Roteiro para debate * versão ainda em revisão e discussão
(projeto de resolução sobre programa e estratégia para
o 3º Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda)
1.O impeachment de 31 de agosto e a derrota nas
eleições municipais de 2 de outubro confirmaram: o Partido dos Trabalhadores
está sendo alvo de uma exitosa campanha de cerco e aniquilamento.
2.Tanto na esquerda quanto na direita há quem
acredite que o Partido dos Trabalhadores foi ferido de morte. Ou, na melhor das
hipóteses, pode até sobreviver, mas sem o protagonismo obtido no período 2003-2014.
3.Para as forças de direita, faz todo o sentido
desejar, prever e trabalhar pelo apequenamento e pela morte do Partido dos Trabalhadores.
A razão é simples: como se viu no período 2003-2016, o capitalismo realmente existente
no Brasil não consegue conviver por muito tempo com a presença de uma esquerda
forte, mesmo que esta esquerda adote uma estratégia moderada e conciliatória.
4.Para as forças de esquerda, o problema assume
outra forma. Basta dizer que todos os partidos de esquerda e todos os movimentos
sociais existentes hoje no Brasil são compostos em grande medida por petistas,
por ex-petistas, por aliados ou por ex-aliados do PT. Noutras palavras: a
discussão sobre a trajetória do PT é, em maior ou menor medida, a discussão
sobre a trajetória do conjunto da esquerda brasileira desde 1980 até hoje. Pelo
mesmo motivo, o destino do PT impactará fortemente o destino de toda a esquerda
brasileira.
5.Esta é uma das razões pelas quais é preciso que
nós petistas paremos de gastar tanto tempo e energia com os “entretanto” e passemos
a priorizar os “finalmente”. Por “entretanto” nos referimos a questões tais
como: faremos ou não um congresso plenipotenciário? Faremos ou não um novo
processo de eleição direta das direções? A direção atual renunciará ou não? Por
“finalmente” entendemos a discussão sobre programa, estratégia, alianças, tática
e funcionamento organizativo.
6.Quanto aos “finalmente”, há duas preliminares que
devem ser respondidas pelo Partido dos Trabalhadores: qual seu “objetivo final”
e qual o “caminho” que pretende seguir para atingir este objetivo final.
Noutras palavras, qual o programa e qual a estratégia do PT. Só definidas estas
questões, é que poderemos formular de maneira adequada nossa tática, nossa
política de alianças e nossas diretrizes organizativas.
7.Acerca do programa, há um fio condutor: queremos transformar
as condições de vida da classe trabalhadora, que constitui a maioria do
povo brasileiro. Por transformar as condições de vida, compreende-se ampliar o
bem-estar material e espiritual, ampliar as liberdades democráticas e a
influência política, ampliar a soberania popular sobre os destinos da nação e
sua presença no mundo.
8.Uma questão que precisa ser respondida é:
queremos transformar as condições de vida da classe trabalhadora, nos marcos do
capitalismo? Ou queremos transformar tanto as condições de vida da classe
trabalhadora, que consideramos necessário superar o capitalismo e construir uma
sociedade socialista?
9.Todas as resoluções do Partido dos Trabalhadores,
desde 1980 até hoje, dizem que nosso partido é socialista. Mas esta palavra tem
significados distintos, para as distintas tendências partidárias. Alguns a
entendem como sinônimo de social-democracia, ou seja, entendem socialismo como
igual a melhorar as condições de vida do povo nos marcos do capitalismo, sem
superar o capitalismo. Outros setores do partido compreendem socialismo como um
tipo de sociedade em que as decisões sobre o que produzir, como produzir e como
distribuir passam a ser tomadas pela classe trabalhadora.
10.O Partido dos Trabalhadores precisa reafirmar,
de maneira enfática e didática, que somos socialistas neste segundo sentido.
Ou seja: queremos transformar tanto as condições de vida da classe
trabalhadora, da maioria do povo brasileiro, que consideramos necessário superar
o capitalismo e construir o socialismo.
11.Alguns setores da esquerda aceitam esta
definição de socialismo como uma espécie de “promessa de ano novo”. Ou seja:
como uma afirmação ritual, cheia de boas intenções, mas que não terá a menor influência
na prática cotidiana, no que fazem e defendem quanto estão no governo, no
parlamento, nos movimentos sociais, no debate de ideias, no dia a dia de suas
organizações. Alguns justificam esta atitude, argumentando que só poderemos
adotar medidas socialistas depois que tomarmos o poder. Até lá, temos que considerar
as coisas como elas são, ou seja, “administrar o capitalismo”.
12.De fato, grande parte do que entendemos por
construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora “conquiste o poder”,
ou seja, que tenha tanto poder político que seja capaz de fazer valer sua
vontade. E até que consiga tamanho poder político, por tempo mais ou menos
longo a classe trabalhadora terá que atuar “nos marcos do capitalismo”.
Entretanto, se atuarmos nos marcos do capitalismo de forma estritamente
capitalista, sem apresentar alternativas de tipo socialista para os problemas
do cotidiano, então o “poder político” que conquistarmos servirá no máximo para
gerir o capitalismo, nunca para ir além dele.
13.Se a esquerda pretende de fato construir o
socialismo, ela precisa convencer a maioria da classe trabalhadora e do povo. E
só conseguiremos isto se as soluções que apresentarmos para os problemas do
cotidiano forem orientadas por uma lógica distinta da capitalista. Aliás, se
fosse possível resolver os problemas da maioria do povo nos marcos do
capitalismo e a partir de soluções de tipo capitalista, para que mesmo gastar
tanta energia lutando pelo socialismo?
14.O programa do Partido dos Trabalhadores deve ser
uma síntese das mudanças que queremos fazer no Brasil, em benefício da classe
trabalhadora, em favor da maioria do povo brasileiro. Mudanças que devem ser orientadas
desde já pelo socialismo, ou seja, vertebradas pelos interesses da maioria e
não da minoria; pelo bem-estar e não pelo lucro; pelo público e não pelo
privado; pelo Estado e não pelo mercado; pelo social e não pelo individualismo.
15.O Partido dos Trabalhadores deve emancipar-se de
dois pontos de vista, aparentemente distintos, mas que na prática se reforçam
mutuamente. Um é o ponto de vista dos “revolucionários” que consideram que só
se pode falar de “socialismo” depois que “tomarmos o poder”. O outro é o ponto
de vista dos “reformistas” que propõem medidas tão “factíveis” e “realistas”
que, no final das contas, não reformam absolutamente nada. No lugar de ambos os
pontos de vista, defendemos que o programa do Partido deve apontar um conjunto
de transformações que, partindo da realidade atual, levando em conta a
correlação de forças e o nível de consciência do povo, acumule forças desde já num
sentido socialista.
16.Este programa deve incluir, entre outras, as
seguintes linhas de ação:
a) um conjunto de metas, no terreno do emprego, das condições de
trabalho, das condições ambientais, de alimentação, de moradia, de transporte, de
educação e cultura. Queremos, ao longo dos próximos anos e décadas, elevar de
maneira acelerada e sustentável todos os indicadores sociais, naturais e
individuais;
b) para financiar este programa de metas, é preciso em primeiro
lugar assumir o controle sobre a economia nacional, a começar por nossa moeda. Hoje
quem controla nossa economia é o setor financeiro privado e oligopolizado. No
lugar dele, devemos constituir um setor financeiro 100% público;
c) priorizar a ampliação da produção e do consumo de bens públicos.
Noutras palavras: segurança alimentar via reforma agrária e outra política
agrícola; programas de moradia e transporte coletivo; universalização dos
serviços públicos, com destaque para as áreas de saúde, educação, cultura e
esportes. Priorizando a produção e o consumo de bens públicos, será possível
combinar crescimento econômico acelerado com elevação do bem-estar social da
maioria da população;
d) a ampliação do consumo de bens públicos (especialmente na área
da construção civil) exigirá e estimulará a reconstrução de uma indústria forte
e tecnologicamente avançada. Diferente do setor financeiro, o conjunto da indústria
deve continuar sendo um setor fundamentalmente privado. Mas não pode continuar
controlada por monopólios e oligopólios, que controlam os preços e determinam
prioridades. Tampouco haverá recomposição de nossa indústria, sem forte
participação estatal não apenas no financiamento, mas também na produção, na
pesquisa e na formação de quadros, especialmente de cientistas e engenheiros. A
presença estatal direta e indireta servirá, também, para regular a iniciativa privada,
em favor de um plano de desenvolvimento que beneficie a maioria do povo;
e) um planejamento que incorpore o desenvolvimento científico e tecnológico aos diferentes setores da economia, especialmente aos estratégicos, e integre o local, o estadual, o nacional, o continental e o mundial. A integração entre esses aspectos possibilitará economia de escala, completará cadeias produtivas e garantirá retaguarda estratégica;
f) a ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e ampliação das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura, e uma luta sem tréguas contra a corrupção. Sem tais medidas, a classe dominante e seus aliados terão êxito em sabotar e reverter o processo de mudanças.
17.As linhas de ação acima resumidas, sem prejuízo de melhor
precisão e detalhamento, constituem o núcleo do programa que o Partido dos
Trabalhadores deve defender. O pressuposto básico deste programa é: melhorar as
condições de vida do povo brasileiro, de maneira profunda, acelerada e
sustentável, exige superar o controle que os capitalistas mantém, hoje, sobre
nossa sociedade, a começar por nossa economia.
18.A causa de fundo de nossa derrota em 31 de agosto de 2016 foi
não ter compreendido a incompatibilidade estrutural entre nossa tentativa de melhorar
a vida do povo e o capitalismo realmente existente no Brasil. E,
portanto, não ter tomado as medidas preventivas e ofensivas que tornariam
possível derrotar a inevitável oposição, sabotagem e reação. Entretanto, perceber
aquela incompatibilidade não gera a força necessária para implementar nosso
programa de transformações. É necessário construir uma estratégia que torne
isto possível, numa situação em que estamos mais fracos que antes.
19.O Partido dos Trabalhadores está, portanto,
diante do desafio de construir outra estratégia, que seja capaz de enfrentar a
nova situação criada a partir de 31 de março de 2016. Esta nova estratégia terá
que ser formulada sob fogo inimigo. E não pode ser a velha estratégia,
apenas corrigida, depurada e customizada. A nova situação exige uma nova
estratégia.
20.Ao mesmo tempo em que enfrenta o governo
golpista, defendendo Fora Temer e Diretas Já, ao mesmo tempo que apoia as
mobilizações e a greve geral, ao mesmo tempo em que implementa uma dura
oposição parlamentar, ao mesmo tempo em que mobiliza a sociedade em defesa da
democracia e dos direitos, ao mesmo tempo em que disputa eleições e exerce seus
mandatos, o Partido dos Trabalhadores tem que se dispor a estimular, no seu
interior e na sociedade, um forte debate de ideias, com ênfase no balanço
(1995-2016, 2003-2016, 2015-2016), na análise do capitalismo brasileiro e
internacional, na análise das classes e da luta de classes, na formulação da
estratégia e do programa.
21.Este debate de ideias é parte importante da
reconstrução dos laços com a maioria da classe trabalhadora urbana, com os
camponeses, com a juventude trabalhadora, os negros e negras, as mulheres, o
movimento LGBT, os indígenas, a intelectualidade, o mundo da cultura, os
diferentes setores sociais que fizeram parte das vitórias de 2002 a 2014, que
inclusive se jogaram na luta contra o golpe, mas que com o passar do tempo
foram divergindo em maior ou menor medida com as opções feitas por nosso
Partido (ou atribuídas a ele), especialmente durante o ano de 2015.
22.O petismo tem enormes energias. Isto pode ser
constado nas ruas, mas também na quantidade de militantes que estão voltando à
ativa. Amplos setores da militância e de nossos simpatizantes querem debater os
rumos do Partido e consideram que a atual direção precisa ser profundamente
renovada, se quiser enfrentar os desafios presentes e futuros.
23. Entre os que valorizam as experiências dos
governos Lula e Dilma, existem diferentes pontos de vista, que dizem respeito
não apenas à estratégia adotada no passado recente, mas também à qual deva ser
a estratégia no período em que estamos e futuramente.
24.Estas diferentes visões às vezes são
expressas num mesmo vocabulário (as pessoas concordam quanto ao significado das
categorias, conceitos e termos, mas discordam no mérito), outras vezes são
expressas através de vocabulários distintos, em que uma mesma palavra ganha
significados distintos ou simplesmente não é adotada.
25.Neste texto entendemos “estratégia” como o
conjunto de ações que a classe trabalhadora deve desenvolver para ter o poder
de Estado e assim poder iniciar a construção do socialismo.
26. Ao longo dos últimos duzentos anos, em
diferentes países do mundo a classe trabalhadora trilhou diversos caminhos para
tentar resolver o problema do poder e para tentar construir o socialismo.
27. Uma destas modalidades foi a combinação
entre a organização da classe (sindicatos, partidos, organizações populares
diversas, e suas respectivas alianças) e a conquista de espaços institucionais
(executivos, legislativos, democratização de outros aparatos de Estado). Outras
modalidades foram a tomada do poder através da insurreição urbana, da guerra
(guerra de guerrilhas, guerra popular prolongada, guerra de libertação
nacional, guerra de ocupação) e também a “via chilena para o socialismo”.
28. A “via chilena”, como o nome sugere, foi
elaborada e experimentada no Chile, especialmente no período de governo da
Unidade Popular (1970-1973). A ideia central era fazer da disputa e da
conquista eleitoral de governos uma parte fundamental da disputa e da conquista
do poder.
29. Os defensores da “via chilena”
pretendiam, desta forma, resolver um problema que provavelmente angustiou e
segue angustiando muitos dos que se pretendem socialistas & revolucionários:
como agir, do ponto de vista estratégico, em sociedades ou em momentos
históricos em que não estão ocorrendo, nem estão no horizonte visível,
processos revolucionários, crises revolucionárias, revoluções.
30. A “via chilena” oferecia, em tese, a
seguinte resposta: utilizar a maioria eleitoral para viabilizar uma presença
nos governos, governos que protagonizariam mudanças tanto de ordem
econômico-social quanto de ordem política, mudanças que ao fim e ao cabo
alterariam a natureza capitalista do Estado e da sociedade.
31. Obviamente, os defensores da “via
chilena” tinham consciência de que a implementação desta estratégia provocaria
uma reação por parte dos capitalistas: a oposição, a sabotagem e no limite o
golpe de Estado. Portanto, uma questão implícita era como criar as condições
para que esta reação não tivesse êxito.
32. Uma primeira resposta era obter maiorias
eleitorais, que permitisse controlar os órgãos executivos e legislativos, a
partir dos quais se promoveria a democratização dos demais órgãos de Estado
e/ou a convocação de processos constituintes, que no limite permitiriam
substituir, a partir de processos eleitorais, o “Estado capitalista” por um “Estado
popular”.
33. Uma segunda resposta era neutralizar os
instrumentos que a classe capitalista utiliza para fazer oposição, sabotar e
dar golpes: o controle da economia, o controle dos meios de comunicação e o
controle das forças armadas. Isto se traduziria na ampliação da presença do
Estado na economia, na quebra do controle capitalista sobre os meios de
comunicação e na submissão das forças armadas ao controle democrático.
34. Este aspecto teve grande importância no
caso chileno, onde uma parcela da esquerda acreditou que as forças armadas
chilenas seriam fieis a uma suposta tradição legalista e não apoiariam um
golpe. Ilusões semelhantes sobre as forças armadas também estiveram presentes
noutros países, inclusive no Brasil. O tema das forças armadas também teve e
segue tendo particular importância no caso venezuelano.
35. Tanto no caso venezuelano quanto no
chileno, entretanto, a sabotagem econômica foi o fator fundamental para o êxito
(parcial ou total) da reação capitalista. O que remete para uma complexa
discussão sobre a relação entre economia nacional e internacional, Estado e
mercado, discussão que também se faz necessária quando analisamos as
experiências de construção do socialismo no século 20.
36. Uma terceira resposta, elaborada no
contexto da chamava “via chilena”, para a questão de como criar as condições
para que a reação capitalista não tenha êxito consiste em defender a construção
de um “poder popular” paralelo ao poder de Estado e/ou complementar ao governo
popular.
37. É importante perceber que todas as
respostas citadas têm, entre seus efeitos colaterais, o de acelerar a reação
capitalista. Fato que nos remete para uma das principais dificuldades
"práticas" da “via chilena”: o tempo.
38. Numa guerra ou numa insurreição
vitoriosas, a classe capitalista tende a perder completamente, ou quase, seus
instrumentos de poder. Já na “via chilena”, a ampliação da força popular não
tira da classe capitalista parte importante, maior ou menor, de seus
instrumentos de poder. E a classe dominante utiliza estes instrumentos para
fazer oposição, sabotagem e no limite promover golpes.
39. Uma questão importante, portanto, é saber
se os instrumentos que a classe trabalhadora vai conquistando, adquirindo e
construindo através da combinação entre eleições e auto-organização serão
capazes de deter a oposição, a sabotagem e o golpe.
40. Trata-se de uma “corrida contra o tempo”,
que assume a forma de uma disputa política e ideológica – geralmente denominada
de “disputa de hegemonia” e/ou de "guerra de posições"—sob vários
aspectos mais complexa do que a existente nos processos de guerra e de
insurreição.
41. Tanto no Brasil, quanto nos demais países da América Latina
e Caribe, a maior parte das forças de esquerda tentaram implementar uma
estratégia aparentada com a “via chilena”. Hoje todos os governos progressistas
e de maneira geral o conjunto da esquerda estão enfrentando uma contraofensiva
reacionária (muitas vezes contra a simples existência de um governo considerado
progressista).
42.No caso brasileiro, a contraofensiva
envolveu e envolve ações simultâneas da direita partidária, da direita social,
da alta burocracia de Estado, do grande capital e do oligopólio da mídia. Apesar
de diferenças táticas, há um amplo consenso estratégico entre as forças
reacionárias, em torno dos seguintes objetivos:
a) realinhar o Brasil ao bloco internacional
comandado pelos Estados Unidos (afastando-o tanto dos BRICS quanto da
integração latino-americana);
b) reduzir os níveis de remuneração, direta e
indireta, da classe trabalhadora brasileira (o que inclui desde alterações na
legislação trabalhista até cobrança de serviços públicos, passando por revisão
nas políticas de reajuste do salário mínimo e repressão aos movimentos sociais
reivindicatórios);
c) reduzir o acesso dos setores populares às
liberdades democráticas em particular e aos direitos humanos e sociais.
43. Caso esta ofensiva reacionária tenha
pleno êxito, não estaríamos apenas de volta aos governos 100% neoliberais de
1994-2002. Nem estaríamos apenas diante do desmanche dos direitos inscritos na
(em geral conservadora) Constituição “Cidadã”. Mais do que isto, sob pelo menos
dois aspectos importantes estaríamos “rumando” em direção a características do
Brasil pré-revolução de 1930: no que diz respeito aos direitos trabalhistas
(vide as ameaças contra a CLT) e no que diz respeito ao lugar do Brasil na
“divisão internacional do trabalho”.
44. Dadas estas características da situação internacional,
regional e nacional, é que denominamos o momento que estamos vivendo como "defensiva
estratégica".
45. Estamos num período de defensiva
estratégia, que pode ser mais longo ou mais curto, com uma duração que depende
de um conjunto de variáveis, inclusive internacionais. Portanto, além de
debater a necessidade e o conteúdo de uma nova estratégia, estamos chamados a
debater quais as táticas adequadas para reagrupar forças e retomar a ofensiva.
46. A conquista de maiorias eleitorais faz parte
da disputa pelo poder, mas não “resolve” a maior parte do “problema” do poder. Em
primeiro lugar, porque a classe dominante -- e seus partidos -- mantêm seus
direitos eleitorais e, portanto, minorias eleitorais mais ou menos expressivas.
Além disso, há elementos de poder que não sofrem influência direta da disputa
eleitoral, tais como a ingerência externa, o poder econômico, o oligopólio da
mídia, o judiciário, as forças de segurança.
47. Embora não resolvam o problema do poder,
as vitórias eleitorais da esquerda aguçam a disputa pelo poder, tornando mais
violenta a disputa de hegemonia cultural, comunicacional, ideológica, política
e econômica. Quando as forças reacionárias conseguem afastar a esquerda do
governo (seja pela via eleitoral ou do golpe, seja este clássico ou
jurídico-parlamentar), elas voltam dispostas a reduzir ao mínimo as
possibilidades de que a história se repita.
48. As forças reacionárias aprenderam com as
derrotas que sofreram a partir de 1998. Além disso, a situação do capitalismo
as empurra a adotar medidas que visam recompor rapidamente sua rentabilidade e
controle, medidas que só serão politicamente viáveis se forem acompanhadas de
alterações profundas na correlação de forças entre as classes; o que por sua
vez as levará a tentar fechar e colocar ferrolhos nas “portas” que permitiram à
esquerda acessar espaços executivos e legislativos, para implementar políticas
públicas que melhorassem a vida do povo.
49. Por tudo isso, a ofensiva reacionária não
é apenas eleitoral: ela abre um novo período estratégico, no qual a classe
dominante aceitará cada vez menos a possibilidade de sofrer derrotas eleitorais
e no qual a classe trabalhadora vive e viverá situações táticas mais difíceis
do que as experimentadas entre 1989 e 2014. É também por conta destas mudanças
que afirmamos que, para atuar neste novo período, será necessário adotar outra
estratégia.
50. Os “marcos estratégicos” nos quais atuamos
podem ser assim resumidos:
a) defensiva estratégica da classe
trabalhadora;
b) hegemonia do capitalismo;
c) crise do capitalismo;
d) declínio da potência hegemônica;
e) ascensão de outros polos de poder (vide os
BRICS);
f) disputa entre diferentes vias de desenvolvimento
capitalista;
g) formação de blocos regionais;
g) hegemonia do neoliberalismo em âmbito
regional;
h) disputa entre diferentes modelos de
desenvolvimento nacional e regional;
i) vitórias eleitorais e forte protagonismo
dos governos progressistas até 2006;
j) desde então, crescente contraofensiva das
forças conservadoras.
51. Reconhecer uma derrota estratégica
implica, no caso, em reconhecer que uma estratégia foi derrotada. Mas
reconhecer a necessidade de uma nova estratégia por si não reverte a derrota
estratégica, não altera a correlação de forças.
52. Noutras palavras, a correlação de forças
atual impede o êxito parcial da antiga estratégia; mas também dificulta a implementação
êxitosa de outra estratégia, baseada em transformar a
vida do povo através da combinação entre políticas públicas & reformas
estruturais, implementadas a partir da combinação entre a conquista de espaços
legislativos e executivos & a construção de uma hegemonia popular.
53. Neste emaranhado de variáveis, o aspecto
ao qual devemos dar atenção principal é o estado de ânimo, consciência,
organização e mobilização das camadas populares, especialmente da classe dos
trabalhadores assalariados.
54. De maneira geral, faz-se necessário
retomar a análise das classes sociais, de seus interesses de médio e longo
prazo, de como eles se articulam e conflitam entre si, conformando diferentes
padrões de desenvolvimento em âmbito nacional, regional e mundial, diferentes
níveis da realidade que mantém inter-relação. Além disso, faz-se necessário
debater:
a) como travar a disputa pelo "poder
econômico"?
b) como disputar a hegemonia ideológica sobre
a sociedade?
c) qual a dimensão estratégica da luta contra
a corrupção?
d) quais são as indispensáveis reformas
democráticas no âmbito econômico, social, cultural e político?
55. Quando saímos do plano nacional e
passamos a análise do plano regional, a questão pode ser posta da seguinte
forma: sem integração regional, não é possível melhorar a vida do povo de
maneira profunda, veloz e permanente. Entretanto, qual padrão de integração
regional é necessário, se falamos em processos de mudança mais profundos, mais
velozes e mais duradouros? Por exemplo: como articular a integração entre
Estados e a integração entre os setores sociais comprometidos com os projetos
de transformação?
56. Quando saímos do plano regional e
passamos à análise do plano mundial, a questão pode ser posta assim: como o
processo de transformações nacionais e de integração regional se articula com a
“guerra” (com cada vez menos aspas) mundial entre diferentes projetos de
desenvolvimento?
57. Finalmente, é preciso investigar quais as
decorrências da defensiva estratégica sobre as organizações da classe,
especialmente sobre aquelas que foram hegemônicas no período estratégico que
ora se encerra. Setores da esquerda consideram que organizações como o próprio
PT, a CUT e o MST estariam superados ou em vias de. Setores da direita, por sua
vez, trabalham ativamente neste sentido.
58.Em síntese, construir outra estratégia
exigirá enfrentar a análise do capitalismo do século XXI, a retomada do balanço
da luta pelo socialismo no século XX, assim como um balanço dos governos
“progressistas e de esquerda” no Brasil e na América Latina.
59. A esquerda brasileira necessita produzir uma
análise consistente das tendências do capitalismo no século XXI, no mundo e no
Brasil. E uma análise acerca das classes e da luta de classes existente
atualmente no Brasil.
60. Do ponto de vista prático, necessitaremos
recuperar nosso apoio junto à classe trabalhadora, criando as condições sociais
indispensáveis para derrotar o grande capital, a oposição de direita e o
oligopólio da mídia, em favor de um desenvolvimentismo democrático-popular e
articulado com o socialismo.
61. Quando falamos em recuperar o apoio junto
à classe, em reatar laços com nossa base social, não falamos apenas das dezenas
de milhares que vão às marchas, manifestações e congressos. Falamos em primeiro
lugar das dezenas de milhões que apoiaram as esquerdas nas eleições de 1989,
1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, mas que agora estão decepcionados e em
muitos casos sob a hegemonia da direita.
62. Do ponto de vista organizativo, a
principal batalha num período defensivo é defender nossas organizações. E
afirmar o princípio da unidade da classe, da unidade das forças populares, da
unidade do nosso campo político e social.
63.Nesta perspectiva, os sindicatos e a
central sindical cumprem papel decisivo, porque são organizações que estão (ou
que deveriam estar, ou que podem estar) em contato direto e cotidiano com a
maior parte da classe trabalhadora.
64.Também nesta perspectiva, a existência de
uma frente de organizações (movimentos, sindicatos, partidos) como a Frente
Brasil Popular é algo muito importante, porque permite ao mesmo tempo: a) unir
esforços para resistir; b) criar um ambiente de debate comum; c) construir um
instrumento essencial para criar as condições para sair da defensiva.
65. Em 31 de agosto de 2016 teve fim uma
etapa da história recente do Brasil. Teve início um novo período, em que a
relação entre as forças políticas, as instituições e as classes sociais, bem
como a relação do Brasil com o mundo serão substancialmente distintas daquilo
que prevaleceu durante a maior parte dos governos Lula e Dilma. Neste sentido,
a batalha do impeachment não foi a última batalha de uma guerra antiga, mas sim
a primeira batalha de uma guerra nova.
66. Teremos êxito se construirmos, tanto na
teoria quanto na prática, outra estratégia: não uma estratégia de conciliação com
setores das classes dominantes, mas uma estratégia da classe trabalhadora; não
uma estratégia de luta pelo governo, mas uma estratégia de luta pelo poder; não
uma estratégia de luta por um capitalismo não-neoliberal, mas estratégia de
luta pelo socialismo.
VERSÃO AINDA
EM REVISÃO E DEBATE
Dúvida
ResponderExcluirSe a classe trabalhadora, através de seus partidos, de seu “poder político” é capaz de fazer valer sua vontade e gerir o capitalismo isso já por si só não seria ir além do capitalismo e modificar sua lógica, portanto, construir o socialismo? Não existe um momento para tomar o poder, outro para conscientizar a classe trabalhadora, outro para construir novas instituições e uma nova forma de produção e distribuição alternativa ao capitalismo (socialismo), o que existe são atos múltiplos e simultâneos de fazer-se tudo isso em movimento? Momentos reformistas e momentos revolucionário diz mais sobre as circunstâncias, do que sobre as estratégias e táticas, a via chilena do socialismo democrático, teve que se defender lutando como uma guerrilha revolucionária para manter um governo reformista, o que temos que estar é sempre alerta em relação ao contra-ataque (que sempre vai vir) e não devemos deixar nos iludir com nossas pequenas vitórias e nossas pequenas fortalezas? O que não podemos é deixar de afirmar nossos valores democráticos e socialistas.
As vezes o socialismo ou a ideia de bem comum as vezes se parece como o Índio da música de Caetano Veloso:
"E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio"
Um abraço