Rodrigo Viana divulgou, no dia 11 de maio, um texto intitulado "Polêmica: atos pirotécnicos vencerão a direita?"
O texto parte de um equívoco: o de considerar que o governo de Temer é "frágil", devido aos personagens lamentáveis que o compõem e devido ao programa que implementará sem respaldo nas urnas.
Gostaria que isso fosse verdade, mas não acho que seja assim.
Acredito que o governo Temer tem fragilidades, mas será frágil ou não a depender do apoio que receba do grande capital e a depender da oposição que receba por parte da classe trabalhadora.
E, como aponta muito bem Rodrigo Viana, o plano Temer causará imensos danos sociais, mas "o povo que assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta".
Rodrigo Viana diz ter ouvido de pessoas de esquerda que "esse quadro favorece uma reação imediata nas ruas – para deslegitimar Temer".
E confessa que sua impressão é o "contrário", pois "Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que necessita".
Acho muito importante o alerta que Rodrigo Vianna e outros vem fazendo, de que é importante escolher bem a forma de luta. E também concordo que a direita pretende aprofundar a criminalização dos movimentos sociais e implementar uma espécie de "colombianização" da segurança pública.
Mas não concordo com um aspecto importante do raciocínio feito, a este respeito, por Rodrigo Vianna. A saber: nós não controlamos qual a "narrativa" que a direita fará acerca de nós. Mas esta narrativa não é todo-poderosa. Ela será mais ou menos aceita, a depender de vários fatores. Entre os quais os impactos da política de Temer sobre os setores populares.
A esquerda corre o risco de "isolamento" não principalmente pela forma de luta tomada isoladamente, mas na medida em que desvincule sua ação dos interesses das camadas populares.
Por exemplo: os que defendiam lutar contra o golpe por dentro das instituições estavam isoladíssimos. Rompemos este isolamento levando a mobilização contra o golpe para as ruas. Ou seja: uma forma de luta ordeira, pacata, pacífica e submissa provocava mais isolamento do que a mobilização de rua.
A mobilização de rua cresceu muito. Mas a partir de um certo momento ela não conseguiu agregar mais setores. Foi por causa da forma de luta? Não! Foi porque a política econômica do governo dificultava atrair os setores populares não militantes. Novamente, não foi a forma de luta em si que causou nosso isolamento em relação às mais amplas massas. Nosso problema foi que o governo não entendeu que lutar exitosamente pela democracia exigia mudar a política econômica.
Nosso desafio agora é vincular a luta contra o golpe e a luta contra as políticas do governo golpista. Sem isso, o isolamento continuará, não importa que formas de luta adotemos. Embora, e nisto estou de acordo com Rodrigo, quando não se tem apoio de massa, formas de luta radicalizadas expõem a vanguarda à repressão.
Rodrigo Vianna diz também que "nos próximos meses, a esquerda e os democratas em geral ficarão minoritários".
Novamente, acho Rodrigo muito otimista. Nós já estamos minoritários, tanto na sociedade em geral quanto na classe trabalhadora.
Isto não quer dizer, contudo, que os golpistas sejam majoritários. E é nesse intervalo político que devemos saber atuar, combinando a luta contra o golpe com a luta contra as políticas anti-populares, anti-democráticas e anti-nacionais do governo golpista.
Rodrigo tem toda razão, entretanto, quando aponta que o governo golpista fará de tudo para nos tornar ainda mais minoritários. Mas a solução para isto não está nas formas de luta tomadas isoladamente, mas sim na combinação entre formas de luta, palavras de ordem e análise correta do nível de consciência da classe trabalhadora.
Nisto, acho que Rodrigo Vianna (estimulado pela leitura que faz de André Singer) adota um diapasão muito pessimista. A maioria da classe trabalhadora é tão conservadora hoje quanto era nos anos 1970. Isto quer dizer muito, mas não quer dizer tudo.
Evidente que a situação é mais difícil do que naquela época, pois não se trata apenas de mobilizar contra um governo ilegítimo, mas também de reconquistar o apoio da classe trabalhadora por parte das esquerdas.
O importante é perceber que o fato de não haver muita gente disposta a enfrentar o golpe na rua (em ações "radicais" ou não), não quer dizer necessariamente que não vá haver setores importantes da classe dispostos a mobilizar-se em defesa dos direitos sociais que o governo Temer vai atacar.
Neste sentido, insisto, o tema central não é a forma de luta em si. Mas sim qual o conteúdo de nossa ação, qual a palavra de ordem. Entendo que precisamos vincular a luta pela democracia e contra o golpe, com a luta contra as políticas anti-sociais do governo golpista.
O erro dos que defendem "atos fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência" está, portanto, em concentrar seu foco na luta apenas ou principalmente na luta contra o golpe. Sem perceber que o sucesso da luta contra o golpe depende de atrair o povo para lutar contra as politicas do governo golpista.
É um erro similar, portanto, aos que recusavam combinar a luta pela democracia com a luta por outra política econômica.
Ao não perceber isto, Rodrigo acaba contraponto as formas de luta que ele considera "radicais" (tipo trancaços, queimar pneus etc.) a "ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres".
No que me diz respeito, trocou 6 por meia dúzia. Tanto é assim que ele complementa seu raciocínio da seguinte forma: "Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora". Ora, nosso objetivo não é obrigar os caras a botar os dentes de fora. Esta seria uma interpretação esquerdista, na linha do vamos provocar a repressão, pois a repressão vai conscientizar as massas.
Nosso objetivo é outro: mobilizar a massa em defesa da democracia e dos direitos e através disto conscientizar.
Note, ademais, que as PMs não poupam mulheres nem jovens, mesmo que os atos sejam pacíficos (vide o que ocorreu no avião da TAM e nas Escolas do estado de São Paulo). Portanto, a questão não está -- insisto -- nas formas de luta tomadas isoladamente. Embora, repito mais uma vez, não tenha nenhuma simpatia por pirotecnias.
Rodrigo Vianna conclui seu texto dizendo que a "maior de todas dificuldades" será "como defender o legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?"
Sei que Rodrigo Vianna apenas escreveu um artigo, não um tratado. Mas da mesma forma que ele, mesmo correndo o risco de soar inadequado, me sinto na obrigação de dizer que este jeito de colocar o problema vai resultar... num "neo-lulismo".
Uso esta palavra ("lulismo") para facilitar a conversa, pois não concordo com as várias teorias a respeito (André Singer, Rudá Ricci etc.).
Voltando ao ponto: o discurso de construir "uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora" é totalmente insuficiente e repete, de forma atualizada e num contexto social muito mais difícil, certos discursos que estiveram presentes na criação do PT.
A saber: ao invés de enfrentar a sério o debate sobre estratégia e programa, se dava aos "novos atores" o poder de resolver os problemas através de sua ação. Em época de vento a favor, vá lá. Mas em época de vento contra, este "método" não vai dar em lugar algum, muito menos na construção de uma "nova esquerda".
Aliás, Rodrigo Vianna subestima o papel da Frente Brasil Popular, dos partidos e sindicatos. Diz que o "curinga na manga será a construção de novos movimentos sociais".
Acho este raciocínio um erro. Só derrotaremos o governo golpista, só vamos inaugurar um novo período de ofensiva da esquerda no Brasil, se a classe trabalhadora se colocar em movimento. E não haverá "curinga": a classe trabalhadora, ao se colocar em movimento, lança mão de instrumentos e formas de luta clássicas.
Novos movimentos, seja lá o que forem exatamente, podem ser importantes? Podem, claro. Mas não vão substituir, nunca, o papel da classe trabalhadora.
Quando a maioria da classe trabalhadora voltar a se movimentar, ela vai continuar "petista"? Não sei. Mas espero que sim.
Entre outros motivos por economia de esforços: se o PT conseguir alterar sua política e sua direção, isto tornará muito mais fácil e muito mais rápido enfrentar e derrotar, não apenas o governo golpista mas as forças que o sustentam, apoiam e estimulam.
Segue o texto comentado:
:
http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=309461
Polêmica: atos pirotécnicos vencerão a direita?
O texto parte de um equívoco: o de considerar que o governo de Temer é "frágil", devido aos personagens lamentáveis que o compõem e devido ao programa que implementará sem respaldo nas urnas.
Gostaria que isso fosse verdade, mas não acho que seja assim.
Acredito que o governo Temer tem fragilidades, mas será frágil ou não a depender do apoio que receba do grande capital e a depender da oposição que receba por parte da classe trabalhadora.
E, como aponta muito bem Rodrigo Viana, o plano Temer causará imensos danos sociais, mas "o povo que assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta".
Rodrigo Viana diz ter ouvido de pessoas de esquerda que "esse quadro favorece uma reação imediata nas ruas – para deslegitimar Temer".
E confessa que sua impressão é o "contrário", pois "Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que necessita".
Acho muito importante o alerta que Rodrigo Vianna e outros vem fazendo, de que é importante escolher bem a forma de luta. E também concordo que a direita pretende aprofundar a criminalização dos movimentos sociais e implementar uma espécie de "colombianização" da segurança pública.
Mas não concordo com um aspecto importante do raciocínio feito, a este respeito, por Rodrigo Vianna. A saber: nós não controlamos qual a "narrativa" que a direita fará acerca de nós. Mas esta narrativa não é todo-poderosa. Ela será mais ou menos aceita, a depender de vários fatores. Entre os quais os impactos da política de Temer sobre os setores populares.
A esquerda corre o risco de "isolamento" não principalmente pela forma de luta tomada isoladamente, mas na medida em que desvincule sua ação dos interesses das camadas populares.
Por exemplo: os que defendiam lutar contra o golpe por dentro das instituições estavam isoladíssimos. Rompemos este isolamento levando a mobilização contra o golpe para as ruas. Ou seja: uma forma de luta ordeira, pacata, pacífica e submissa provocava mais isolamento do que a mobilização de rua.
A mobilização de rua cresceu muito. Mas a partir de um certo momento ela não conseguiu agregar mais setores. Foi por causa da forma de luta? Não! Foi porque a política econômica do governo dificultava atrair os setores populares não militantes. Novamente, não foi a forma de luta em si que causou nosso isolamento em relação às mais amplas massas. Nosso problema foi que o governo não entendeu que lutar exitosamente pela democracia exigia mudar a política econômica.
Nosso desafio agora é vincular a luta contra o golpe e a luta contra as políticas do governo golpista. Sem isso, o isolamento continuará, não importa que formas de luta adotemos. Embora, e nisto estou de acordo com Rodrigo, quando não se tem apoio de massa, formas de luta radicalizadas expõem a vanguarda à repressão.
Rodrigo Vianna diz também que "nos próximos meses, a esquerda e os democratas em geral ficarão minoritários".
Novamente, acho Rodrigo muito otimista. Nós já estamos minoritários, tanto na sociedade em geral quanto na classe trabalhadora.
Isto não quer dizer, contudo, que os golpistas sejam majoritários. E é nesse intervalo político que devemos saber atuar, combinando a luta contra o golpe com a luta contra as políticas anti-populares, anti-democráticas e anti-nacionais do governo golpista.
Rodrigo tem toda razão, entretanto, quando aponta que o governo golpista fará de tudo para nos tornar ainda mais minoritários. Mas a solução para isto não está nas formas de luta tomadas isoladamente, mas sim na combinação entre formas de luta, palavras de ordem e análise correta do nível de consciência da classe trabalhadora.
Nisto, acho que Rodrigo Vianna (estimulado pela leitura que faz de André Singer) adota um diapasão muito pessimista. A maioria da classe trabalhadora é tão conservadora hoje quanto era nos anos 1970. Isto quer dizer muito, mas não quer dizer tudo.
Evidente que a situação é mais difícil do que naquela época, pois não se trata apenas de mobilizar contra um governo ilegítimo, mas também de reconquistar o apoio da classe trabalhadora por parte das esquerdas.
O importante é perceber que o fato de não haver muita gente disposta a enfrentar o golpe na rua (em ações "radicais" ou não), não quer dizer necessariamente que não vá haver setores importantes da classe dispostos a mobilizar-se em defesa dos direitos sociais que o governo Temer vai atacar.
Neste sentido, insisto, o tema central não é a forma de luta em si. Mas sim qual o conteúdo de nossa ação, qual a palavra de ordem. Entendo que precisamos vincular a luta pela democracia e contra o golpe, com a luta contra as políticas anti-sociais do governo golpista.
O erro dos que defendem "atos fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência" está, portanto, em concentrar seu foco na luta apenas ou principalmente na luta contra o golpe. Sem perceber que o sucesso da luta contra o golpe depende de atrair o povo para lutar contra as politicas do governo golpista.
É um erro similar, portanto, aos que recusavam combinar a luta pela democracia com a luta por outra política econômica.
Ao não perceber isto, Rodrigo acaba contraponto as formas de luta que ele considera "radicais" (tipo trancaços, queimar pneus etc.) a "ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres".
No que me diz respeito, trocou 6 por meia dúzia. Tanto é assim que ele complementa seu raciocínio da seguinte forma: "Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora". Ora, nosso objetivo não é obrigar os caras a botar os dentes de fora. Esta seria uma interpretação esquerdista, na linha do vamos provocar a repressão, pois a repressão vai conscientizar as massas.
Nosso objetivo é outro: mobilizar a massa em defesa da democracia e dos direitos e através disto conscientizar.
Note, ademais, que as PMs não poupam mulheres nem jovens, mesmo que os atos sejam pacíficos (vide o que ocorreu no avião da TAM e nas Escolas do estado de São Paulo). Portanto, a questão não está -- insisto -- nas formas de luta tomadas isoladamente. Embora, repito mais uma vez, não tenha nenhuma simpatia por pirotecnias.
Rodrigo Vianna conclui seu texto dizendo que a "maior de todas dificuldades" será "como defender o legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?"
Sei que Rodrigo Vianna apenas escreveu um artigo, não um tratado. Mas da mesma forma que ele, mesmo correndo o risco de soar inadequado, me sinto na obrigação de dizer que este jeito de colocar o problema vai resultar... num "neo-lulismo".
Uso esta palavra ("lulismo") para facilitar a conversa, pois não concordo com as várias teorias a respeito (André Singer, Rudá Ricci etc.).
Voltando ao ponto: o discurso de construir "uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora" é totalmente insuficiente e repete, de forma atualizada e num contexto social muito mais difícil, certos discursos que estiveram presentes na criação do PT.
A saber: ao invés de enfrentar a sério o debate sobre estratégia e programa, se dava aos "novos atores" o poder de resolver os problemas através de sua ação. Em época de vento a favor, vá lá. Mas em época de vento contra, este "método" não vai dar em lugar algum, muito menos na construção de uma "nova esquerda".
Aliás, Rodrigo Vianna subestima o papel da Frente Brasil Popular, dos partidos e sindicatos. Diz que o "curinga na manga será a construção de novos movimentos sociais".
Acho este raciocínio um erro. Só derrotaremos o governo golpista, só vamos inaugurar um novo período de ofensiva da esquerda no Brasil, se a classe trabalhadora se colocar em movimento. E não haverá "curinga": a classe trabalhadora, ao se colocar em movimento, lança mão de instrumentos e formas de luta clássicas.
Novos movimentos, seja lá o que forem exatamente, podem ser importantes? Podem, claro. Mas não vão substituir, nunca, o papel da classe trabalhadora.
Quando a maioria da classe trabalhadora voltar a se movimentar, ela vai continuar "petista"? Não sei. Mas espero que sim.
Entre outros motivos por economia de esforços: se o PT conseguir alterar sua política e sua direção, isto tornará muito mais fácil e muito mais rápido enfrentar e derrotar, não apenas o governo golpista mas as forças que o sustentam, apoiam e estimulam.
Segue o texto comentado:
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http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=309461
Polêmica: atos pirotécnicos vencerão a direita?
– 11 DE MAIO DE 2016
Governo Temer nascerá frágil. Mas ações como bloqueio de estradas podem, paradoxalmente, alimentar narrativa que criminaliza a esquerda e ampara o presidente ilegítimo
Por Rodrigo Vianna, em seu blog
Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.
Esse plano provocará desarranjo social, instabilidade, fragilizará os trabalhadores e os mais pobres. Já sabemos disso. Mas o povo que assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta.
Ouço algumas pessoas, ligadas aos movimentos sociais e a partidos de esquerda, dizendo que esse quadro favorece uma reação imediata nas ruas – para deslegitimar Temer. Minha impressão é de que, bem ao contrário, Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que necessita.
O que quero dizer? Que a narrativa buscada pelo governo Temer será a de que “baderneiros” ligados ao PT buscam obstaculizar a nova “unidade nacional”. As ações de rua da esquerda, quanto mais virulentas forem, mais fornecerão a Temer o álibi de que necessita: “temos um inimigo, uma quadrilha que foi desalojada do poder e que se recusa a aceitar a derrota”. Essa será a narrativa. A Globo e suas sócias minoritárias no oligopólio midiático saberão construir essa narrativa. Já começaram, aliás.
No Judiciário e no aparato de Estado, veremos ações de repressão, intimidação, perseguição. Caminhamos para uma semi-democracia. Ou uma quase-ditadura – no estilo colombiano: as instituições funcionam, mas a esquerda e os movimentos populares organizados são expurgados.
Reparem que o secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Morais, cotado para ser Ministro da Justiça do governo golpista, dá a senha: chamou de “ações guerrilheiras” os protestos desse dia 11 de maio.
Outros exemplos: a Policia Federal deteve um grupo de mulheres pró-Dilma que se dirigia a Brasília porque elas se manifestaram dentro do avião na viagem; e grupos fascistas invadiram escolas ocupadas no Rio para expurgar a esquerda que ousa protestar contra o descalabro da educação fluminense.
Isso é o que nos espera nos próximos meses. Um “choque de ordem”, baseado em abusos de autoridade e fascismo social.
Risco de isolamento
Pensei muito se deveria escrever este texto, porque poderia parecer uma nota de desânimo no momento em que é preciso resistir. Mas sinto-me na obrigação de dizer o que vejo: nos próximos meses, a esquerda e os democratas em geral ficarão minoritários. O maior risco que corremos é o de isolamento social.
A mesma máquina midiática que criou a narrativa (vitoriosa, pelo que vemos) de que uma organização criminosa tomou de assalto o país passará, a partir de agora, a operar em outro diapasão: a “quadrilha” de desordeiros não quer deixar o Brasil seguir seu curso.
Percebam que o 17 de abril (com a infame votação do “em nome da minha família”, “em nome de deus”) foi o dia em que se mostrou – sem véu – a ideologia hoje vitoriosa no Brasil. A ideologia da ordem. E essa narrativa foi meticulosamente construída…
Em março de 2015, no estouro da boiada da direita, vocês se lembram qual era a frase pronta repetida pelos repórteres da Globo ao cobrir as manifestações: “milhares de famílias, em ordem, protestam contra o governo do PT e contra a corrupção.”
Famílias em ordem x corrupção petista. Esse é o resumo da ópera.
O próprio lulismo, como já ressaltado por André Singer, opera dentro da ordem. Amplos setores que votaram em Lula e Dilma são conservadores. Queriam (e querem) melhorias dentro da ordem, até porque a liderança da classe trabalhadora lhes ofereceu esse programa.
Reparem que são relativamente pequenos os grupos que saíram às ruas nos últimos dias (em atos que considero heróicos e necessários) para denunciar o golpe Temer/Cunha/Globo/PSDB. Não há muita gente disposta a enfrentar o golpe na rua em ações “radicais”. Por enquanto, esse é o quadro.
Há setores na esquerda que apostam nessa estratégia: atos fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência. Temo que esse tipo de ação esteja em completo desajuste com tudo que significou o lulismo nos últimos 15 anos. E temo que esse tipo de ação possa aprofundar o isolamento social da esquerda e dos movimentos sociais.
Será que a massa trabalhadora compreende essa sintaxe dos pneus queimados e das estradas fechadas?
Estou longe de ter a resposta definitiva.
O que percebo é que MST, CUT e demais centrais sindicais, ao lado de PT e PCdoB, são tudo que Temer e seus operadores da lei e da ordem querem ver nas ruas nos próximos meses. Será fácil carimbar essas manifestações como “desordens”, lançando esse povo no gueto dos “desesperados” e desalojados do poder.
O que não quer dizer, evidentemente, que devam se ausentar das ruas…
O melhor caminho para enfrentar o governo golpista, imagino eu, é apostar em ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres. Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora. Ações pautadas em temas concretos, e que mostrem o que significará na vida prática de cada um esse golpe à democracia.
Teremos que fazer isso e ao mesmo tempo ter energia e muita solidariedade para enfrentar a onda de perseguições, difamações e violência que se abaterá sobre todo o campo popular e democrático.
Serão dias difíceis, como sabemos.
E talvez a maior de todas dificuldades seja: como defender o legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?
Faremos isso tudo em meio a uma grave crise da democracia, com o discurso religioso e policialesco a dominar o cenário.
Qual papel de Dilma? E o de Lula?
Certamente são importantes, assim como o da Frente Brasil Popular e dos partidos e sindicatos. Mas isso tudo Temer e a Globo já botaram na conta. Vão partir pra cima dessa turma já conhecida.
O curinga na manga será a construção de novos movimentos sociais. Populares e de esquerda, mas não necessariamente “petistas”. É daí que poder vir a novidade mais consistente. Contra ela, toda a força e a virulência de Temer e das PM pode se transformar em fraqueza.
Esse é o cenário que vejo.
O Brasil entra num novo ciclo. Temer parece hoje ter pouca força pra se consolidar. Se errarmos muito, ele pode construir sua legitimidade a partir de nossos erros. Mas se o surpreendermos, toda força midiática e judicial não será capaz de evitar a construção (em 6 meses, 2 anos ou 10 anos) de um novo ciclo de esquerda no Brasil.
Haverá resistência! Agora e sempre. De muitas formas.
P.S.: Os golpistas que nos atacam nas ruas e nas redes dizem que estamos desesperados porque “perdemos a boquinha”. Deixem que pensem assim. Não sabem que a maioria dos que lutam do lado de cá está acostumada a travar longas batalhas, com persistência e confiança num futuro mais justo para o Brasil e o Mundo. Esse não é o primeiro governo golpista que vamos enfrentar e derrotar.
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