quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Roteiro da intervenção no debate sobre o programa do DN

(com base no roteiro abaixo, falei no Diretório Nacional reunido dia 7 de agosto, acerca do documento “Plano de reconstrução e transformação do Brasil: Outro mundo é preciso; outro Brasil é necessário”.)

Sobre o mérito, eu começo ressaltando que o documento tenta articular propostas para diferentes níveis e situações: o plano emergencial, ou seja, medidas que devem ser propostas agora, quando ainda somos oposição; o plano da reconstrução, ou seja, medidas que devem ser propostas para imediato day after da saída de Bolsonaro e dos golpistas; e o plano do médio-longo prazo, ou seja, medidas que viabilizem a transição em direção à sociedade que queremos.

Na minha opinião, o documento não articula adequadamente estes três níveis.

E perde em radicalidade, exatamente onde deveria ser mais radical, ou seja, no médio e longo prazo.

Chamo a atenção para algo que está no texto e que o Aloizio repetiu aqui, que nosso objetivo é uma nova utopia civilizatória.

O texto chega a citar Thomas Morus, autor de um clássico de 1516 intitulado UTOPIA.  Portanto, diferente do que disse aqui o Guimarães, o texto do plano coloca a discussão no terreno de que ser realista também é ser utópico, no bom sentido da palavra.

Entretanto, o texto anuncia uma utopia mas, na minha opinião, não articula de maneira adequada a relação entre as medidas propostas e nosso objetivo SOCIALISTA.

Registro que o texto melhorou: na versão inicial a palavra socialismo aparecia, se não me engano, 1 vez.

Agora aparece algumas vezes e inclusive num parágrafo que deixa claro nosso objetivo de longo prazo.

Mas a articulação continua no essencial retórica, não programática.

Pois para ser programática, precisa tratar do tema proibido: A PROPRIEDADE.

Para usar as palavras do Aloizio, o centro do documento é “a reforma do Estado”.

Este é um conceito equivocado.

O Estado é MEIO, não é fim.

O nosso centro é realizar uma profunda transformação, democrática, popular, socialista, nas relações sociais e econômicas.

O que implica em alterar a estrutura de propriedade.

Ao dizer que o Estado é o centro, o documento deposita todas as fichas em medidas fiscais, tributárias, de financiamento do Estado.

E não enfrenta adequadamente, na minha opinião, o tema da mudança nas estruturas de propriedade e poder, o que impacta negativamente, na minha opinião, o que o texto fala sobre dois temas CHAVE, a saber: a reindustrialização e a geração de dezenas de milhões de empregos bem pagos e com direitos garantidos em lei.

Não haverá reindustrialização de novo tipo, se isso depender dos atuais capitalistas e das atuais empresas capitalistas, nacionais e estrangeiras, existentes no Brasil.

A divergência a respeito desse tema da propriedade faz o texto assumir como verdadeira o que é uma fábula, uma pós-verdade: a de que o New Deal teria sido o responsável pela superação da crise nos Estados Unidos.

Isto simplesmente não é verdade.

Foi a Segunda Guerra que permitiu aos EUA reconstruir sua economia e superar a crise.

Por isso é preciso discutir de outra forma o problema: não o adotado pelo texto, que defende fazer uma reforma capitalista do capitalismo; mas sim outro caminho, o de realizarmos uma transformação democrático-popular e socialista do capitalismo existente em nosso país.

O que, repito, implica em tratar de outra forma o tema da propriedade.

E colocar o socialismo como meta.

Meta que além de desejável, é possível, necessária e realista neste momento de crise sistêmica em que estamos, no Brasil e no mundo.

*

Em segundo lugar, eu quero registrar que há três emendas que eu apresentei, que não foram incorporadas e que não foram citadas pelo Aloizio como temas que mereciam debate especialmente aprofundado.

Os temas citados pelo Aloizio foram socialismo e Assembleia Constituinte.

Chamo a atenção que a Constituinte já é uma deliberação partidária. E o fato da resolução do último congresso ainda não ter sido finalizada e oficialmente publicada, não anula estas e outras resoluções.

Portanto, na minha opinião, ao não incluir este tema, a comissão responsável pelo tema exorbitou.

E acho que o texto base que aqui será aprovado, incorpore o tema, mesmo que numa formulação mediada.

A exclusão da Constituinte já tinha ocorrido na campanha eleitoral, quando o tema foi suprimido do programa no meio da campanha.

Ali, considerei isto um erro político, mas estava dentro da digamos soberania do candidato e da coordenação da campanha fazer isto, já que não se tratava de uma candidatura apenas do PT.

Mas aqui trata-se de um programa do PT e não entendo com qual autoridade uma comissão retira, do programa, algo que está numa resolução congressual do Partido.

O argumento utilizado aqui pelo Penildo e pela Maria do Rosário, o da correlação de forças, se for adotado nos deveria levar a abandonar quase todas as propostas feitas no documento, inclusive o socialismo.

Por outro lado, várias das propostas do documento exigem e supõem uma Constituinte. Militares, judiciário, por exemplo.

Por fim, vamos nos entender: resta muito pouco da Constituição de 1988, no que ela tinha de bom; e, por outro lado, seguem lá, firmes e fortes, todos os elementos que possibilitaram o golpe.

Portanto, defender a necessidade de uma nova Assembleia Nacional Constituinte NÃO é contraditória com defender o que há de positivo na Constituição.

Pelo contrário, defender a necessidade de uma nova ANC é ser coerente com a defesa do que há de positivo na Constituinte.

Mas o mais importante que quero ressaltar é que Aloizio não citou outras questões que eu considero essenciais: a estatização do setor financeiro e o enfrentamento da questão militar.

A questão militar inclui as Forças Armadas, a começar pelo artigo 142 da Constituição. Sem Constituinte, isso não será adequadamente resolvido

A questão militar inclui, também, o tema da desmilitarização das policias militares. O texto fala em “REVISAR” o modelo militar de segurança pública.

Isso está profundamente errado.

Não há como REVISAR.

Em se tratando de segurança pública, não há modelo militar aceitável.

O caso da desmilitarização é o mesmo da Constituinte: o documento EXCLUI esta proposta e rejeita as emendas, desconsiderando o que o partido já acumulou.

Diferente é a questão do setor financeiro.

A proposta de estatização do setor financeiro foi rejeitada pelo DN, na discussão do programa que apresentamos na campanha de 2018.

Da minha parte, não considero possível enfrentar a crise, recuperar o papel do Estado e mudar o rumo da sociedade brasileira, sem acabar com oligopólio financeiro privado.

Não se trata, portanto, apenas de uma “reforma” do sistema bancário.

Se trata de fazer uma revolução no setor financeiro.

Revolução no sentido de colocar sob controle publico o que hoje é controle de uma minúscula oligarquia, que usa de uma concessão pública (pois os bancos são uma concessão) e da captura dos órgãos controladores (pois o BC e Copom são braços do setor financeiro privado) para EXTORQUIR há décadas a população brasileira.

Também foi rejeitada pela comissão uma proposta que fiz sobre como tratar o agronegócio, o extrativismo e as transnacionais.

Mas eu precisaria reler o texto inteiro, para poder fazer um comentário adequado a respeito. Temo, entretanto, que estejamos nestes casos incorrendo no mesmo erro já citado: o de não enfrentar adequadamente o problema da propriedade.

Este problema não será solucionado no plano emergencial, nem no day after; mas é um tema que PRECISA ser solucionado, no plano de médio prazo.

Sob pena de, ao final, não termos transformação efetiva.

O que seria um desperdício imenso, pois vivemos uma CRISE SISTEMICA PROFUNDA, no mundo e no Brasil.

E se estamos falando sério, se realmente acreditamos aquilo que o documento fala, que esta é a maior crise desde 1929, então esta é a hora de apresentarmos uma alternativa sistêmica para esta crise sistêmica.

Trata-se de uma crise sistêmica do CAPITALISMO, não apenas do modelo neoliberal.

E portanto a alternativa sistêmica a esta crise tem que ser SOCIALISTA.

O documento aceitou uma emenda que eu fiz, emenda que dizia o seguinte: “Embora distinta, esta é uma crise tão devastadora quanto aquela que assolou mundo após 1929. Se, naquela época, o “dia seguinte” foi um mundo com mais BemEstar, com ampla descolonização e relativa democratização, isso só ocorreu porque ao final de muita luta prevaleceram os setores progressistas, socialistas e democráticos”.

Agora, se os socialistas HOJE ficarem tímidos em defender sua visão socialista,  o resultado será um dia seguinte à crise pior do que antes.

Neste sentido, seria bom que o documento incorporasse o ELAN, o espirito do discurso feito por Lula no  primeiro de maio, falando explicitamente do capitalismo moribundo como um objetivo nosso e uma alternativa pelo que lutamos, aqui e agora.

É isto.

Obrigado pela atenção.

 

 

 

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