terça-feira, 8 de março de 2016

Entrevista para Unisinos


Como avalia os acontecimentos da última semana da Operação Lava Jato, desde a suposta delação premiada de Delcídio Amaral, o suposto pagamento das contas da campanha de Dilma  Rousseff por empreiteiras e as buscas na casa e depoimento do ex-presidente Lula? E qual a repercussão política do fato de Eduardo Cunha ter se tornado réu da Lava Jato?
De fato, a conjuntura está do jeito que o diabo gosta. Falando sério, estamos diante de uma crise política que está se agravando, crise política que reflete uma crise mais profunda na sociedade brasileira e que, por isto mesmo, inclui uma dimensão de crise institucional.
Olhando o período, fica mais claro o que ocorreu durante a semana. Desde 2011, o grande capital mudou de atitude frente a presença do PT na presidência. O consórcio conservador desencadeou uma campanha em todas as frentes, para vencer as eleições de 2014. Quase tiveram êxito. Não aceitaram a derrota e passaram o ano de 2015 fazendo dois movimentos distintos, mas que se combinavam.
Um movimento era pressionar o governo Dilma a cumprir o programa de Aécio. O outro movimento era interromper o mandato da presidenta, via impeachment ou cassação no TSE. Este movimento quase teve êxito, mas foi interrompido em boa medida porque uma das peças tornou-se disfuncional. Esta peça é, exatamente, Eduardo Cunha.
E tornou-se disfuncional por quais motivos? Porque o movimento conservador tem como bandeira principal a luta contra a corrupção. Bandeira que ficaria desmascarada, se o impeachment fosse conduzido por alguém visto como corrupto por setores da própria direita. Isto ficou claro nas manifestações de dezembro de 2015: a direita ficou na defensiva e dividiu-se.
Assim, tirar Cunha da presidência da Câmara é necessário para o xadrez da direita; não por coincidência, um lance importante neste sentido foi dado, pouco antes deles darem outros dois lances: o vazamento das preliminares da delação premiada de Delcídio e o sequestro de Lula. Lances que visam atingir, de maneira coordenada, a presidenta da República e o presidenciável do PT para 2018.
Noutras palavras: o movimento conservador está promovendo uma escalada e está cada vez mais próximo de seus objetivos. Mas, como as vezes acontece neste tipo de situação, quem está muito perto de vencer também pode estar muito perto de perder.
A repercussão política do sequestro de Lula não foi aquilo que a direita esperava. A reação da militância em todo o país e o impacto popular mostram que haverá uma grande resistência ao golpe por antecipação (pois eles estão querendo impedir a esquerda de concorrer, ou pelo menos concorrer com chances de vitória, em 2018).
A direita domina os principais meios de comunicação de massa e domina o fundamental do aparato de Estado. A presidenta Dilma está neutralizada, como ficou claro no discurso em que ela manifesta “inconformismo” com ações que foram praticadas por funcionários públicos que supostamente estão sob seu comando.
Mas a reação de Lula, do PT e da esquerda obriga a direita a disputar novamente as ruas e, talvez, ser obrigada a lançar mão de outros expedientes. A Globo, por exemplo, está açulando as forças armadas.
Para usar uma expressão que não é minha, estamos assistindo uma “venezuelização” da política brasileira, por iniciativa dos radicais da direita. Os temores acerca do que isto significaria (lembrai-vos de 1954) fazem com que setores da direita fiquem na dúvida acerca da condução política que está sendo dada por Moro e seus templários.
Embora o grande empresariado tenha comemorado (vide as bolsas) o sequestro de Lula, muitos se perguntam se não seria melhor deixar que a presidenta Dilma Rousseff vá até o fim, até porque ela está implementando o ajuste fiscal, está defendendo a reforma da previdência, está retomando as privatizações, o desemprego está aumentando muito, o que reduz salários... sendo assim, para que correr riscos?
Mas aí outro setor lembra que também é arriscado deixar Lula livre e o PT solto, pois como ocorreu em 2006, a esquerda pode apesar de tudo vencer as eleições presidenciais de 2018.
Resumo da ópera: há uma radicalização que tende a se aprofundar. E no limite quem vai decidir esta parada é quem tiver mais base social, iniciativa política e disposição de ir até o fim.
Em que medida o cenário político do Brasil de hoje revela os limites do atual sistema de representação?

Num sistema capitalista, a “representação” é imperfeita por definição. Os teóricos neoliberais sabem disto e por isto mesmo defendem, desde os tempos do liberalismo clássico no século XIX até os prenúncios neoliberais nos anos 1970, uma democracia restrita.

Em alguns casos conseguiram fazer isto mediante dispositivos legais, como acontece nos EUA. Na maioria dos casos, entretanto, a restrição é feita mediante a combinação entre financiamento empresarial e ditadura comunicacional.

No caso brasileiro, há algumas particularidades. Nos anos 1980, a crise econômica e social foi acompanhada de um crescimento das liberdades democráticas. Os conservadores conseguiram impedir que a Constituição de 1988 refletisse isto: vide a desproporcionalidade na composição da Câmara e o papel revisor do Senado. Mesmo assim, o PT quase ganhou as eleições de 1989.

Como reação a este susto tomado pelas elites, durante os anos 1990 foram feitos ajustes importantes no sistema eleitoral e político, entre os quais a consolidação do financiamento empresarial e o crescimento da influência da mídia.

A política brasileira foi americanizada ao extremo, o que não impediu, mas retardou a vitória do PT e fez esta vitória ser acompanhada de “salvaguardas” diversas (as privatizações, a autonomia de fato do Banco Central, as agências, a maioria conservadora nas casas legislativas etc.).

O problema, inclusive para um setor das elites, é que isto criou um sistema político eleitoral cada vez mais corrupto, cada vez mais clientelista, cada vez mais paroquial.

Se o Brasil fosse um país tranquilo, sem grandes problemas, isto não seria grave. Mas a situação é outra: os problemas do país são imensos, a situação internacional os agrava, e o conjunto da obra exige soluções para as quais são necessários instrumentos e força política. E nosso sistema político eleitoral, assim como nosso aparato de Estado, não estão à altura disto.

Para ficar mais claro: o “sistema de representação” que temos não representa adequadamente a população brasileira. Mas a crise política não resulta disto. A crise política resulta de que temos um sistema político (e um Estado) que não é “perfeito” para aquilo que a elite quer fazer contra o povo, nem muito menos é adequado para fazer aquilo que o povo precisa fazer contra a elite.

É por isto que entre os setores populares cresce a percepção de que é preciso outro tipo de Estado e também por isso a defesa de uma Constituinte; é a solução democrática para uma crise política e institucional de envergadura.

Já as elites não querem solução democrática. Por isto praticam a judicialização da política, a partidarização da justiça, a criminalização dos movimentos sociais, o fortalecimento do conservadorismo ideológico, tudo para reforçar a blindagem do Estado contra os setores populares.

Como compreender as questões de fundo que estão no bojo da crise política e do desgaste pelo qual passa o governo petista?  Quais as reações dentro do partido?

A crise política estaria ocorrendo em qualquer caso, pois ela tem origem na ofensiva da direita. Mas a forma assumida pela crise política está vinculada, principalmente, a atitude que a presidenta Dilma adotou frente a ofensiva da direita.

A presidenta parece acreditar que vai deter a ofensiva política da direita, fazendo concessões econômicas ao grande capital. Só que ela não foi eleita pelos defensores do programa do Aécio. Ao aplicar um programa conservador, ela desagrada sua base social e eleitoral, tornando mais fácil o caminho para a direita política, que pretende fazer o impeachment, destruir o PT e prender Lula.

Uma questão adicional é entender por quais motivos a presidenta Dilma converteu-se em defensora do ajuste fiscal, logo ela que durante os dois governos Lula foi fundamental no combate às posições de Antonio Palocci.

Há várias hipóteses a respeito. A causa fundamental, em nossa opinião, é política.

A tradição política e ideológica em que ela foi formada (o nacional-estatismo) deposita todas as suas fichas na ação do Estado como “promotor do desenvolvimento”, supostamente acima dos conflitos sociais. Quando o Estado tem recursos, o nacional-estatismo exibe imenso vigor. Mas quando o Estado esgota seus recursos, o nacional-estatismo enfrenta um impasse: para recuperar a capacidade de investimento, é preciso escolher entre taxar os ricos ou sangrar os pobres. E não há como taxar os ricos e, ao mesmo tempo, conciliar com eles.

Acontece que a presidenta Dilma, como aliás grande parte do PT e da esquerda brasileira, segue prisioneira da estratégia da conciliação. Esta estratégia deu resultados positivos, quando o capitalismo internacional oferecia condições adequadas para isto e enquanto os capitalistas aqui instalados conseguiam compatibilizar pequenas concessões feitas à classe trabalhadora com os imensos lucros com que estão acostumados. Hoje, a situação mudou. E também por isso a estratégia da esquerda precisa mudar.

Em entrevista concedida à IHU On-Line no fim do ano passado, o senhor destacava uma "contraofensiva reacionária" como questão central da crise política. Como responder a essa contraofensiva para além do atual sistema polarizador, que coloca esquerda X direita, empresariado X trabalhador, burguesia X operariado?

Não vejo como. Existe uma parcela da sociedade que acha que a crise é produto da polarização política. A verdade é o contrário: a crise política é produto da polarização social. E a polarização social resulta da dinâmica econômica da nossa sociedade, de seus impasses estruturais.

A polarização esquerda versus direita, PT versus PSDB, não é artificial. Ela vem sendo afirmada desde 1994 e corresponde a conflitos de fundo que existem na sociedade brasileira.

Aliás, é gozado: as pessoas acham que a polarização petistas versus tucanos é artificial e desagradável, mas acham normalíssima a “eterna” polarização entre republicanos e democratas...

Os grupos políticos que tentam escapar da polarização (como PSOL, Marina, PMDB) acabam sendo arrastados de volta para ela, sendo obrigados a se aliar, de fato ou de direito, com um dos pólos da disputa.

Claro, se a contraofensiva reacionária for até o final, o PT pode ser destruído. Este é o sonho dos tucanos, fazer com o PT algo similar ao que os EUA conseguiram fazer com a URSS, ao que fizeram com o Partido Comunista Italiano etc.

Mas mesmo que eles tenham êxito, ainda assim vão continuar existindo esquerda e direita, expressando no âmbito da política a polarização entre trabalhadores e empresários. Numa sociedade divida em classes, falar contra o sistema polarizador em geral é útil apenas para quem defende a classe dominante, que pode se dar ao luxo de defender seus interesses egoístas ao tempo que finge estar defendendo, supostamente, os interesses gerais.

Qual é o peso das mudanças na política econômica-social do governo petista no atual estado de crise? O que está em questão e, consequentemente em crise, é um projeto político econômico ou civilizacional?

Hoje, o governo não está conseguindo proteger os trabalhadores da crise e, pior, está adotando ou deixando adotar medidas que aprofundam os efeitos da crise sobre a classe trabalhadora.

Se isto não mudar imediatamente, será cada vez mais difícil convocar os trabalhadores para defender as liberdades democráticas e lutar contra o golpismo. E se tornará cada vez mais difícil manter a esquerda como alternativa de governo.

Também por isto, o Diretório Nacional do PT aprovou, no dia 26 de fevereiro de 2016, uma proposta de política econômica alternativa.

A reação furiosa da direita contra esta proposta mostra que ela vai no rumo certo.

A reação do ministro da Fazenda Nelson Barbosa às propostas feitas pelo Diretório Nacional do PT foi de indiferença irritada.

Aliás, o senhor Barbosa está se demonstrando mais nocivo ao país, do que foi seu antecessor Joaquim Levy. 

A insistência no ajuste fiscal de longo prazo, na reforma da previdência e em outras concessões aos mercados – entre as quais a retomada de fato das privatizações – está tendo como consequência desmontar tudo o que de positivo fizemos desde 2003.

Recomendo a todos que leiam o documento aprovado pela direção do PT. Sinteticamente, o documento diz que a forma de sair da crise é dobrar a aposta feita no segundo mandato de Lula. Mais mercado interno, mais integração regional, mais recursos para a classe trabalhadora, mais planejamento e ação do Estado, mais desenvolvimento.

Evidente que, embora sigam no rumo certo, falta muita coisa às propostas aprovadas pela direção nacional do PT.

Por exemplo, faltam: a) uma análise crítica da primeira etapa do governo Lula, quando predominou a política social-liberal de Palocci; b) uma ênfase e consequência maiores no combate aos oligopólios em geral e ao oligopólio financeiro em particular; c) uma compreensão mais precisa do papel da (re)industrialização como decisiva para o sucesso de uma alternativa democrático-popular e socialista; d) a afirmação clara de que um novo governo petista não pode ser (e não será, mesmo que quiséssemos) uma repetição do que foi  feito no segundo mandato de Lula.

“Dobrar a aposta” significa não apenas fazer mais: implica em fazer diferente, implica em fazer reformas estruturais, implica em enfrentar os oligopólios.

Portanto, não acho que o problema que enfrentamos no Brasil seja “civilizacional”, salvo no seguinte sentido: a volta do neoliberalismo duro e seco é uma catástrofe social, é a barbárie.

É possível afirmar que as estratégias do PT – e de seu governo - de aproximação às lógicas do capital e do atual jogo político, em nome da governabilidade, distanciaram-o dos princípios da esquerda? Justifique.

Na minha opinião, a questão está invertida. As concessões ao programa do capital não foram feitas em nome da governabilidade. É o contrário.

O problema principal não é a governabilidade, nem as lógicas do jogo político.

Estas lógicas e a “teoria” da governabilidade prevaleceram, porque elas eram (e seguem sendo) uma decorrência lógica de determinados objetivos programáticos, de determinadas diretrizes estratégicas, de determinadas alianças de classe.

Não devemos ser contra a governabilidade em si. Precisamos de uma governabilidade que nos permita aplicar um programa de reformas estruturais. E por isto não podemos nos fiar em alianças com os inimigos destas reformas.

Para retomar o crescimento com ampliação dos direitos sociais, da democracia e da soberania nacional, é preciso fazer o grande capital pagar a conta, e isto implica em abandonar a estratégia da conciliação.

A presidenta Dilma venceu as últimas eleições presidenciais defendendo o legado do período 2003-2014. Reeleita, tornou-se prisioneira de um aspecto deste legado: a conciliação de classe. Desde 2011, a conciliação não resulta mais em bônus para as classes trabalhadoras.

A esquerda brasileira está convocada a mudar de estratégia. É preciso derrotar os que insistem em defender, explícita ou implicitamente, a estratégia de conciliação, que nas condições atuais conduz a capitular frente ao programa social-liberal.

Você me pergunta se isto distanciou o PT dos “princípios da esquerda”. Esta pergunta só admite uma resposta. Mas qual a decorrência que se tira desta resposta?

Eu acho que os partidos reais, compostos por gente de verdade, que atuam em condições concretas, não são perfeitos, não acertam sempre.

Por isto, estou mais preocupado em saber o seguinte: de todos os caminhos e alternativas possíveis, o PT continua sendo um instrumento útil para a classe trabalhadora? O Brasil estaria melhor ou estaria pior, se o PT e o petismo deixassem de existir.

Basta olhar a maravilhosa reação contra o sequestro de Lula para perceber o valor da militância e do enraizamento que o petismo tem nos setores populares.

O fato é que o petismo tem imensas debilidades, mas tem imensas qualidades. Alias, se não fosse assim, a direita não estaria tentando nos destruir.

Pode ser que o petismo seja derrotado? Pode. Há grandes riscos disto ocorrer? Sim. Mas as consequências disto seriam tão profundas, tão danosas, que eu considero que nosso dever, como militantes de esquerda, consiste em fazer absolutamente tudo o que estiver ao nosso alcance para que o PT sobreviva.

Em que medida a esquerda brasileira entende o momento político-social atual? O espaço aberto à "contraofensiva" não é efeito justamente da (in)compreensão do governo com relação aos novos atores sociais?

Eu não acho que o problema esteja no terreno da “incompreensão” entre “atores”, nem acho que o problema seja com os “novos” atores. Aliás, só haverá solução positiva se os “velhos” atores, como os sindicatos, jogarem papel decisivo.

Existe uma divergência política de fundo entre a política do governo e as grandes e “velhas” organizações da esquerda brasileira, a começar pelo PT e pela CUT.

O governo está aplicando uma política econômica que prejudica e deixa prejudicar a classe trabalhadora. É isto que abre grande espaço para a contraofensiva da direita, pois a base social e eleitoral da esquerda tem cada vez menos motivos para defender o governo.

A presidenta Dilma Rousseff ouve pouco os movimentos sociais? Ouve pouco a esquerda? Sim, claro. Mas o problema não está em ouvir, nem está em compreender. Não é uma questão de diálogo, mas de força: se a presidenta não mudar o rumo da política econômica, ela arrastará para o fundo toda a esquerda, partidos e movimentos incluídos.

Arrastará inclusive setores da esquerda (como o PSOL e setores do PSTU) que são contra o governo de tal forma que, em diversos momentos, se convertem em linha auxiliar da direita.

Voce me pergunta se a esquerda brasileira entende o momento político-social atual. Depende da esquerda.

Existe um setor social-liberal, que é forte no governo. Existe um setor de ultra-esquerda, que acha que todos os demais são inimigos. Mas o que mais me interessa discutir é o setor ainda hoje majoritário da esquerda brasileira, que acreditou que “chegaríamos lá” sem rupturas com o grande capital, através de uma estratégia reformista lenta, segura e gradual, estratégia que alguém já denominou de melhorismo.

Esta crença, baseada por sua vez numa crítica mal realizada tanto das tentativas de construção do socialismo realizadas no século XXI, quanto das tradições de esquerda pré-1980, ajudou bastante a nos enfiar na crise atual.

Espero que este pedaço da esquerda faça um balanço crítico e autocrítico e adote outra estratégia.

Parte dessa crise política que o governo vem vivendo pode ser debitada da promessa de reforma política prometida por Dilma no calor das manifestações de 2013, mas logo depois abandonada? Por quê?

Eu não diria debitada. A crise não é produto da ausência de reforma política, nem da tibieza com que o governo agiu nesta questão, primeiro propondo, depois recuando.

Mas é evidente que uma reforma política nos ajudaria a enfrentar a crise em melhores condições.

Por isto, aliás, que a direita fez de tudo para impedir a reforma. Que continua sendo necessária. Mas para isto precisamos deter a ofensiva da direita, recuperar a iniciativa, mudar a política econômica, vencer as eleições de 2018...

Como radicalizar o conceito de democracia no mundo de hoje e fugir das armadilhas de uma democracia restritiva? O que dá sustentação à democracia restritiva?

O que dá sustentação à democracia restrita é a força do Capital, que investe em grandes aparatos de poder, construídos e continuamente reforçados há décadas.

Um dos aspectos mais destacados da contraofensiva conservadora é, exatamente, sua imensa potência cultural, seja pela radicalidade na defesa de ideias racistas, homofóbicas, machistas, antidemocráticas, conservadoras, fascistas, entreguistas, seja pela profunda penetração em todo o território nacional, em todas as camadas da população.

Esta potência cultural foi construída e é mantida por três grandes aparatos: a indústria de comunicação, a indústria cultural e a indústria educacional.

Hoje, setores importantes das elites aprofundam sua opção por uma visão de mundo conservadora, num fenômeno que recorda, sob vários aspectos, o que ocorreu na Europa nos anos 1920 e 1930.

Os clássicos da esquerda já diziam que o componente cultural-ideológico é parte fundamental da disputa política e não deve ser subestimado.

Se os clássicos perceberam isso já no século XIX, espera-se que as atuais gerações, vivendo numa época atravessada pela internet, pela televisão, pelo cinema e pelo rádio, fossem capazes não apenas de manter, mas também de aprofundar esta visão.

Como sabemos, não foi esta a postura majoritária na esquerda brasileira. Embora o discurso apontasse naquele sentido, as vezes inclusive de maneira deslumbrada com as novas tecnologias, a prática oscilou entre o pontual, o imobilismo e a rendição.

Ações meritórias, mas pontuais, oásis num deserto controlado pelas indústrias do inimigo. Imobilismo frente aos grandes temas, frente aos quais nada se fez. Rendição frente as práticas, aos costumes e aos créditos do inimigo, como se vê no fomento à indústria educacional privada e no subsídio publicitário à indústria comunicacional privada.

Frente a tudo isto, nosso problema não se limita a radicalizar o “conceito”, ou fugir das “armadilhas”. Isto pode e deve ser feito no âmbito do debate de ideias.

Mas no âmbito da prática, precisamos é implementar ações práticas de democratização da política, da cultura, da educação, da comunicação, do trabalho, da família etc.

No fundo, o que está em jogo no futuro da política brasileira? Qual deve ser o futuro do PT e da esquerda nacional? Que perspectivas se abrem?

Depende do que está ocorrendo nestes dias, semanas e meses.

Se a direita vencer, se conseguirem fazer o impeachment, cassar a legenda do PT e interditarem Lula, eles vão implementar seus três objetivos estratégicos: a) realinhar o Brasil aos Estados Unidos, afastando-nos da integração regional e dos BRICS; b) reduzir substancialmente a remuneração direta e indireta da classe trabalhadora, visando assim ampliar ao máximo a rentabilidade do capital; c) diminuir o exercício das liberdades democráticas pelos setores populares, para poder implementar o neoliberalismo versão 2.0.

Se conseguirmos derrota-los e se vencermos as eleições 2018, teremos que aplicar o programa oposto: a) integração regional e BRICS; b) ampliar a força econômica e social da classe trabalhadora; c) ampliar as liberdades, para poder ter a força necessária para implementar o programa democrático, popular e socialista.

No primeiro cenário, de derrota, a esquerda vai passar um bom período na defensiva, até se reorganizar. Em que bases, é difícil dizer hoje, até porque não seria algo fácil nem tranquilo.

No segundo cenário, de vitória, a reorganização também será necessária, mas tendo o petismo como elemento estruturante. Obviamente, eu trabalho por este segundo cenário.

Em que medida uma articulação como a da "frente de esquerda" dá conta de pensar uma nova forma de representatividade (como no caso das escolas de São Paulo em que a voz dos estudantes se fez ouvir pela mobilização horizontal e não pela ação de uma forma representativa como a UNE)?

Não acho que devamos construir uma frente apenas de esquerda.

Acho que devemos construir a Frente Brasil Popular, dirigida pelos setores de esquerda, mas que incorpora setores democráticos e populares que não defendem o socialismo, mas defendem as reformas estruturais, os direitos sociais, as liberdades democráticas, a integração regional.

Aliás, foi graças a existência da Frente Brasil Popular que conseguimos ter algumas vitórias parciais neste período tão duro.

A Frente Brasil Popular deve fazer um esforço para capilarizar-se, para incorporar todos os movimentos sociais e inclusive setores da população que querem ter militância, mas não querem filiar-se a um partido ou organização social específica.

E a Frente Brasil Popular deve fazer um esforço imenso para incorporar os jovens trabalhadores e filhos de trabalhadores. Embora isto não seja uma tarefa principalmente da Frente enquanto tal, mas sim das organizações que integram a Frente.

A mobilização dos secundaristas de São Paulo mostrou que existe um imenso potencial de luta na juventude. Mas para que este potencial tenha continuidade, não basta horizontalidade. Isto é uma ilusão autonomista, que volta e meia reaparece, mas que sempre a realidade demonstra ser uma ilusão. Sem organizações nacionais fortes, enraizadas na base, nenhum movimento consegue derrotar a direita, o capital e o oligopólio da mídia.

Por isto, nada contra a UNE e a Ubes, pelo contrário. Quero que a UNE e a Ubes consigam criar raízes em todas as escolas. Evidentemente, para isto é preciso mudança no funcionamento e na linha política destas entidades.

Deseja acrescentar algo?

A contraofensiva da direita tem grande impacto na esquerda. A massa dos militantes quer reagir, quer lutar e cobra das direções que faça o mesmo e cumpra seu dever: oferecer uma linha política e dar diretrizes claras sobre o que fazer.

Nas direções, há diferentes posturas. Organizações esquerdistas dividem-se entre os que apoiam a mobilização popular contra o golpe e aqueles que preferem fazer coro, explicita ou implicitamente, ao discurso da direita acerca do envolvimento dos petistas com casos de corrupção.

Na Frente Brasil Popular, com destaque para a Central Única dos Trabalhadores, percebe-se vontade e capacidade de reação.

Aliás, os fatos demonstram o acerto que foi construir a Frente Brasil Popular e o erro daqueles que insistem em dividir forças e gastar energias na construção de outro tipo de frente, mais estreita e mais confusa politicamente.

A direção do Partido dos Trabalhadores, por sua vez, não está conseguindo corresponder às necessidades.

Isto ocorre por diversos motivos: em parte por ser alvo direto de grande parte dos ataques, em parte por debilidade de sua direção nacional, mas principalmente devido aos erros políticos acumulados por um setor do Partido que insiste em manter uma estratégia superada pela vida.

Na ausência de uma direção à altura dos fatos, abre-se caminho para a confusão, com direito a manifestações múltiplas e variadas de desânimo, derrotismo, desmoralização, recriminações mútuas e traições.

Frente a esta situação, é preciso manter a cabeça fria, produzir análises consistentes, construir atividades e instrumentos unitários, oferecer pontos de referência prática e teórica para quem estiver disposto a combater a direita, o oligopólio da mídia, o grande capital, o imperialismo.

A contraofensiva da direita é poderosa, mas não é onipotente. Eles podem vir a nos derrotar, mas não nos derrotaram. O esforço para desmoralizar, julgar e prender Lula é um dos muitos sinais disto.

Enquanto setores da esquerda (inclusive do próprio PT) dão o Partido como destruído ou pelo menos neutralizado eleitoralmente, o comportamento hegemônico na direita é outro: continuam considerando Lula e o PT como forte alternativa eleitoral para 2018.

Portanto, ainda existem condições para deter a contraofensiva conservadora e criar as condições para retomar nossa ofensiva. No curto prazo, atingir estes objetivos exige alterar a estratégia da esquerda, mudar a política do governo, reconquistar o apoio da classe trabalhadora, mobilizar as forças populares e vencer as eleições de 2018.

Ao mesmo tempo, o Partido dos Trabalhadores, a esquerda brasileira e o campo democrático-popular estão chamados a construir uma estratégia que não se limite às disputas eleitorais. 

Enfim, vamos ter muito trabalho pela frente. Mas temos tudo para vencer, desde que, é claro, a gente consiga mudar de estratégia, consiga errar menos e consiga ter um pouquinho de sorte.


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