A Folha de S. Paulo publicou no dia 24 de
fevereiro um texto de Mathias Alencastro, intitulado “Se não se transformar, o
PT se tornará o MDB da nova esquerda”.
O texto
afirma que o discurso da presidenta nacional do PT Gleisi Hoffman, feito no ato
de aniversário do Partido dia 22 de fevereiro, teria reduzido “as tentativas de
discussão sobre a renovação do partido à intriga, mesquinha e inconsequente, do
‘plano B’", e teria sugerido "que este debate está sendo travado de ‘fora para dentro’.”
Gleisi simplesmente
não disse isso. E Mathias Alencastro mistura, propositalmente ou não, dois
assuntos diferentes.
Um assunto é
a “renovação do partido”, ou seja, a discussão sobre seu programa, sua
estratégia, seu funcionamento cotidiano, suas táticas e sua relação com a
classe trabalhadora e demais setores da sociedade brasileira.
Outro
assunto é a proposta segundo a qual o PT deveria lançar e/ou apoiar outro nome,
que não Lula, para presidente da República.
O discurso
de Gleisi dia 22 de fevereiro versou sobre este segundo assunto.
Os dois
assuntos estão ligados? Claro que sim. Mas estão ligados de uma maneira
contrária ao senso comum.
Quem deseja
renovar o Partido, no sentido de garantir que ele seja mais socialista, mais
radical, mais vinculado à classe trabalhadora, não abre mão da candidatura
Lula.
Já quem
deseja “renovar” o Partido, no sentido de fazer ele se tornar mais “domesticado”,
defende que o PT abra mão da candidatura Lula e legitime a fraude que se
pretende praticar contra o povo brasileiro.
O que a
companheira Gleisi disse é que esta campanha pelo “plano B” vem de fora para
dentro. Vem, por exemplo, da Folha de S. Paulo, onde o artigo de Mathias
Alencastro está sendo publicado e onde foi publicado, há alguns dias, um artigo ridículo sobre o mesmo tema.
Gleisi tem toda
razão, não apenas factualmente, mas também no sentido mais amplo, a saber, na
determinação de “a quem interessa” o crime.
Afinal, o
sonho dourado dos golpistas é tirar Lula da disputa eleitoral e o PT aceitar
isto como algo normal, substituindo o nome dele por outra candidatura, como se
isso fosse resultado legítimo da normalidade democrática.
Vale dizer
que o próprio Mathias Alencastro reconhece que Gleisi tem razão.
Segundo Alencastro, a
mensagem de Gleisi seria clara: “qualquer iniciativa da sociedade civil para
discutir o futuro do segundo maior partido do Brasil deve ser invariavelmente
interpretada como uma ameaça”.
Vou deixar
de lado o “invariavelmente” e também a menção ao “segundo partido”.
Vou também
deixar de lado o verbo “discutir”.
O miolo da questão é: Alencastro reconhece
que a “sociedade civil” estaria se movimentando para pressionar o PT, para que
o PT lance outro nome que não Lula. Portanto, Alencastro reconhece que Gleisi
tem razão: o movimento por um “plano B” vem de fora para dentro.
E como a “sociedade
civil” é muita gente, pergunto: de que setor está vindo esta pressão em favor
de um plano B? Dos sindicatos? Dos movimentos populares? Da imprensa
alternativa de esquerda? Dos que respondem a pesquisas de opinião?
Deixo ao
leitor a resposta para a questão acima e sigo adiante.
Mathias
Alencastro diz que durante décadas, os grandes partidos de esquerda teriam sido
“avessos a toda tentativa de renovação e abertura”. Mas “o quadro mudou
completamente nos últimos anos”.
Alencastro cita em apoio desta opinião a ascensão de
Jeremy Corbin no Labour Party, a aliança do Partido Socialista com o Partido Comunista
em Portugal, a catástrofe que atingiu o Partido Socialista francês e a agonia
lenta que estaria vitimando o Partido Socialista Operário Espanhol.
Acho
divertido ler estes argumentos, não pelo que eles tenham de exato ou inexato,
mas porque me fazem lembrar a pressão feita, nos anos 1990, para que o PT
ficasse parecido com a socialdemocracia europeia.
Deu no que deu.
Nos últimos
anos, apareceu gente tomando novos modelos: o insubmisso Melenchon, Tsipras do
Synaspinos-Syriza, Pablo Iglesias do Podemos etc e tal.
Agora o modelo são os social-democratas de esquerda. Antes eram os social-democratas de direita. Mas num caso como no outro, querem que tomemos a esquerda europeia como modelo do que fazer aqui no Brasil.
Independente da opinião que tenhamos sobre cada caso concreto citado por Alencastro, não seria
correto para o PT e para ninguém da esquerda brasileira adotar modelos
estrangeiros, sejam quais forem.
Até porque,
cá entre nós, todos os casos citados envolvem partidos socialdemocratas, com
anos e às vezes décadas de capitulação frente ao neoliberalismo, em queda acentuada
de popularidade, que se viram diante do dilema de renovar por dentro ou serem
atropelados por fora por outro setor da esquerda.
O caso do PT não tem nada que
ver com isto.
Entre outros motivos porque o risco que o PT corre não é o de ser superado pela
esquerda. O risco que corremos é o de sermos atropelados – junto com toda a esquerda, inclusive a
antipetista – pela direita.
Mathias
Alencastro afirma que no caso do PT, o “debate programático sobre a questão da
renovação e da abertura não pode mais ser postergado”.
Não sei em que mundo o
Mathias Alencastro vive e o quanto ele conhece do PT, mas no mundo que eu vivo este debate vem sendo feito
há anos.
E não acontece no vácuo.
Acontece no meio de uma luta sem quartel
contra a direita, contra os meios de comunicação, contra o grande capital, que
interfere abertamente neste debate. E que hoje sonha em fazer o PT desistir da
candidatura Lula, de preferência em favor de uma alternativa que tenha jeito de
coxinha.
Acontece que
Mathias Alencastro na verdade considera que o “plano B” é o caminho da “renovação”.
De fato poderia ser, mas seria uma renovação pela direita, pois na prática
aceitar o tal plano B seria uma capitulação frente a fraude e frente ao golpe.
Alencastro
diz que “num cenário sem candidato nem aliança, o PT não teria escolha senão se
transformar no MDB da esquerda, vendendo palanque e tempo de televisão ao
melhor comprador”.
Isto é simplesmente falso, história da carochinha para assustar incautos.
Num cenário em que neguem o registro de Lula e
inclusive o prendam, o PT teria outras alternativas.
Não estamos condenados a legitimar
uma fraude.
Na pior das hipóteses, se o nome de Lula não estiver na urna eletrônica, podemos e devemos transformar nossas candidaturas a governos estaduais, ao senado, a câmara dos deputados e assembleias legislativas em campanhas de denúncia da fraude, de defesa da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, de defesa de novas eleições presidenciais, denunciando e acumulando forças para uma oposição radical contra o presente e o futuro governo ilegítimo.
Na pior das hipóteses, se o nome de Lula não estiver na urna eletrônica, podemos e devemos transformar nossas candidaturas a governos estaduais, ao senado, a câmara dos deputados e assembleias legislativas em campanhas de denúncia da fraude, de defesa da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, de defesa de novas eleições presidenciais, denunciando e acumulando forças para uma oposição radical contra o presente e o futuro governo ilegítimo.
Alencastro termina
seu texto falando da “provável, e entusiasmante, tomada de poder do PSOL por
Guilherme Boulos, e a consolidação de Ciro como principal liderança da oposição”,
que se converteriam em “clientes” do que ele chama de “projeto petista de
sobrevida melancólico”.
Traduzindo: se o PT não lançar um plano B, Ciro e
Boulos vão disputar o espólio do eleitorado lulista.
Deixemos neste texto Ciro e Boulos de lado. Vamos nos concentrar no essencial: Alencastro – este que fala da “renovação” – só pensa em candidaturas, alianças e
eleições.
Bem ao
estilo social-democrata-europeu-de-pensar, ele fala de sociedade civil, mas seu
modo de pensar a politica não vê outra coisa que não a institucionalidade
eleitoral tradicional.
Isto já
seria um defeito em condições normais de temperatura e pressão.
Mas na conjuntura
atual, em que o golpismo está rasgando a institucionalidade democrática,
precisamos ser um pouco mais ousados.
E não cair na armadilha de achar que 2018
será uma eleição como outra qualquer, onde devemos nos comportar de maneira
tradicional.
A verdade, ironicamente, é que a opinião de Mathias Alencastro não tem nada de renovadora. E, ao contrário, a posição que ele critica em Gleisi é que representa, neste momento, um caminho real de renovação.
Excelente!
ResponderExcluirQuem tomou a porrada no aniversario do PT ainda esta lambendo as feridas... rs
Vc não conhece o PT e sua FORÇA Mathias Alencastro...
ResponderExcluir