sexta-feira, 19 de abril de 2013

Exposição feita no seminário do Partido Socialista de Chile

O Partido Socialista de Chile e o Instituto Igualdad realizaram, no dia 18 de abril de 2013, um seminário internacional denominado "Nuevos caminos y desafios para la izquierda y el progresismo en América Latina". O seminário foi realizado no Hotel Plaza San Francisco, em Santiago do Chile. Do Brasíl estávamos Luis Soares Dulci e este que vos escreve.

Participei do painel sobre "Popular y nacional: la izquierda y los nuevos movimientos sociales en América Latina", ao lado de Mônica Xavier (senadora e presidente da Frente Amplio do Uruguay), Isabel Allende (senadora e vice-presidente do PS Chile), Santiago Flores (deputado e dirigente da Frente Farabundo Martí de El Salvador). A coordenação do painel foi de Carola Riveros, vice-presidenta da Mulher do Partido Socialista de Chile.

O que segue é a versão completa e revisada do que falei no seminário. Completa, porque incluo trechos que tive que cortar da exposição oral, para poder caber no tempo estabelecido pelos organizadores. Revisada, pois não é uma reprodução literal do que foi falado e transmitido ao vivo pela página do PS de Chile.

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Boa tarde.

Agradeço o convite.

A experiência do Partido Socialista de Chile e do governo da Unidade Popular do Chile são muito importantes, tanto para o Partido dos Trabalhadores quanto para o Foro de São Paulo.

O Partido Socialista de Chile faz parte do Foro de São Paulo. E mantém um antiga relação com o Partido dos Trabalhadores.

Pessoalmente, estou convencido de que muitos dos problemas essenciais que enfrentamos hoje, na América Latina e Caribe, foram antecipados pela experiência da Unidade Popular.

Mais que isto: o Chile foi um "laboratório" noutros aspectos, da ditadura, do neoliberalismo, das democracias restritas, dos êxitos e problemas das coalizões de centro-esquerda.

Por isto, considero fundamental debater a experiência chilena, tema que desenvolvo num dos artigos da coletânea publicada pelo PT, com artigos sobre a nossa política de relações internacionais.

Agora vou tratar do tema proposto pelos organizadores: "Popular y nacional: la izquierda y los nuevos movimientos sociales en América Latina".

Falarei em caráter pessoal.

E vou adotar o mesmo procedimento adotado pelo senador Camilo Escalona, no primeiro painel, ou seja, principiarei criticando os "interrogantes" que foram propostos pelos organizadores deste seminário. 

O primeiro interrogante diz assim: "como es y como debe ser la relacion de la izquierda con el mundo social".

Penso que é mais adequado falar da relação entre partidos e movimentos, entre luta social e institucionalidade.

Não se trata de uma questão de termos, de palavras.

Para nós, não faz sentido contrapor esquerda e mundo social, entendido por isto movimentos sociais.

Temos no Brasil uma esquerda que é e quer continuar sendo político-social.

Sobre isto, uma "anedota": uma companheira foi a um seminário convocado pelo PSOE, que ocorreu simultaneamente a grandes manifestações de rua contra as políticas austeritárias. Para espanto da companheira, próceres do PP e também do PSOE questionaram os parlamentares de esquerda que se somaram a estas manifestações, porque na opiniões deles o papel dos partidos é parlamentar.

A verdade é que nós não compartilhamos a visão social-democrata clássica, do século XIX, que estabelecia uma separação demasiado escolástica entre luta econômica e luta política, assim como diferenciava de maneira demasiado absoluta os papéis do partido e do sindicato. É preciso ver como continuum o que se via como estanque. E é preciso entender que as organizações assumem diferentes papéis, em diferentes momentos.

Por isto, embora existam entre nós tanto o administrativismo quanto o movimentismo, estas duas correntes (que alguns classificam como parte de uma espécie de neoliberalismo de esquerda) têm dificuldade de se consolidar teóricamente. Ou seja: mesmo os que praticam estas posturas não conseguem sustentá-las no plano da teoria.

O segundo interrogante proposto pelos organizadores do seminário diz assim: "como disenar mecanismos eficientes y eficaces para la participación y incorporación de los movimientos sociales en el proceso democrático".

Nós não falaríamos isto.

Falaríamos de participação popular no Estado, controle social sobre o Estado, de dar conteúdo real, social, à democracia formal.

Não falaríamos de "incorporar" os movimentos sociais no "processo democrático".

Para nós, os movimentos sociais são parte fundamental do processo democrático.

E a vida institucional não é "o" processo democrático, mas sim parte do processo democrático.

A democracia não se expressa apenas na institucionalidade.

Existe e deve ser considerada a legitimidade democrática das ruas, a democracia direta e a democracia participativa.

Um dos problemas postos para nós, portanto, é como democratizar, através da luta social, da democracia direta e participativa, a vida institucional.

Claro que esta visão tem que ver com nossa história.

Em 513 anos, tivemos 389 de monarquia, 36 de ditadura, 45 de democracia eleitoral muito restrita. Só a partir de 1989 vivemos uma democracia eleitoral mais ampla e foi neste período que, em meros 13 anos, chegamos à presidência da República.

Mas não chegamos por causa das instituições, mas em grande medida apesar delas. O que nos levou a vencer a presidência foi a combinação de luta social, luta institucional, construção partidária e disputa político-cultural na sociedade. Mais, é claro, a crise e o desgaste político dos neoliberais brasileiros, encabeçados pelo Partido da Social-Democracia brasileira.

Com tudo isto, não quero dizer que tenhamos, no Brasil, uma única visão, nem tampouco uma visão teórica clara acerca destes temas.

Como já foi dito aquilo pelo Dulci, predomina em alguns setores da esquerda brasileira uma tradição empirista.

Mas esta tradição, que num certo momento foi útil e essencial para avançarmos, hoje atrapalha nosso avanço. Precisamos de teoria, de mais e melhor teoria.

Temos um déficit teórico em três terrenos fundamentais: na análise do capitalismo do século XXI; no debate sobre as experiência socialistas/social-democratas/nacional-desenvolvimentistas do século XX; e no debate sobre a estratégia.

E falar de estratégia é falar de Estado e de classes sociais, que são exatamente os temas que precisamos tratar neste painel sobre  "Popular y nacional: la izquierda y los nuevos movimientos sociales en América Latina".

Para complicar, aconteceram mudanças importantes no Brasil, nas últimas duas décadas; e na última década, em parte por conta de nossos êxitos, reapareceram problemas velhos e surgiram problemas novos.

A seguir vou sumariar alguns destes problemas.

Primeiro, uma mudança geracional que tem efeitos políticos: para parte crescente da população brasileira, nós, nosso partido, nossa esquerda, nosso governo, fazem parte do passado.

Enquanto isto, na própria esquerda, contraditóriamente, há um envelhecimento prematuro: novos quadros surgem já envelhecidos e burocratizados.

Segundo, uma mudança sociológica: a elevação da capacidade de consumo gerou, não uma nova "classe média" como equivocadamente se diz, mas sim uma nova fração da classe trabalhadora.

Uma fração que é majoritariamente conservadora, muito suscetível à influência da direita, sem a experiência de luta da antiga classe trabalhadora.

Mas atenção: coisas parecidas se diziam, também, da classe trabalhadora brasileira dos anos 70. Um importante sociólogo de então dizia que os metalúrgicos seriam a melhor expressão do conservadorismo predominante na classe trabalhadora de então. Mas logo depois começaram as greves no ABC e o resto da história voces conhecem...

Ironicamente, se não tomarmos as devidas medidas, algo desta natureza pode ocorrer contra nós, não a nosso favor. Aliás, a direita sindical e religiosa está se dedicando fortemente a organizar esta nova fração da classe trabalhadora.

Terceiro: ainda vivemos no Brasil um prolongado refluxo das lutas sociais.

Tivemos um pico nos anos 1980. Depois um descenso nos anos 1990, por conta do neoliberalismo. Depois acontece algo curioso na década de governo encabeçado pelo PT: as melhorias sociais foram produto, principalmente, das lutas do passado, não das lutas do presente.

Por outro lado, surgiram novas lutas e demandas, que não são adequadamente canalizadas pelas organizações da esquerda.

Quarto: o que foi descrito anteriormente gera um processo lento e defeituoso de "reposição de estoques".

No exato momento em que precisamos de mais quadros, pois temos que dar conta, simultaneamente, das "velhas" e das novas tarefas, neste exato momento o processo político-social gera menos quadros e, pior, gera um tipo específico de quadros, mais institucionalizado e menos ligado às lutas sociais.

O que gera um desequilíbrio na nossa estratégia, que previa combinar luta social e institucional, o que por sua vez supõe uma distribuição adequada de quadros em cada tarefa.

A isto se agrega a dificuldade gerada pelo pouco investimento em formação política, somada a um processo mais amplo, a saber, a deformação política de massas gerada pelos meios de comunicação, pela indústria cultural, pelo aparato educacional e pelas igrejas conservadoras.

Quinto: a isto tudo se soma uma nova situação política. Antes articulávamos partido e movimento, na luta contra governo e Estado. Hoje temos que articular partido, movimento e governo, na luta contra Estado e direita.

Ou, se quisermos complexificar, temos que articular partidos e movimentos e governos, no plural; e lutamos também contra parcelas de governos que, embora encabeçados por nós. são controlados pela direita, que conta com partidos e também movimentos sociais.

Neste ponto da exposição, eu gostaria de deixar claro que discordo da visão exposta por Camilo Escalona, acerca da alternância como variável fundamental.

Explico: uma coisa é defender modelos políticos em que a alternância seja possível, em que a minoria possa se converter em maioria.

Outra coisa é estar preparado para a alternância, para sermos derrotados, para atuarmos na oposição e não achamos que estaremos eternamente no governo.

Agora, uma terceira coisa, completamente distinta e errada, é achar positiva a alternância entre esquerda e direita.

Não quero que a direita governe, nem que volte a governar nenhum país da América Latina e não consigo entender que isto possa ser considerado, sob qualquer aspecto, como algo positivo.

Vale a pena observar como procede a burguesia: ela admite a alternância de diferentes partidos no governo, não apenas quando estes partidos aceitam sua hegemonia, mas principalmente porque controla o Estado.

Nosso problema é de natureza distinta: nós não controlamos o Estado. Se o controlássemos, a alternância entre partidos de esquerda não seria nenhum problema. E mesmo uma eventual chegada da direita ao governo não seria um completo desastre.

Isto que acabo de falar nos remete para outro ponto, a saber: é preciso levar em conta e valorizar a pluralidade na própria esquerda. Alguns dos que criticam as teorias de "partido único", têm ao mesmo tempo muita dificuldade de lidar com a pluralidade na própria esquerda.

Seja como for, o tema é: temos que mudar o Estado, mudar sua natureza, não apenas sua forma.

E para isto temos que entender a disputa de espaços no aparelho de Estado, como parte de uma tarefa mais ampla, que é disputar a direção global da sociedade. E precisamos lembrar que, no tocante ao Estado, a disputa fundamental não é por espaços, mas sim por aproveitar estes espaços para alterar a natureza do Estado.

Sexto ponto, que decorre do falado anteriormente: precisamos desmontar os mecanismos profundos que protegem os interesses da classe dominante, entre os quais: a influência do dinheiro na política; a estrutura judicial dedicada a defender os interesses dos poderosos; a violência sistemática, tema que inclui o velho debate sobre as forças armadas, mas que inclui outros aspectos, como a segurança pública; e a articulação entre meios de comunicação, indústria cultural e aparatos educacionais.

Sétimo ponto, também decorrente do anterior: é preciso constituir uma cultura de massas, não apenas progressista, mas de esquerda.

O uso abusivo do termo "progressista" é, na minha opinião, uma concessão indevida e anacrônica.

Quero os progressistas ao nosso lado, mas o que existe de mais progressista no mundo é a esquerda e o que precisamos é reconstituir uma cultura de massas de esquerda, em torno da igualdade, da democracia e do internacionalismo, devidamente articulado com a defesa da soberania nacional.

Neste ponto, aproveito para dizer que concordo com Camilo Escalona no seguinte: não há "modelos".

Temos diferentes esquerdas e diferentes estratégias nacionais. Mas é preciso construir uma estratégia continental, articulada em torno da integração. Pois sem integração, nenhuma das nossas estratégias terá êxito. Salvo, é claro, os que defendem submeter-se aos interesses dos Estados Unidos, aí incluídas suas políticas de "livre comércio" e seus tratados inspirados na Alca.

Nossa cultura de massas de esquerda deve revalorizar a política. Mas não a política em geral. Devemos valorizar a nossa política, que deve ser uma política plebéia, baseada na idéia de que a sociedade deve governar a si mesma, portanto que política não é profissão.

Aliás, esta idéia da política como profissão, como carreira, é um dos grandes obstáculos que enfrentramos na relação com a juventude e com os setores populares em geral. Muitos quadros da esquerda abandonaram a visão de revolucionário profissional e aderiram a idéia do político profissional. Ou seja, aderiram a idéia de que a política é um labor privativo de um grupo especial apartado da sociedade.

Oitavo ponto: nesta situação que estamos, precisamos de mais e melhor articulação entre luta social e luta institucional.

Não se trata apenas, como foi dito aqui, de "escutar" os movimentos; nem se trata apenas de "estimular dirigentes dos movimentos a virar parlamentares".

A questão é de outra natureza: trata-se de entender que uma estratégia de esquerda precisa atuar dentro e fora do Estado, precisa combinar os diferentes aspectos e formas da luta político-social da classe trabalhadora.

Aqui é preciso recuperar aquela noção de partido no "amplo" da palavra, bem como a idéia de que o partido deve ser um organizador e educador da sociedade para sua transformação; e recusar a visão de partido como organização técnico-administrativa-burocrática que tem como objetivo exclusivo conquistar nacos, espaços de poder no aparato de Estado.

Como o tempo acabou, convido a que todos leiam o livreto de artigos sobre a política internacional do PT; convido, também, a que participem do XIX Encontro do Foro de São Paulo, de 31 de julho a 4 de agosto de 2013, desta vez na cidade de São Paulo, Brasil.

A esse respeito, quero dizer ao Camilo Escalona --que segundo entendi propôs criar uma articulação internacional dos "socialistas democráticos"-- o mesmo que disse a um amigo que de maneira simétrica propôs articular os "socialistas revolucionários".

Eu disse algo como: cada um pode e deve fazer o que achar certo fazer, mas mantenhamos as pontes e evitemos a cristalização de famílias contrapostas tal como existe na Europa. O Foro de São Paulo é uma destas pontes, reunindo todas as famílias da esquerda latinoamericana. E é esta unidade na diversidade que nos fez chegar até aqui, melhor do que está a esquerda em outras regiões do mundo.

Pessoalmente, acho que os que continuam sonhando com organizações internacionais ideológicamente homogêneas não entendem direito o que vem ocorrendo desde 1998 e tampouco entendem a natureza do período estratégico em que estamos.

Por fim: diferente do que foi dito por alguém no primeiro painel deste seminário, eu não acho que o neoliberalismo "bate em retirada".

Pelo contrário: eles estão numa brutal ofensiva, como se vê na Europa e nas ações dos Estados Unidos e mesmo no que está ocorrendo na Venezuela e no Paraguay.

O que mudou, em relação à época de Thatcher, é que naquele momento a maior parte da classe trabalhadora e das esquerdas perdeu a segurança de que o futuro seria nosso.

Hoje, pelo contrário, a maior parte de nós voltou a perceber que só poderá existir futuro para a humanidade graças a nós, graças à esquerda.

Muito obrigado.
 



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