O texto abaixo foi escrito no final de 2005. Mas segue atual, sob vários aspectos.
A eleição da nova direção do PT já vai longe. Escrevi a respeito o texto “O futuro do PT” (www.valterpomar.com.br). O balanço do PED ainda vai nos preocupar algum tempo. Mas o assunto da hora é outro: como derrotar a direita interna e externa ao governo. Noutras palavras: como mudar a política econômica, como mobilizar a sociedade, como preparar nossa vitória nas eleições de 2006.
Tratei destes e de outros assuntos num artigo intitulado “Cinco desafios para o PT” (www.pt.org.br), desafios que resumo da seguinte forma:
1.Recuperar sua capacidade de criticar, polarizar e construir uma alternativa democrática, popular e socialista às idéias neoliberais, ao militarismo norte-americano e à hegemonia do capital financeiro;
2.Retomar o debate estratégico, sobre qual o papel que a “luta social” e a “disputa eleitoral” ocupam, na luta pelo socialismo, no atual período histórico;
3.Reconstruir as relações orgânicas, políticas e ideológicas entre o PT e as classes trabalhadoras, em suas várias expressões políticas e sociais, especialmente aquelas que romperam ou se afastaram do Partido no último período. Reconstrução que deve ser feita “a quente”, ou seja, no contexto da própria organização e mobilização;
4.Adotar as medidas preventivas e corretivas necessárias, para suportar o ambiente contaminado da “política institucional”;
5.Compreender e equacionar a relação entre “petismo” e “lulismo”.
Estava ocupado com estes assuntos quando descobri, no Portal Popular (www.portalpopular.org.br), um artigo cujo título era o seguinte: “A candidatura Valter Pomar revelou-se uma inequívoca traição à esquerda”.
Assinado por Fábio Luís e datado de 19 de outubro [de 2005], este artigo é todo dedicado a me enxovalhar, como diriam os antigos. Fui atrás do assunto e descobri que o texto, com outro título, fora também publicado no Correio da Cidadania. Ao pesquisar, descobri também o texto de Juliano Medeiros, intitulado “Erros, equívocos ou má fé?”, publicado na edição 471 do CC, de 22 a 29 de outubro.
Confesso que vacilei em responder, pois este tipo de debate não costuma ser muito produtivo e o assunto já não tem a urgência típica dos assuntos que tratamos em artigos de jornal. Mas como considero que “traição” é um crime grave, “má fé” ficando logo atrás, achei melhor não deixar barato.
Fábio Luís começa seu artigo dizendo que “Valter Pomar não é um político cujo nome transcenda a esfera interna do PT, embora neste âmbito tenha projeção”. Acho que ele está certo, embora não entenda porque ele me denomina como “político”. Não somos todos “políticos”? Um revolucionário profissional não é um “político”? Ou ele está querendo, com isso, introduzir uma desqualificação sutil?
Ainda segundo Fábio Luís, “as candidaturas de Valter Pomar e Raul Pont apoiaram-se, sobretudo, na fatia da máquina partidária que comandam – a sua tendência, assim como o menos expressivo Marcus Sokol. Entretanto, Valter diferenciou-se dos companheiros da esquerda do partido por pactuar com o Campo, aceitando, inclusive, apoio eleitoral da sua máfia em São Paulo, que lhe assegurou votos da maneira mais primitiva que a nossa política conhece”.
Sou forçado a lembrar, neste ponto, que o “Campo” era majoritário exatamente porque recebeu 52% a 55% dos votos na eleição realizada em 2001. Portanto, se a esquerda do PT queria tornar-se majoritária, ela tinha que convencer parte dos eleitores do “Campo” a votar nas candidaturas de oposição.
Este convencimento foi feito publicamente, através do debate que todos acompanharam; foi feito, também, através do diálogo com os dirigentes partidários que, fazendo ou não parte do “Campo”, apoiaram de 2001 até o início de 2005, as posições deste grupo.
Todas as candidaturas oposicionistas fizeram estes dois movimentos (disputar as bases e dialogar com as lideranças). Especificamente da minha parte, não houve “pacto” algum: houve apenas a reafirmação de alguns compromissos que já faziam parte da plataforma que vinha apresentando, enquanto candidato.
Por exemplo: caso eleito presidente, seria porta-voz do Diretório Nacional do PT. Ou então: caso eleito presidente, trabalharia pela convocação do III Congresso do PT, em 2007, seguindo de novas eleições para direção, com base nas novas regras aprovadas pelo Congresso.
Os leitores julguem se há, nisto, algum “pacto”, no sentido depreciativo que esta palavra carrega. Quanto aos votos da “máfia”, insisto que Fábio Luís deveria detalhar seus argumentos, tanto para que os acusados possam defender-se, quanto para verificarmos se as relações políticas e sociais que Fábio Luís denomina de “mafiosas” não são, na verdade, típicas de muitas bases populares, notadamente as religiosas, cujo voto supostamente “industrial” irrigou todas as candidaturas.
Embora seja um assumido radical, Fábio Luís confessa, sem perceber a contradição, que suas observações a esse respeito são baseadas nos “cronistas políticos da grande imprensa”, cujos analistas “em geral néscios” indicaram que eu me apresentava como um “plano B”, “palatável ao Campo Majoritário”.
Fábio Luís assume, também, não ter “como provar todos os movimentos alinhados ao Campo Majoritário do candidato”, mas mesmo assim tem convicção que “a candidatura Valter Pomar revelou-se uma inequívoca traição à esquerda”.
Eu não sei se Fábio Luís tem idéia do peso desta palavra. Traidor é quem entrega seus companheiros para a repressão. Traidor é quem rompe com o socialismo e passa a defender o capitalismo. Traidor é quem rouba os recursos de sua organização. Traidor é quem fornece, ao inimigo, os meios para destruir sua própria classe.
Um traidor é um inimigo. É incompreensível, portanto, que Fábio Luís diga, logo em seguida, ter por mim “imenso respeito” e “uma sincera gratidão pessoal”. Ou que confesse admirar minhas “qualidades como analista e orador”. Ou que eu seja um “precioso quadro político formado na esquerda”. Fábio Luís chega ao ridículo de dizer que “certamente” gostaria que eu, um traidor, estivesse no seu “time”.
Disto só posso concluir que Fábio Luís não sabe do que está falando. Não tem a menor idéia do que seja um traidor. A questão é: esta irresponsabilidade com as palavras se estende também ao restante do raciocínio de Fábio Luís?
O fato é que acusar a intenção dos outros não é, nem nunca foi, argumento. Dizer que alguém comete um erro é diferente de acusar alguém de “má fé”, exatamente porque no segundo caso estamos duvidando dos propósitos envolvidos.
Fala agora do artigo de Juliano Medeiros, escrito a pretexto de comentar textos em que Emir Sader, Flávio Aguiar, Julian Rodrigues e este escrevinhador criticam a atitude de parte da esquerda petista, que saiu do Partido entre o primeiro e o segundo turno do PED.
Como Fábio Luís, Juliano Medeiros apela para a desqualificação sutil, ao dizer que Emir, “diferente de Valter, Julian e tantos outros, teria a autoridade de quem não vive da luta política”. Curioso: o que é “viver da luta política”? Ser dirigente profissionalizado do MST, da CUT, da UNE, do PT, do PSTU é “viver da luta política”? Isso tira a “autoridade” dos nossos argumentos? Ser professor, jornalista, publicitário, pós-graduando ou o que seja confere “autoridade” para determinadas idéias? A origem social de um autor indica se suas idéias são verdadeiras ou mentirosas?
Seja como for, nada melhor do que ler o texto de Juliano Medeiros e confrontá-lo com o resultado da eleição do presidente nacional do PT: Ricardo Berzoini teve 113 mil votos, Raul Pont teve 106 mil votos. Logo, o candidato do “Campo” ganhou do candidato da “esquerda” por menos de 10 mil votos.
Ricardo Berzoini teve menos votos no segundo turno, do que no primeiro turno. Já Raul Pont cresceu em cerca de 60 mil votos. É impossível não constatar que os votos e o apoio integral da chapa Esperança Militante, encabeçada por Plínio de Arruda Sampaio, poderiam ter feito a diferença no resultado final.
Mas, segundo Juliano, Plínio saiu porque não estavam dadas as pré-condições para ficar. E quais pré-condições eram estas? “Se houvesse maioria no Diretório Nacional, se isto demonstrasse a possibilidade de resgatar o PT para um programa Democrático-Popular”.
Dizem que a prática é o critério da verdade. Juliano faz mil e uma contas para “provar” que o “Campo” segue majoritário na composição do Diretório Nacional do PT. Mas se é assim, por qual motivo o “Campo” teve que ceder na composição da executiva nacional do Partido, entregando pelo menos três secretarias estratégicas que estavam sob seu controle: geral, organização e relações internacionais?
Se Juliano Medeiros dissesse que as idéias do “Campo” seguem hegemônicas, eu concordaria. Mas estão enfraquecidas, porque mais do que idéias, o “Campo” tinha a seu favor a força. E essa força, hoje, é menor. E seria ainda menor, não tivesse ocorrido a saída de uma parte da esquerda, afetando não a composição Diretório, mas sua correlação de forças político-ideológica.
Juliano Medeiros reconhece que “a esquerda socialista está diante de uma verdadeira ‘argentinização’, por conta da grande chance de ocorrer uma fragmentação comparável só à ocorrida durante a Ditadura Militar”.
Acontece que esta fragmentação é produto tanto das opções feitas pelo “Campo”, desde 1995, quanto das opções feitas pelas forças de esquerda e de ultra-esquerda que defendem reorganizar o bloco democrático e popular, mas “sem” ou até “contra” o PT.
Mesmo que não seja esta sua intenção, os que apostam em reorganizar o bloco democrático e popular “sem” ou “contra” o PT, acabam contribuindo para a fragmentação de toda esquerda brasileira (vide as propostas de divisão da CUT e da UNE).
Pois o enfraquecimento do PT agrava a disputa de hegemonia no campo democrático e popular. Como nenhuma força tem capacidade, agora ou no médio prazo, de ocupar o lugar do PT, restam duas alternativas: ou a fragmentação da esquerda ou a reconstrução do PT, esforço no qual estou empenhado.
Esses são os problemas de fundo. Para enfrentá-los, melhor deixar os “traidores” e a “má-fé” fora do debate.
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