quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Análise e caricatura

A Câmara dos Deputados deliberou, no dia 10 de dezembro, sobre os mandatos de Carla Zambelli e de Glauber Braga.

O mandato de Zambelli, criminosa contumaz, foi mantido.

O mandato de Braga, perseguido por se opor a Arthur Lira, foi suspenso por 6 meses.

Vitória parcial do povo.

A depender do que ocorra nos casos de Ramagem e Eduardo Bolsonaro, vitória muito parcial.

Mas tendo em vista a correlação de forças existente na Câmara, era esperado que a direita preservasse os seus.

O ponto fora da curva foi termos conseguido evitar a cassação de Glauber Braga.

Portanto, embora parcial, inclusive porque ocorreu a suspensão, o resultado está sendo comemorado por toda a esquerda.

Mas além de comemorar, é preciso analisar o ocorrido. Até porque está aberta, em todo o país, uma verdadeira temporada de caça contra mandatos de esquerda, especialmente mulheres, jovens, negros e negras.

Evidentemente, análises há de todos os tipos, gostos e sabores.

Entre elas, a de Gilberto Maringoni, que reproduzo ao final.

Maringoni diz que Braga "obteve magnífica vitória contra a direita e a extrema-direita".

Diz que essa vitória só foi obtida porque Glauber teria "se negado a recuar e a negociar antes da hora".

Cita duas ações de Glauber: a greve de fome e a ocupação da cadeira da presidência da Câmara.

Maringoni reconhece que, na época, considerou que a greve de fome seria um "gesto impensado".

Talvez movido pelo erro de avaliação cometido ali atrás, Maringoni agora torça o bastão para o outro lado, ou seja, debite o resultado (suspensão, ao invés de cassação) apenas na conta do que Glauber fez ou deixou de fazer.

Glauber, sem dúvida, merece aplausos pela combatividade e pela resistência. Mas o resultado da votação teve outros ingredientes, que uma análise séria precisa levar em conta.

Um dos ingredientes, como é óbvio, é o fato da direita levar em conta o "enorme impacto na opinião pública" que teria, por exemplo, cassar Glauber e manter Zambelli. 

Outro ingrediente, que Maringoni cita, é que a "esquerda e o progressismo se unificaram, embora sejam minoritários nas duas casas legislativas".

Um terceiro é a tese - muito defendida pela extrema-direita e direita, na forma extrema da blindagem - segundo a qual a cassação não deve ser banalizada. Tese que eles usam para defender bandidos, não prerrogativas parlamentares.

Maringoni registra que não aconteceram "mobilizações de massa nas exíguas 48 horas entre o anúncio da entrada da matéria em pauta e sua votação", mas "o impacto midiático pode ter feito a reação recuar". 

E nesse ponto introduz a seguinte frase: "Nas condições atuais e diante da omissão do presidente da República, a suspensão foi uma vitória e tanto".

A obsessão de Maringoni em carimbar Lula de forma negativa o leva a cometer esta avaliação.

Primeiro, vamos nos entender: não cabe ao Presidente da República se intrometer oficial, formal e publicamente em processos internos da Câmara.

Segundo, vamos nos entender também: alguém acha mesmo que o resultado teria sido esse, se do ponto de vista político Lula não estivesse de acordo em preservar o mandato de Glauber?

(Como me disse um amigo, depois de ter lido este texto: basta ver o que disse e fez Guimarães, o líder do governo, durante a sessão da cassação, para saber qual foi a posição do governo e de Lula, a saber, defender Glauber.)

Maringoni termina seu texto afirmando que com o resultado - a suspensão de Glauber - "desaba espetacularmente um dos mantras do lulismo, que serve de justificativa para todo tipo de hesitação e recuo: acabou a conversa fiada da "correlação de forças" como dado da natureza!"

De fato há pessoas - inclusive no atual partido de Maringoni, o PSOL - que pensam que a correlação de forças é um dado da natureza.

Mas Lula já demonstrou inúmeras vezes que não é partidário dessa tese. Tivemos exemplos recentes disso. 

O que ocorre muitas vezes é que Lula faz escolhas, como qualquer um, acerca de que brigas comprar. E faz concessões, com as quais podemos não concordar (muitos heróis de Maringoni, como Vargas e Stálin por exemplo, fizeram inúmeras "concessões "intragáveis).

Nesse caso particular, Lula teve lado. Maringoni não quer ver, porque ele - embora tenha citado Lênin no final de seu texto - esqueceu que o velho russo dizia ser necessário análise concreta da situação concreta.

Se ele tivesse feito isso, não correria o risco de - daqui há alguns meses - ter que fazer autocrítica, como fez em seu texto acerca da greve de fome de Glauber.

Fora isto, viva Glauber, Glauber fica!


Segue abaixo o texto comentado acima


SÓ É AMPLO QUEM É RADICAL

Gilberto Maringoni


1. GLAUBER BRAGA SÓ OBTEVE a magnífica vitória contra a direita e a extrema-direita, amplamente majoritárias no Congresso, por ter se negado a recuar e a negociar antes da hora. Vamos lembrar: ao ser condenado a perder o mandato em decisão da Comissão de Constituição e Justiça, em abril deste ano, o parlamentar iniciou uma greve de fome de nove dias. O gesto, tido como impensado por muita gente – inclusive por este que escreve -, alterou prazos do processo, com enorme impacto na opinião pública. 


2. ÀS VÉSPERAS DA VOTAÇÃO em plenário, na terça (9), sob o risco de perder o mandato, o parlamentar partiu para outra ousadia: tomou a cadeira da presidência da Câmara por pouco mais de uma hora. Hugo Motta titubeou e, num gesto de soberba e ignorância, chamou a polícia legislativa, que retirou Glauber com truculência, expulsou a imprensa do plenário e cortou o sinal da TV Câmara. Em aliança tácita com as big techs, os perfis de várias lideranças de esquerda foram apagados dos buscadores de redes sociais. Motta mostrou o muque, num gesto amadorístico que corroeu sua imagem. O estúpido foi além e comandou a inglória batalha da anistia, agora sob o pomposo neologismo de "dosimetria". 


3. O COMANDO TROGLODITA do novo golpe parlamentar – Motta, Lira, Alcolumbre etc. - amanheceu na quarta (10), o dia da "cassa", sujo como pau de galinheiro diante da opinião pública. A esquerda e o progressismo se unificaram, embora sejam minoritários nas duas casas legislativas.


4. A PARTIR DAÍ, A NEGOCIAÇÃO de PSOL, PT, PCdoB e outros setores partidários com Hugo Motta foi feita a quente. Ou seja, de forma distinta ao toma-lá-dá-cá palaciano e na surdina que marca as tratativas do governo Lula com o Congresso. Embora não tenha havido mobilizações de massa nas exíguas 48 horas entre o anúncio da entrada da matéria em pauta e sua votação, o impacto midiático pode ter feito a reação recuar. Foi nessas condições que se chegou à punição da pena de seis meses, sem perda de mandato. Nas condições atuais e diante da omissão do presidente da República, a suspensão foi uma vitória e tanto.


5. A CASSAÇÃO DE GLAUBER – uma vingança pessoal de Arthur Lira diante das denúncias do orçamento secreto feitas pelo psolista – mostrou-se nada interessantes para setores da direita e da extrema-direita. A intervenção de Zé Trovão (PL-SC) foi eloquente: “Quem foi eleito por milhares de pessoas não pode ser cassado por alguns deputados. Se for assim, hoje é Glauber e amanhã é qualquer um de nós”. A banalização da perda de mandatos assusta quem pode ter telhado de vidro. A métrica valeu para Carla Zambelli (PL-SP)


6. A POSSÍVEL DERROTA do parlamentar de esquerda – quase certa na terça - gorou na quarta. Desaba espetacularmente um dos mantras do lulismo, que serve de justificativa para todo tipo de hesitação e recuo: acabou a conversa fiada da "correlação de forças" como dado da natureza! E Glauber Braga e seus apoiadores mostraram que, diante de um inimigo mais forte, não se dilui a própria posição com concessões inexplicáveis. Ao contrário. Vale sempre lembrar da frase atribuída a Lênin, “Só é amplo quem e radical”. A esquerda foi ambos nessa quarta-feira nervosa.


Gilberto Maringoni

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Comentário sobre uma postagem

Conheci César Benjamin, creio, no Instituto Cajamar, quando ele participou de um programa de formação voltado a dirigentes partidários. Depois, participamos da Articulação de Esquerda, da qual ele saiu ao romper com o PT, em 1995. Posteriormente, César se engajou na Consulta Popular, até sair desta organização para assumir a condição de candidato à vice-presidente na chapa encabeçada por Heloísa Helena em 2006. Quem quiser mais detalhes, pode ler aqui:

https://valterpomar.blogspot.com/2014/07/texto-de-2006-sobre-surpreendente.html?m=1

Anos depois, em 2009, César foi protagonista de uma história bizarra, para não dizer outra coisa, que está parcialmente relatada aqui: https://vermelho.org.br/2009/12/06/ombudsman-e-leitores-condenam-folha-por-estupro-de-lula/

Depois disso, só voltei a ter muita notícia de César quando ele foi secretário de educação de Marcelo Crivella, função da qual foi exonerado em julho de 2018. Finalmente, em novembro de 2024 encontrei César pessoalmente no lançamento de um livro de Xi Jinping. Aliás, registro que minha melhor recordação a respeito dele são os livros que produz na editora Contraponto, sempre muito bem editados.

Tendo em vista a trajetória acima resumida, não me espantou ler em seu perfil no Facebook um texto profundamente pessimista, cuja íntegra reproduzo ao final. 

Apesar do conteúdo, o texto de César tem a qualidade de expor um ponto de vista bastante disseminado em certa parcela da esquerda, motivo pelo qual decidi fazer os comentários que seguem.

César começa seu texto dizendo que tem “evitado perder tempo com o debate político brasileiro da atualidade”. E termina afirmando o seguinte: “Não me peçam uma solução, que não vejo. Saí do PT em 1995, dizendo exatamente o que digo agora, e permaneci até há pouco tempo buscando um caminho. Perdi sempre. Lamento que a história tenha me dado razão”.

Não concordo que César diga agora, em 2025, “exatamente” o que dizia em 1995. 

Entendo perfeitamente a necessidade de acreditar que sempre se esteve do lado certo da história. Mas como demonstram sua passagem pela Consulta e pelo PSOL, naquela época César não havia desistido de “buscar um caminho”, nem considerava perda de tempo “o debate político brasileiro da atualidade”.

Acrescento que, mesmo discordando das posições de César,  acho simplesmente terrível que um quadro que se considera pertencente à esquerda pense, escreva e publique algo tão derrotista.

César diz que “o Brasil vive uma longa fase de degeneração sem transformação, cujo final ainda não podemos ver”. De fato, desde o final dos anos 1970 até hoje o Brasil vem sendo empurrado para o passado, ou seja, para a condição de subpotência primário exportadora, paraíso do capital financeiro e, por óbvio, um dos países mais desiguais do planeta. A única maneira de interromper esta “degeneração” é com “transformação”, com rupturas, com mudanças revolucionárias. E isso até agora não ocorreu.

Admitindo que seja esta a situação, a pergunta é: o que fazer diante disso? César responde o seguinte: “A minha geração perdeu e uma nova não amadureceu. Isso afeta grandemente a qualidade dos debates.”

Realmente, o nível dos debates políticos e ideológicos está mais baixo hoje do que era há 30 anos. Mas a questão principal não está na “qualidade dos debates”, mas sim na baixa intensidade das lutas promovidas pelas classes trabalhadoras. Baixa intensidade em termos quantitativos e em termos qualitativos, ou seja, quantos lutam e pelo que lutam. É isso que afeta e explica, em boa medida, a “qualidade dos debates”.

Supondo que isso seja verdade, o que fazer? Há várias alternativas, algumas que considero erradas e outras que considero inaceitáveis. Uma das que tenho como inaceitáveis é, exatamente, a enunciada por César: “[evitar] perder tempo com o debate político brasileiro da atualidade” e deixar de buscar “um caminho”.

César acha “inútil debater” com o que ele chama de “lulistas”, “pois estão entrincheirados em uma posição inexpugnável: Lula é o que temos, a alternativa é pior. Têm razão nesse ponto, se perdermos de vista a política como um processo.”

É bastante curioso que César faça esta crítica ao que ele chama de lulistas. Afinal, ao mesmo tempo que afirma que o PT “caminha para terminar seus dias com o slogan de Margareth Tatcher” - “não há alternativa” - César afirma que olhando a política “como um processo”, ele não consegue enxergar uma alternativa. Ou seja: o que vai acontecer com o PT está por definir, mas a posição de César já está definida: quando olha a situação e o “processo”, não vê “solução” - ou seja, não vê alternativa. Portanto, poderíamos dizer ser ele e não o PT quem “caminha para terminar seus dias com o slogan de Margareth Tatcher”.

Da crítica aos “lulistas”, César passa sem mediações à crítica ao PT. Como César, eu também conheci o PT nos anos 1980. Mas diferente de César, eu lembro que no PT da época havia posições muito diferentes acerca de absolutamente tudo. Portanto, não é fato que o conjunto do Partido se considerasse “revolucionário”, muito menos que se considerasse “o único partido revolucionário”, nem tampouco que houvesse uma única definição acerca do que significava ser revolucionário, ou socialista.

Talvez, ao falar do caráter revolucionário do PT nos seus primórdios, César esteja se referindo à expectativa que ele e muitos de nós tínhamos em relação ao PT. Mas o PT realmente existente nunca foi exatamente isso, nunca foi somente isso. Portanto não podemos julgar o papel histórico PT a partir da frustração de nossas expectativas.

Também segundo César, “o tempo passou, e o PT se transformou no exato oposto do que anunciava ser. Tendo rompido com sua origem, mas sem compreender essa ruptura, não sabe mais o que é. Pois não pode assumir que se transformou em um partido da ordem. Apresenta-se como eternamente aprisionado pela ‘correlação de forças’.”

Acho genial resumir quatro décadas assim: “o tempo passou”. 

Nesse “tempo que passou”, a União Soviética acabou, o neoliberalismo triunfou, a socialdemocracia europeia foi se transformando em social-liberal e neoliberal, as sociedades desenvolvimentistas e as antigas colônias viveram processos regressivos, os Estados Unidos entraram em modo imperial unilateral, o neoliberalismo entrou em crise, a China ascendeu, a extrema-direita ganhou espaço etc etc.

Também nesse “tempo que passou”, aqui na América Latina tivemos um ciclo neoliberal, um ciclo de governos progressistas e de esquerda, um ciclo de golpes ultraliberais, uma tentativa de retomada do ciclo progressista e novas vitórias da extrema-direita.

Foram tantos acontecimentos nesses 45 anos, que o surpreendente não é que o PT tenha mudado. O surpreendente é que, apesar de todas as mudanças que sofreu desde 1989 e até hoje, o PT segue sendo um dos polos da política brasileira, expressando no plano político-eleitoral a posição da esmagadora maioria dos trabalhadores com consciência de classe.

César, quando fala que o PT rompeu com sua origem, está se referindo – creio eu – àquele “PT revolucionário” que ele acredita ter existido e que ele considera não existir mais. Do meu lado, reconhecendo (e combatendo) as mudanças negativas, eu comemoro o fato de que – mesmo tendo se moderado brutalmente – o PT conseguiu manter e ampliar sua condição de representante político-eleitoral dos trabalhadores com consciência de classe.

Detalhe: César subestima os petistas. Existem dentro do Partido setores que compreendem perfeitamente que houve uma mudança na orientação política do Partido. Alguns compreendem e apoiam esta mudança; outros compreendem e combatem esta mudança. 

Quando setores do PT apoiam políticas moderadas ou de direita, não se trata de ignorância de quem não “compreende essa ruptura”, atitude de quem “não sabe mais o que é”. Quando setores do PT apoiam o social-liberalismo ou coisa pior, o fazem por análise, por opção. Errada, mas consciente. 

A questão é: isso teria transformado o PT “em um partido da ordem”? César acha que sim. Acontece que a classe dominante acha que não. E, cá entre nós, quando se trata de discutir este tema, eu prefiro tomar a classe dominante como parâmetro.

Aliás, um dos grandes erros cometidos pelos que defendem a social-democratização do PT – sua conversão num partido da ordem capitalista – é não perceber que no Brasil não existe espaço para uma “verdadeira” social-democracia, entre outros motivos porque o Brasil não é um país imperialista e, portanto, nossa classe dominante não tem como “comprar a paz social” dentro do país, usando para isso recursos capturados na periferia do mundo. 

Nós estamos na periferia do mundo, portanto a opção por adaptar nosso Partido à ordem levaria à destruição do Partido, não à sua transformação em “partido da ordem”.

César afirma que o PT “apresenta-se como eternamente aprisionado pela ‘correlação de forças’.” Isto é parcialmente correto. Parcialmente porque nem sempre foi ou é assim. Parcialmente, porque há setores do PT que não pensam nem agem assim. E, ainda, porque há outros setores da esquerda brasileira capturados pela mesma lógica.

César vai além: diz que Lula e o PT seriam “integrantes orgânicos desse sistema, construtores e suportes dele, que só se fortaleceu nos vinte últimos anos. Pois o PT nos governa despolitizando e desmobilizando, ou seja, enfraquecendo o povo.”

Nos “vinte últimos anos” significa desde 2005 até hoje. A escolha da data é curiosa, pois foi exatamente em 2005 que o “sistema” quase destruiu o PT. E o “sistema” tentou novamente destruir o PT entre 2016 e 2018. E repetiu a tentativa durante o governo Bolsonaro. E está tentando de novo agora. 

Isto posto, convenhamos: se o PT fosse mesmo integrante orgânico, construtor e suporte do “sistema”, por qual motivo a classe dominante seguiria lutando para domesticar, derrotar e destruir o PT? Veja: não se pode negar que haja algum grau de integração à ordem, até porque não se atua numa sociedade - mesmo contra ela - sem ao mesmo tempo ser parte dela. O problema está em, digamos, determinar o grau desta integração.

César diz que o PT “nos governa”  – quem dera fosse verdade que tivéssemos o Partido a governar – “despolitizando”, “desmobilizando” e “enfraquecendo” o povo. Admitamos que há elementos de verdade nessa afirmação, como se pode constatar contrastando os 60 milhões de votos de Lula com os pouco mais de 8 milhões de sindicalizados no país inteiro, mostrando que não temos conseguido convencer o trabalhador que vota em nós acerca da necessidade de se organizar e mobilizar.

Outra prova de que há elementos de verdade na afirmação de César é o fato do percentual de votos válidos nas candidaturas presidenciais petistas vir decaindo, assim como tem caído nossa votação em outros terrenos.

Mas existe o outro lado da moeda: se o PT não existisse, como estaríamos? Quem teria imposto limites às políticas neoliberais? Quem teria derrotado a extrema-direita em 2022? Quem expressaria no plano político-eleitoral e noutros terrenos a posição da maior parte das classes trabalhadoras com consciência de classe?

A rigor, se observamos de onde veio o voto petista nas últimas eleições, o que percebemos é o contrário do que César diz: afinal, a existência do PT tem sido um fator de politização, de fortalecimento e de mobilização para amplas parcelas do povo brasileiro.

Há motivos para ficar insatisfeito e muito preocupado? Sim, claro que há. 

Fiz campanha para o PT pela primeira vez em 1982 e desde então acompanho ativamente o Partido. E tenho todos os motivos do mundo para dizer que, se não mudarmos de estratégia, corremos riscos gravíssimos no curto prazo. 

O que César afirma é algo diferente: ele diz que não quer perder tempo com o debate político brasileiro da atualidade, depois desanca o PT e em seguida reafirma que não vê “solução”. Compreensível: como ele considera o PT perdido, para ele mudar os rumos do PT não constitui uma solução. E como - sem o PT - não há como derrotar a direita no curto prazo, o problema posto não tem resposta.

César cobre Lula de acusações, entre as quais a de “obter ganhos passageiros na pequena política, que é a que lhe interessa, em troca de impulsionar a degeneração cumulativa da vida política do Brasil.” E vai além: acusa Lula de ser “o principal construtor” da “correlação de forças”. 

Quem dera isso fosse verdade. Mas infelizmente não é: existe o governo Trump, existe a classe dominante brasileira, existe a direita tradicional, o Centrão, a extrema-direita, existem os meios de comunicação etc.

Não sou lulista, seja lá o que isso for. Nem sou adepto das posições atualmente majoritárias no PT. Mas os que defendem estas posições, na sua ampla maioria, mesmo errados estão tentando fazer alguma coisa. Já César, como ele próprio diz, não está mais buscando um caminho. Agindo assim, com base no que César pode criticar aqueles que - supostamente ou de fato - não “desafiam a correlação de forças”??

Um último comentário sobre o texto de César: há muitas maneiras de “desmoralizar a militância de esquerda”. Não fazer a defesa firme da Palestina e da Venezuela seria uma delas. Mas outra maneira de desmoralizar a esquerda consiste em produzir diagnósticos que levam as pessoas a concluir que nossos problemas não teriam “solução”. Mesmo quando vem embalada em grandiloquência, a impotência não é alternativa.


Segue abaixo o texto citado de César Benjamin

Meus amigos sabem que tenho evitado perder tempo com o debate político brasileiro da atualidade. Creio que o Brasil vive uma longa fase de degeneração sem transformação, cujo final ainda não podemos ver. A minha geração perdeu e uma nova não amadureceu. Isso afeta grandemente a qualidade dos debates.

Bolsonaristas e integrantes do chamado Centrão são lixo. Não digo isso dos lulistas, que são a maioria dos meus amigos. Afetos importam. Mesmo com eles, porém, acho inútil debater. Pois estão entrincheirados em uma posição inexpugnável: Lula é o que temos, a alternativa é pior. Têm razão nesse ponto, se perdermos de vista a política como um processo.

A evolução do PT é curiosa. Quando surgiu e, depois, quando ainda era jovem considerava-se o único partido revolucionário. Vivi essa fase. O antigo PCB era reformista, expressão muito pejorativa na época. O trabalhismo era burguês. A socialdemocracia era conciliadora. O sindicalismo tradicional era pelego. Para fazer a revolução era preciso jogar fora todo o passado.

O tempo passou, e o PT se transformou no exato oposto do que anunciava ser. Tendo rompido com sua origem, mas sem compreender essa ruptura, não sabe mais o que é. Pois não pode assumir que se transformou em um partido da ordem. Apresenta-se como eternamente aprisionado pela “correlação de forças”.

Lula seria uma espécie de Dom Quixote em luta permanente contra as deformações do sistema político brasileiro, enfrentando os maus. Quando, na verdade, ele e o PT são integrantes orgânicos desse sistema, construtores e suportes dele, que só se fortaleceu nos vinte últimos anos. Pois o PT nos governa despolitizando e desmobilizando, ou seja, enfraquecendo o povo.

A “correlação de forças” não surge do nada. Quando Lula entrega 1.200 estações de rádio e TV aos grupos pentecostais, quando doa ministérios e bancos estatais ao Centrão, quando aceita o chamado orçamento secreto etc etc ele está construindo a correlação de forças. Quando desmoraliza a militância de esquerda, idem. Em cada caso, obtém ganhos passageiros na pequena política, que é a que lhe interessa, em troca de impulsionar a degeneração cumulativa da vida política do Brasil.

Com a direita forte e a esquerda fraca, só nos resta – dizem – apoiar o próprio Lula, em nome de uma correlação de forças da qual ele mesmo tem sido o principal construtor. Ele joga esse jogo conscientemente. Há muito perdeu completamente o respeito por uma esquerda que se deixa aprisionar nessa armadilha.

Aquele partido que se considerava o mais revolucionário do Brasil caminha para terminar seus dias com o slogan de Margareth Tatcher: “não há alternativa”. Mesmo se vier a se alinhar abertamente com a invasão da Venezuela – não está longe disso –, os lulistas o apoiarão.

Os líderes transformadores, mesmo quando não revolucionários, são os que desafiam a correlação de forças. Foi assim, agindo contra a correlação de forças, que criamos o PT há mais de 40 anos.

Não me peçam uma solução, que não vejo. Saí do PT em 1995, dizendo exatamente o que digo agora, e permaneci até há pouco tempo buscando um caminho. Perdi sempre. Lamento que a história tenha me dado razão.

 

 

O golpismo segue vivo e forte

Para quem acreditava que a prisão de Bolsonaro "virou a página do golpe", os acontecimentos dos últimos dias, especialmente o ocorrido nesta madrugada de 9 para 10 de dezembro, demonstram exatamente o contrário: está em curso uma operação que, com Trump, com Motta, com Alcolumbre, com cavernícolas, com Tarcísio, "com tudo", tem como objetivo derrotar a esquerda nas eleições presidenciais de 2026.

Ainda não são totalmente conhecidos os detalhes, mas tudo indica que a votação da "anistia-disfarçada-de-dosimetria" faz parte das negociações entre o Centrão e os cavernícolas. Mais uma vez Hugo Motta mostrou, aos que acreditavam que ele seria uma "novidade na política", seu total alinhamento com os métodos e com o conteúdo do que há de pior na política brasileira.

A operação para tirar Glauber Braga da mesa diretora da Câmara contrasta totalmente com a atitude adotada quando a extrema-direita ocupou o mesmo lugar, há pouco tempo. Chama a atenção o fato de Motta ter mandado cortar o sinal da TV Câmara, expulsar os jornalistas do recinto e autorizar agressão ampla, geral e irrestrita contra parlamentares que, legitimamente, trabalharam para proteger Glauber da violência. 

Lembrando que o disparador da situação é a tentativa de cassar Glauber, não por chutar alguém, mas sim pelo que disse e fez contra o "imperador" Arthur Lira. Enquanto isso, Zambelli, Eduardo e Ramagem seguem usufruindo de direitos que ofendem o bom senso, para não dizer outra coisa. Entre muitas outras coisas, Eduardo é um assumido e contumaz traidor da pátria; já Ramagem fugiu para o exterior carregando consigo segredos de Estado. 

Por falar em exterior, há evidências fortíssimas de que, enquanto rolava a agressão e a votação, perfis de petistas nas redes sociais tiveram seu alcance propositalmente diminuído. A esse respeito, ou fazemos algo radical, ou estas empresas estrangeiras que controlam as redes podem fraudar a eleição de 2026.

O ocorrido na Câmara, por grotesca ironia coincidindo com o dia internacional dos direitos humanos, está em total sintonia com a escalada de ameaças, agressões e processos contra parlamentares de esquerda (especialmente mulheres, jovens, negras e negros) em todo o país. Sem falar da recente decisão da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que por maioria de votos - inclusive de uma parlamentar que precisa ser punida pelo partido ao qual pertence - revogou a prisão de Rodrigo Bacellar.

Mesmo que no tocante a "anistia-disfarçada-de-dosimetria" ainda que se possa fazer alguma redução de dano no Senado, o conjunto da obra é evidente: a maioria de direita do Congresso nacional, parte da qual segue ocupando generoso espaço no governo federal, deflagrou uma ofensiva para socorrer os golpistas e o golpismo. E isso faz parte de uma operação maior, cujo objetivo também é evidente: ganhar as eleições 2026, do jeito e da forma que for preciso.

As pesquisas seguem apontando Lula como favorito. Mas as mesmas pesquisas mostram que a avaliação do governo não chega a ser confortável e que o lado de lá, caso consiga se unificar no segundo turno, tem condições de disputar para valer.

Por tudo isso e mais um pouco, a hora é de guarda alta, mobilização permanente e polarização. O que inclui demitir os quinta-coluna que seguem no governo e enterrar bem fundo o "espírito de conciliação acima de tudo e acima de todos", que segue presente em algumas pessoas que, na noite de 9 de dezembro, acharam mais importante criticar a atitude de Glauber do que denunciar a gravidade inaudita da ofensiva golpista. 

Por fim, mas não menos importante, viva as e os parlamentares petistas que defenderam, política e fisicamente, Glauber contra a brutalidade da polícia legislativa. O que já está em curso e o que ainda virá pela frente exigirá de nós unidade, política certa e coragem. Muita coragem. 



 

sábado, 6 de dezembro de 2025

Comissão de ética para o senhor Washington

 Ao companheiro Henrique Fontana

Cc companheiro Edinho


Venho por meio desta solicitar instalação de comissão de ética contra o filiado Washington Quaquá, vice-presidente nacional do PT e prefeito de Maricá (RJ), por conta de suas declarações acerca da denominada Operação Contenção, realizada nos complexos do Alemão e da Penha, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em decorrência da qual morreram ao menos 122 pessoas, das quais 4 policiais. 

As referidas declarações do senhor Washington foram amplamente difundidas pela imprensa e estão disponíveis por exemplo na gravação do Seminário “O PT e a Segurança Pública”, promovido pela Fundação Perseu Abramo,

Entre outras coisas, o senhor Washington disse ser “óbvio que a polícia do Rio, o Bope, só matou ali otário, vagabundo, bandido”. Declarações similares foram difundidas antes e depois do Seminário. Destaca-se a afirmação “bandido vai para a vala”.

O senhor Washington já cometeu aliança eleitoral com bolsonaristas, tirou fotografia com Pazuello, fez a defesa dos irmãos Brazão, cometeu agressões verbais contra a presidenta Dilma, praticou ofensa contra militantes em debate partidário, patrocinou filiação em massa, proferiu ofensas em grupo de zap do DN contra dirigentes do Partido. 

Mas nada se compara a suas declarações em apoio à chamada Operação Contenção. Como disse o companheiro Edinho, um partido de esquerda não pode abrir mão da defesa da humanidade e de todos os valores decorrentes disso.

O senhor Washington tem o direito de defender, dentro do Partido, uma política de segurança diferente daquela que é defendida pelo PT. Mas os termos em que ele vem defendendo publicamente a Operação Contenção, bem como os termos que ele utiliza em outras declarações vinculadas ao tema – cito por exemplo a “bandido vai para a vala” –são incompatíveis com a condição de dirigente e mandatário eleito pelo PT.

Lembro que, segundo nosso estatuto, artigo 227. constituem infrações éticas e disciplinares:

I – a violação às diretrizes programáticas, à ética, à fidelidade, à disciplina e aos deveres partidários ou a outros dispositivos previstos neste Estatuto;

IV – a atividade política contrária ao Programa e ao Manifesto do Partido;

A ética do Partido e nossas diretrizes programáticas são incompatíveis com as reiteradas declarações públicas feitas pelo senhor Washington. Saliento que, apesar de alertado para esta incompatibilidade seguidas vezes, ele vem reiterando sua opinião, como se pode ver aqui: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/prefeito-diz-que-bope-so-matou-otario-e-evento-do-pt-no-rio-tem-bate-boca/ Assim sendo, solicito que se instale comissão de ética para analisar o caso e adotar as devidas medidas.

Saudações petistas

Valter Pomar

Filiado ao PT Campinas