uma outra candidatura e alguns defendem o
boicote das eleições”.
Resposta de Lula: “Quando chegar o momento certo, o PT pode
discutir todas as alternativas. Eu sou contra boicotar as eleições”.
A jornalista vê então a chance de colocar um nome na roda e
o faz novamente com sutileza: “O ex-prefeito Fernando Haddad já falou que, mesmo
sendo o maior partido, o PT não terá mais a hegemonia da esquerda”.
A resposta é: se o PSB tivesse agido diferente no passado, a
gente agora estaria gostosamente discutindo outra candidatura, “não a
minha”.
A jornalista, desistindo do método indireto, faz um ataque
frontal e pergunta: “O PT poderia apoiar Ciro Gomes? Ele tem feito críticas ao
senhor e ao partido”.
A resposta de Lula é nova e dura crítica a Ciro Gomes: “anda
falando demais. O Ciro ou vai para a direita ou não pode brigar com o PT”.
E completa: “pela direita, ninguém será presidente sem o apoio dos tucanos. Pela
esquerda, ninguém será presidente sem o PT”.
A jornalista arrisca novamente o método indireto: “Quem o
senhor acha que tem chance de chegar ao segundo turno na eleição presidencial?”
Lula responde: “a disputa deverá ser outra vez entre tucanos
e PT”.
A jornalista volta ao tema da prisão: o senhor “não tem
medo?”.
Reposta: “não”! E agrega: “estou
preparado. Estou tranquilo. E tenho certeza de que vou ser absolvido e de que
não vou ser preso”.
A jornalista fala então de greve de fome.
Lula diz ser contra greve de fome.
A jornalista dá agora sinais de preocupação – o tal “plano B”
continua desencarnado -- e quase comete uma, digamos, brutal indelicadeza: “O
senhor já afirmou que se 10% dos que foram às ruas quando o presidente Getúlio
Vargas morreu tivessem ido antes ele não teria se suicidado. O senhor teme que
isso ocorra com o senhor? Eu não digo morte, mas…”
Lula responde na lata: “não vou me matar. Eu gosto da vida pra
cacete. E quero viver muito”. E completa; “Eu não tenho essa perspectiva nem
de me matar nem de fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui eu nasci, aqui é o
meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país. É por isso
que eu estou aqui, fazendo a minha guerra”.
A jornalista retoma o assunto do “povo na rua”.
Resposta: “não duvidem do povo na rua porque ele pode
vir”.
A jornalista insiste: “Mas o senhor não esperava que ele já
viesse, no seu caso?”
A resposta: “Ele nunca foi chamado! Eu sou um homem tão
civilizado, acredito tanto nas instituições que estou apostando nelas”.
E complementa que “poderia abaixar a cabeça e ficar
pedindo favor, ajuda. Não vou, porque estou certo”.
Resumo da ópera: a
Folha tentou, mas não conseguiu arrancar o que desejava: capitulação e “plano
B”.
Por isso uma das edições traz como manchete para a
entrevista: “Não vou me matar nem fugir do Brasil. Vou brigar até o fim”.
Noutra edição, a manchete inclui a idéia completa: "Eu vou brigar até ganhar".
Claro que há muitas outras coisas para serem ditas (e criticadas) acerca da entrevista.
Mas neste momento em que tem gente piscando, nada melhor do que
ouvir o som dos clarins.
Segue o link e a íntegra:
http://www.tijolaco.com.br/blog/lula-folha-estao-me-transformando-numa-vitima-desnecessaria/
‘Não vou me matar nem
fugir do Brasil. Vou brigar até o fim’, diz Lula
Entrevista a Mônica Bergamo, na Folha
Folha – O ex-ministro
Ciro Gomes (PDT-CE) fala em voz alta o que muita gente murmura e pensa: ninguém
no Brasil acredita que o senhor poderá ser candidato a presidente. Quando
chegará a hora de discutir o lançamento ou o apoio a um outro nome?
Lula – Se eu não acreditasse na possibilidade de a Justiça
rever o crime cometido contra mim pelo [juiz Sergio] Moro, [que o condenou à
prisão] e pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou a
sentença], eu não precisaria fazer política.
Quem sabe eu virasse um moleque de 16 anos e fosse dizer que
só tem solução na luta armada. Não. Eu acredito na democracia, eu acredito na
Justiça. E acredito que essas pessoas [Moro e desembargadores] mereciam ser
exoneradas a bem do serviço público.
Porque houve mentira na denúncia [feita pela] imprensa [que
revelou a existência do tríplex], no inquérito da Polícia Federal, na acusação
do Ministério Público Federal, na sentença do Moro e na confirmação do TRF-4.
Então o que eu espero? Que o Supremo Tribunal Federal [que
deve julgar habeas corpus em que Lula pede para não ser preso] analise o
processo, veja os depoimentos, as provas e tome uma decisão. Por isso tenho a
crença de que vou ser candidato.
O STF não entrará no
mérito da sentença. E não haveria nem tempo, caso isso ocorresse, para garantir
a candidatura.
Eu vou dizer uma coisa: eu só posso confiar no julgamento se
ele entrar no mérito.
A Justiça não é uma coisa que você dá 24 horas, 24 dias ou
24 meses. Ela tem o tempo necessário para fazer a investigação correta e punir
quem está errado. E quem deveria ser punido era o Moro, o MPF, a PF e os três
juízes que fizeram a sentença lá.
A segunda questão: não acho que ninguém acredita na
possibilidade de eu ser candidato. Era mais fácil o Ciro dizer “tem gente que
não quer que Lula seja candidato”. E ele quem sabe se inclui nisso.
Só tem unanimidade hoje no meio político: as pessoas não
querem que o Lula seja candidato. O Temer não quer, o Alckmin não quer, o Ciro
não quer. Eles pensam: “ele [Lula] vai para o segundo turno e pode até ganhar
no primeiro. Se ele não for candidato, em vez de uma vaga no segundo turno,
podemos disputar duas”. Aumenta a chance de todo mundo.
Eu respeito que todo mundo seja candidato. Até o Temer
resolveu ser! Qual é a aposta dele? É a de defender os seus três anos de
mandato.
E é importante ter em conta que o Temer teve uma vitória
quando derrubou o golpe que a TV Globo, o [ex-procurador-geral Rodrigo] Janot e
o [empresário] Joesley [Batista] tentaram dar nele.
Aquele golpe tinha como pressuposto básico o Temer cair, o
Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] assumir a presidência e o
Janot ter um terceiro mandato [na PGR].
O senhor acha que a
Globo tentou dar um golpe?
Acho. Eu acho.
E por que isso
ocorreria?
Porque era importante manter o Janot. Era importante tirar o
Temer. E era importante colocar o Rodrigo Maia. Isso para mim tá claro.
Mas por que Rodrigo
Maia se o Temer tem uma plataforma…
[Interrompendo] O Temer se prestou a fazer o serviço do
golpe. Mas não era uma figura palatável, e houve uma tentativa de golpe. Senão,
me explica o que aconteceu.
Não pode ser
jornalismo simplesmente?
Jornalismo de quem?
Da Rede Globo.
Você acha que na Globo [que publicou a primeira reportagem
sobre a delação da J&F] alguém faz jornalismo livre? O jornalista decide e
faz uma denúncia como aquela que foi feita contra o Temer?
No mesmo dia já tinha jornalista apostando na renúncia do
Temer. E já tava se discutindo quem ia assumir e o que ia acontecer.
Ora, o Temer resolveu enfrentar. Teve a coragem de
desmascarar o Janot, o Joesley e ficou presidente. E ainda ganhou duas paradas
no Congresso Nacional [para impedir que o processo contra ele no STF seguisse],
não se sabe a que preço. A imprensa dizia que R$ 30 bilhões foram gastos, não
sei quantos bilhões. Mas ganhou.
E o senhor o admira
por isso?
Não. Eu continuo pensando o mesmo do Temer. Eu estou
contando o fato. E o fato histórico não tem sentimentalismo. Tem uma
fotografia.
O senhor hoje faz
críticas à TV Globo mas, no governo, teve uma boa relação com a emissora.
Para não ser ingrato com os outros meios, eu vou olhar bem
nos seus olhos e dizer: duvido que em algum momento da história desse país um
presidente tenha tratado os meios de comunicação com a deferência e a
“republicanidade” que eu tratei.
Eu tinha uma relação maravilhosa com o velho [Octavio] Frias
[de Oliveira, publisher da Folha morto em 2007]. Eu tratei bem o Estadão. Eu
tratei bem o Jornal do Brasil, a Globo, a Bandeirantes, o SBT, a Record. Você
há de convir que tenho comportamento exemplar no meu tratamento com a imprensa
brasileira.
Mas acho que eles não são honestos na cobertura.
A Folha, mesmo nos bons tempos, nos anos 70, 75, quando
começou a ser um jornal mais progressista, quando o pessoal de esquerda começou
a ler, mesmo assim a gente sentia [no jornal] uma espécie de ojeriza de falar
bem de uma coisa boa.
É uma necessidade maluca de não parecer chapa branca. Ah, se
fez uma matéria boa hoje, amanhã tem que fazer outra dando um cacete.
O senhor fala “eles
não me aceitam”. Quem são eles?
Ah, não sei. São eles. Eu não vou ficar nominando.
Nesse sistema em que
“eles” mandariam, o senhor foi eleito, reeleito, fez uma sucessora e a
reelegeu. Tinha uma convivência boa com construtoras e bancos. Como dizer que a
elite é contra o senhor?
Eu não tive uma relação boa só com esse setor que você
falou. Eu tive uma relação boa com todos os segmentos sociais desse país.
Eu tenho orgulho de dizer que o meu governo foi o período em
que os empresários mais ganharam dinheiro, os trabalhadores mais ganharam aumento
de salário, em que geramos mais empregos, em que houve menos ocupação no campo,
na cidade, e menos greve. Eu trago comigo essa honraria de saber conviver com a
sociedade brasileira.
E de repente eu vejo o tal do mercado assustado com o Lula.
E eu fico pensando, quem é esse mercado?
Não pode ser os donos do Itaú. Não pode ser os donos do
Bradesco, do Santander.
Uma coisa são os donos do banco. Outra coisa é um bando de
yuppies, jovens bem aquinhoados que vivem ganhando dinheiro através de bônus,
de não sei das quantas, para vender papel sem vender um produto.
Essa gente esteve no FMI durante a crise na América do Sul.
Falaram o tempo todo mal dos países pobres. Quando a crise foi nos EUA parece
que fizeram cirurgia de amígdalas e não falavam nunca. Eles sabem que, se eu
voltar, o FMI não dará palpite na nossa economia.
Então, querida, quando eu digo eles…
…fica parecendo as
famosas “forças ocultas” do ex-presidente Jânio Quadros [quando se referia a
quem o tinha levado a renunciar, em 1961].
Quando eu falo “eles” e “nós”, é porque você tem lado na
política brasileira. Quando ganhei as eleições, fiz questão de conquistar muita
gente. Criei o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [com
representantes de empresários, trabalhadores e setores sociais]. Tinha gente
que achava que eu queria criar uma fissura na relação entre Senado e Câmara com
a sociedade. Eu falei “não, eu quero é estabelecer uma política de convivência
verdadeira com a sociedade”.
Empreiteiras fizeram uma reforma no sítio de Atibaia porque
o senhor o frequentava. Independentemente de a Justiça concluir se houve ou não
crime, não foi no mínimo indevido, uma relação promíscua entre um político e
uma empreiteira?
Não. Esse é um outro tipo de processo. Não é o processo do
qual estou sendo vítima.
É uma pergunta que
estou fazendo ao senhor.
Essa pergunta eu espero que seja feita em juízo, pelo Moro.
Porque primeiro disseram que o sítio era meu. Aí descobriram que ele tem dono.
Então mudaram [para dizer que] me fizeram favor. Se fizeram, não me pediram. Eu
fiquei sabendo desse sítio no dia 15 de janeiro de 2011.
Por que empreiteiras tinham que bancar a manutenção do
acervo formado na presidência, por que tinham que reformar o sítio? Essa
relação não passou do ponto?
Quando eu for prestar depoimento, eu espero que essas sejam
as perguntas que eles me façam.
Mas eu estou fazendo
agora.
Não, você não é juíza. Eu vou esperar o juiz. Porque se eu
responder para você, o Moro vai fazer outras. Aí, quer discutir a questão da
ética, vamos discutir. É um outro processo.
Eu quero saber onde eles vão chegar. Eu quero saber o limite
da mentira.
Segundo uma pesquisa
do Datafolha, 83% acham que o senhor sabia que tinha corrupção no governo. Era
possível não saber?
É possível não saber até hoje. Você tem filho? Sabe o que
ele está esta fazendo agora? Quando você esta na cozinha e ele no quarto, você
sabe?
Outro dia vi o caso de venda de sentenças em gabinetes de
juízes. E eles foram inocentados porque não eram obrigados a saber o que
estavam fazendo do lado de sua sala. Deixa eu te falar uma coisa: ninguém é
colocado no governo pra roubar. Ninguém traz na testa “eu sou ladrão”. Há um
critério rigoroso de escolha [de diretores de estatais].
Muita gente pensa que eu sou contra a Operação Lava Jato. Eu
tenho orgulho de pertencer a um partido e a um governo que criou os mecanismos
mais eficientes de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção nesse país.
Não foi ninguém de direita, não. Fomos nós.
O senhor manteria
hoje o sistema de indicação dos procuradores-gerais, sempre os mais votado pela
categoria?
Esse critério é herança minha do movimento sindical. Eu
achava que era o mais acertado. Hoje eu analisaria o histórico da pessoa.
Veja, o que ocorreu com a Lava Jato? Ela virou refém da
imprensa e vice-versa.
E hoje eu estou convencido de que os americanos estão por
trás de tudo o que está acontecendo na Petrobras. Porque interessa para eles o
fim da lei que regula o petróleo, o fim da lei que regula a partilha. O Brasil
descobriu a maior reserva de petróleo do mundo do século 21. E não se sabe se
tem outra.
Não sei se você já tem uma compreensão sociológica de junho
de 2013 [mês de grandes manifestações no país].
O Brasil virou protagonista demais. E ali eu acho que
começava o processo de tentar dar um jeito no Brasil.
Como diria meu amigo [e ex-chanceler] Celso Amorim, eu não
acredito muito em conspiração. Mas também não desacredito.
O senhor faz uma
conexão entre tudo isso e o que acontece com o senhor agora?
Faço. E se estiver errado, vou viver para pedir desculpas.
Mas o senhor acha,
por exemplo, que os procuradores da Lava Jato vão aos EUA e se reúnem com um
mentor?
Eu acho. Agora mesmo o Moro está lá [no exterior] para
receber um prêmio dessa Câmara de Comércio Brasil-EUA. Ele foi lá para ficar 14
dias. Eu já recebi prêmios. Você vai num dia e volta no mesmo dia.
Ô, querida, não me peça provas de uma coisa que eu não
tenho. Eu estou apenas insinuando que pode ser, tal é a proximidade do Ministério
Público com a Secretaria de Justiça dos EUA.
O senhor já deu muitas voltas por cima na vida. Enxerga
agora um caminho de saída, depois de duas condenações?
É muito simplista essa pergunta. Você deveria estar
perguntando é se eles vão conseguir juntar uma prova de cinco centavos contra
mim. Esse é o dilema.
Mas, presidente, eles
já condenaram o senhor.
Eu não tenho que encontrar saída. O que vocês da imprensa
têm que pedir são provas. Vocês não podem retratar “ipsis litteris” [como está
escrito] a mentira da Polícia Federal.
Essa gente está me acusando há cinco anos. Essa gente não
sabe o mal que causou à minha família. Eu tenho todos os meus filhos
desempregados. Todos. E ninguém consegue arrumar emprego.
Essa gente já foi na minha casa. Ficaram três horas,
levantaram o colchão da minha cama, revistaram tudo e não encontraram nada.
Poderiam ter chamado a imprensa e falado “queríamos pedir
desculpas”. Eles saíram com o rabinho no meio das pernas e não falaram nada.
Quando o Moro leva um Pedro Corrêa [ex-deputado do PP] para
prestar depoimento contra mim, se ele entendesse um milímetro de política, ele não
deixaria o Pedro Corrêa entrar naquele salão.
E o Palocci?
É uma pena. A história dele se esvaiu com isso. O Palocci
demonstrou gostar de dinheiro. Quem faz delação quer ficar com uma parte
daquilo de que se apoderou. Não vejo outra explicação.
Ou quer a liberdade.
Se fosse só por liberdade o [ex-tesoureiro do PT João]
Vaccari não tinha feito a carta que fez nesta semana [inocentando Lula no caso
do tríplex]. Porque é o cara que está preso há mais tempo. E está demonstrando
que caráter e dignidade não são compráveis.
Deixa eu te falar: você está lidando com um homem muito
tranquilo, que sabe o que está sendo traçado para ele. Desde o impeachment eu
dizia: eles não vão tirar a Dilma e dois anos depois deixar o Lula voltar
gloriosamente nos braços do povo. Era preciso impedir o Lula.
E isso está perto de
ocorrer.
Vamos aguardar, querida. Se eu acreditar que o jogo está
definido, o que eu estou fazendo nesse país? Eu quero saber o seguinte: eu,
proibido de ser candidato, na rua fazendo campanha, como eles vão ficar? Eles
estão me transformando numa vítima desnecessária.
O senhor diz que sabe
o que está sendo traçado. Mesmo assim, não abre brecha para a discussão de uma
outra candidatura?
Não abro. Não abro. Se eu fizer isso, minha filha, eu tô
dando o fato como consumado. Eu vou brigar até ganhar. E só vou aventar a
possibilidade de outra candidatura quando for confirmado definitivamente que
não sou candidato.
Algumas correntes do
PT já pensam em uma outra candidatura e alguns defendem o boicote das eleições.
Quando chegar o momento certo, o PT pode discutir todas as
alternativas. Eu sou contra boicotar as eleições.
O ex-prefeito
Fernando Haddad já falou que, mesmo sendo o maior partido, o PT não terá mais a
hegemonia da esquerda.
Eu sou contra a tese da hegemonização. Em algum momento pode
ter candidato de outro partido e o PT apoiar. Se o Eduardo Campos tivesse
aceitado a proposta que eu fiz para ele e para a Renata em Bogotá, em julho de
2011, de ele ser o vice da Dilma [em 2014] e ser nosso candidato em 2018, a
gente agora estaria gostosamente discutindo a campanha dele à Presidência da
República. E não a minha.
O PT poderia apoiar
Ciro Gomes? Ele tem feito críticas ao senhor e ao partido.
Eu não ando vendo o que o Ciro tá falando porque ele anda
falando demais.
O Ciro ou vai para a direita ou não pode brigar com o PT.
Eu fico fascinado de ver como uma pessoa inteligente como o
Ciro fala tão mal do PT. Não consigo entender.
Vamos ser francos: pela direita, ninguém será presidente sem
o apoio dos tucanos. Pela esquerda, ninguém será presidente sem o PT.
Quem o senhor acha
que tem chance de chegar ao segundo turno na eleição presidencial?
Eu, se entendo um pouco de política, vou dizer uma coisa: a
disputa deverá ser outra vez entre tucanos e PT.
O senhor pode ser
preso em breve, caso não obtenha um habeas corpus nos tribunais superiores. Não
tem medo?
Sabe por que não tenho medo? Porque eu tenho a consciência
tão tranquila. Sabe do que eu tenho medo de verdade? É se esses caras pudessem
mostrar à minha bisneta que fez um ano no domingo que o bisavô dela roubou um
real. Isso realmente me mataria.
O senhor está
preparado?
Eu estou preparado. Estou tranquilo. E tenho certeza de que
vou ser absolvido e de que não vou ser preso.
Há quem defenda que o
senhor faça uma greve de fome caso vá para a prisão.
Eu já fiz greve de fome. Eu sou contra, do ponto de vista
religioso. Eu não acho correto você judiar do próprio corpo. Quando eu fiz
greve de fome [em 1980], Dom Claudio Hummes foi à cadeia pedir para pararmos a
greve.
O senhor já afirmou
que se 10% dos que foram às ruas quando o presidente Getúlio Vargas morreu
tivessem ido antes ele não teria se suicidado. O senhor teme que isso ocorra
com o senhor? Eu não digo morte, mas…
Até porque não vou me matar. Eu gosto da vida pra cacete. E
quero viver muito. Tô achando que eu sou o cara que nasceu para viver 120 anos.
Dizem que ele já nasceu, quem sabe seja eu?
Tô me preparando. Levanto todos os dias às 5h da manhã, faço
duas horas e meia de ginastica, tomo whey [complexo de proteínas] todo dia para
ficar bem forte. E vou levando a vida assim. Eu não tenho essa perspectiva nem
de me matar nem de fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui eu nasci, aqui é o
meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país. É por isso
que eu estou aqui, fazendo a minha guerra.
E o povo na rua?
Você não leva o povo na rua para qualquer coisa. Mas também
não duvidem do povo na rua porque ele pode vir.
Mas o senhor não
esperava que ele já viesse, no seu caso?
Ele nunca foi chamado! Eu sou um homem tão civilizado, acredito
tanto nas instituições que estou apostando nelas. Eu ando no Brasil, mas eu não
ando chamando o povo numa pregação contra ninguém. Eu ando chamando o povo para
ele acreditar que é possível esse país ser diferente.
Eu não imaginei viver esse período. Eu me lembro do
[ex-presidente da França Nicolas] Sarkozy querendo discutir a minha ida para a
secretaria-geral da ONU. Eu lembro dele conversando com o [ex-primeiro-ministro
espanhol] José Luís Zapatero, em 2008, e eu falava “para com isso, você não pode
politizar a ONU, colocar um ex-presidente lá”.
O senhor imaginava
outra coisa para a sua vida nessa fase.
Eu imaginei tranquilidade, querida. Eu imaginei viver meu
fim de vida com a dona Marisa, cuidar dos filhos que eu não tive tempo de
cuidar e viver. Não me deixaram ou não estão me deixando. Eu poderia abaixar a
cabeça e ficar pedindo favor, ajuda. Não vou, querida. Não vou porque estou
certo.
A minha educação é a de uma mulher [a mãe, dona Lindu] que
viveu e morreu analfabeta. E ela dizia “não baixe a cabeça nunca a ninguém.
Nunca roube uma laranja mas não baixe a cabeça”. E é isso o que vai me fazer
seguir em frente.
Muito bom ouvir o velho sindicalista... Noto que apesar de ter tudo contra ele, ainda se mostra um gigante. Não tenho medo de afirmar que mesmo com as condenações, traições e principalmente falta de provas contra a sua pessoa, o LULA consegue ser grande. Maior que todos os outros (inclusive seu próprio partido, o PT). Há propósito! Por que o tal "mercado" tem tanto medo da democracia?
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