segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sigam as declarações... de voto

Ser minoria não é igual a estar errado; assim como ser maioria não é igual a estar certo.

Já houve maiorias parlamentares favoráveis à escravidão, a Hitler e ao golpe de 1964.

Assim, salvo para quem está animado pelo espírito de torcida, um pouco de reflexão é necessária.

Ontem a Câmara dos Deputados aprovou, por maioria, a primeira etapa do processo de impeachment: a admissibilidade.

O processo de impeachment segue agora para análise do Senado.

Caso os prazos legais sejam respeitados, por volta de 11 de maio o Senado decidirá se aceita ou não instalar o processo contra a presidenta Dilma.

Para isto bastará maioria simples dos senadores.

Mas para condenar será necessário o voto de 2/3 do Senado, onde em tese a correlação de forças é mais favorável ao governo do que na Câmara.

Até porque o processo terá continuidade, cada cidadão e cidadã de nosso país está convidado a rever e refletir sobre a justificativa de voto dos parlamentares na votação de ontem a noite.

Os que votaram contra insistiram que impeachment sem crime de responsabilidade é golpe.

Afinal, no regime político brasileiro não cabe ao parlamento forjar pretextos para realizar um terceiro turno da eleição presidencial.

Por isto, se a Câmara (usando o impeachment como pretexto) decide ser câmara revisora do processo eleitoral, estamos simplesmente de volta à República Velha.

A questão preliminar, portanto, é: houve ou não crime de responsabilidade?

Recomendo a todos lerem o relatório da comissão de impeachment, apresentado pelo deputado Jovair Arantes.

Ali é dito no fundamental que o "crime de responsabilidade" pelo qual a presidenta deveria ser afastada resume-se a... créditos suplementares e pedaladas fiscais.

No fundo, afirma-se que a presidenta atentou contra a Lei da Responsabilidade Fiscal.

O advogado geral da União já demonstrou, sem ter sido refutado, que as acusações não procedem, não tendo havido crime.

Aliás, caso procedesse, a maioria dos atuais governadores, o vice-presidente Temer e o ex-presidente FHC teriam cometido o mesmo crime.

Portanto, não houve crime de responsabilidade.

Portanto, a Câmara forjou um pretexto.

Tanto é assim que a esmagadora maioria daqueles que votaram a favor do impeachment não se deram ao trabalho de relacionar o seu voto com a existência do crime de responsabilidade.

A esmagadora maioria daqueles que votaram a favor do impeachment gastaram seus segundos de "fama" acusando a presidenta de muitas coisas, acusações que seriam cabíveis (verdadeiras ou não) numa campanha eleitoral, mas não como argumento para um impeachment.

Portanto, estamos diante de um golpe contra a soberania popular.

Um golpe parlamentar, em que a maioria da Câmara usurpa um direito que é da maioria da população: o de escolher quem preside o país.

Por ser parlamentar, não é um golpe menos perigoso, como pode constatar quem ouviu as declarações de voto de três centenas de parlamentares.

Os que votaram contra o impeachment justificaram seu voto de duas formas: a defesa da democracia e a defesa da classe trabalhadora.

Certos ou errados, lançaram mão de argumentos de natureza pública.

Já os que votaram a favor do impeachment usaram e abusaram de referências a Deus e a suas famílias.

São movidos, portanto, por uma perigosa mistura de fundamentalismo com patrimonialismo (o que explica, aliás, porque notórios corruptos encheram a boca para acusar a presidenta de supostos malfeitos).

Falaram também em destruir a esquerda, ressuscitando um discurso típico da lógica da guerra fria, segundo a qual do outro lado havia um inimigo a ser suprimido.

Aliás, o deputado Bolsonaro foi explícito ao citar elogiosamente um torturador em sua declaração de voto.

Enfim, reitero que todos e todas devemos rever com atenção as declarações de voto.

Ficou explícito que há duas visões de mundo, duas concepções de Brasil e duas formas diferentes de conceber a política e a representação popular.

Uma delas foi vitoriosa nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014.

A outra foi vitoriosa na noite de ontem, no plenário da Câmara de Deputados.

Que tinha na sua condução um símbolo desta concepção de mundo, alguém que vários parlamentares corajosos não tiveram dúvida de chamar de gangster.

Por tudo isto a votação na Câmara foi extremamente nociva para o país, abre uma etapa perigosa que ameaça as liberdades democráticas e os direitos sociais e, por isto, cada cidadão e cidadã deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reverter o resultado na próxima etapa do processo: o Senado.


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