Um amigo me
enviou por zap, na manhã deste sábado 24 de setembro, um texto do Nildo
Ouriques.
O texto está
aqui:
http://nildouriques.blogspot.com/2022/09/o-comissario-marxista-do-pt.html
Tratar-se-ia,
segundo o referido amigo, de uma resposta à crítica apresentada aqui:
https://valterpomar.blogspot.com/2022/09/nildo-ouriques-ou-sobre-como-causar.html
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Minha
crítica tem três partes:
1/Nildo
defende o voto nulo na disputa presidencial. Politicamente, considero tratar-se
de uma posição inclassificável;
2/Nildo acha
que esta posição – o voto nulo – pode ser sustentada com base no marxismo. Eu vejo
isso como um despropósito, ao menos do ponto de vista dos que consideram que a
essência do marxismo está na análise concreta da situação concreta;
3/Finalmente,
sou de opinião que posições como a de Nildo causam imenso dano ao marxismo-que-defende-a-prática-como-critério-da-verdade.
Que ele se diga marxista é problema dele, mas que mais pessoas acreditem nessa autoproclamação é um
problema para quem defende que o marxismo é uma arma importante para a
classe trabalhadora na luta contra o capitalismo.
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Quanto a “resposta”
(intitulada “O comissário marxista do PT”), tenho a dizer o seguinte.
Primeiro: Nildo
me atribui uma posição que não é minha. Eu não acho que “o divisor de águas
para sacramentar a verdade sobre o marxismo está determinado por quem vota em
Lula e aqueles que negam o voto ao ex-presidente”. Eu discordo profundamente,
mas compreendo, as posições que levam o PSTU, o PCB e a UP a terem suas
candidaturas presidenciais. Já a posição de voto nulo, considero politicamente
inclassificável (eu ia escrever outra palavra, mas não quero chocar ainda mais o amigo que me enviou o texto do Ouriques).
Segundo: Nildo
recorda que “há anos” ele seria “um crítico quase solitário dos marxistas que
atuam na universidade”; e acrescenta que estes “marxistas que atuam na universidade”
não representariam o “marxismo acadêmico”, pois “suas contribuições são pra lá
de modestas e constituem na grande maioria das vezes mera exegese sem conexão
alguma com a evolução da crise brasileira e menos ainda com o futuro da
Revolução Brasileira”. Sobre a solidão de Nildo eu não tenho nada que dizer. Já quanto a crítica de Nildo ao “marxismo acadêmico”, destaco ser ela baseada num dos
pressupostos centrais do marxismo acadêmico, a saber: a teoria (e não a
prática) como critério da verdade.
Terceiro: Nildo
fala da necessidade de “tocar no nervo da Revolução Brasileira”. A imagem é curiosa,
mas é incompatível falar a sério sobre a “revolução brasileira” e ao mesmo
tempo se colocar totalmente à margem da posição adotada por 99,99% da vanguarda
da classe trabalhadora brasileira. Não se constrói um caminho para a revolução defendendo
uma posição (o voto nulo) que, se tivesse audiência, contribuiria para a vitória de Bolsonaro e para uma derrota brutal da esquerda e da classe trabalhadora.
Quarto: Nildo
faz críticas ao PT e ao “esforço necessariamente improdutivo de Pomar nos
congressos ou encontros” do Partido”. Registro o seguinte: se conseguirmos
derrotar a extrema-direita nestas eleições, será em grande medida graças ao PT
e não graças a atitudes esquerdistas e pedantes como as de Nildo Ouriques. Aliás, nesse momento é mil vezes preferível um socialdemocrata com consciência democrática a um esquerdista pedante que não consegue enxergar o que está em jogo no dia 2 de outubro.
Quinto:
Nildo reclama que eu (ainda) não teria feito uma crítica a um livro (!!!) do
Fernando Haddad. Acho que no mundo tem duas pessoas que consideram este livro algo
conjunturalmente relevante neste ano de 2022. Uma delas é Nildo, a outra vocês podem
imaginar. Da minha parte, penso que a cada dia sua agonia. E a tarefa agora é derrotar
a extrema direita, com as armas e instrumentos disponíveis.
Sexto: Nildo
afirma que o “marxismo acadêmico” uspiano “foi sempre responsável em larga
medida para as sucessivas derrotas que meu crítico [Pomar] acumula na luta
interna e que o condenaram a condição marginal nas decisões mais importantes do
PT". Só mesmo um acadêmico seria capaz de achar que posições também acadêmicas
seriam as responsáveis “em larga medida” pelas decisões mais importantes do PT.
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Duas últimas
observações:
1/já que
resolveu fazer brincadeiras com meu sobrenome, Nildo poderia aproveitar e escrever
meu nome corretamente;
2/espero que no dia 2 de outubro Nildo vá votar e vote certo: Lula presidente.
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Segue abaixo a íntegra do texto criticado.
http://nildouriques.blogspot.com/2022/09/o-comissario-marxista-do-pt.html
sábado, 24
de setembro de 2022
O comissário
marxista do PT
No Canal
Resistentes participo há mais de dois anos numa coluna quinzenal na qual abordo
temas políticos da América Latina e, obviamente, também do Brasil. Na última
edição do programa exibido em 17 de setembro Claudio Passos organizou um debate
entre Elias Jabour – membro do comitê central do PC do B – e eu para discutir a
crise chilena e as eleições presidenciais. Na oportunidade, Elias sustentou as
posições de seu partido convocando voto em Lula já no primeiro turno enquanto
eu defendi o voto nulo na disputa presidencial. Indagado a respeito, Walter
Pomar emitiu uma opinião sobre o evento na qual tratou exclusivamente de minha
posição – voto nulo – atribuindo-me o poder de “causar danos ao marxismo”.
Elias teve melhor sorte pois Pomar não emitiu palavra sobre a qualidade de seu
marxismo.
https://www.youtube.com/watch?v=oV6aNl_C5qQ&t=5186s
A leitura de
sua brevíssima sentença sobre o encontro permite concluir que o divisor de
águas para sacramentar a verdade sobre o marxismo está determinado por quem
vota em Lula e aqueles que negam o voto ao ex-presidente. É Lula – e não o
enorme conflito de classes que arde sob nossos pés – o critério da verdade para
Pomar. A “análise concreta de situações concretas” possui uma essência
eleitoral capaz de qualificar ou condenar toda posição: quem está com Lula toca
na realidade e, quem, ao contrário, nega voto ao ex-presidente, não somente
está fora da realidade senão que produz imenso dano ao marxismo.
http://valterpomar.blogspot.com/2022/09/nildo-ouriques-ou-sobre-como-causar.html
De minha
parte, recordo que há anos sou um
crítico quase solitário dos marxistas que atuam na universidade; estes, na
verdade, não representam o “marxismo acadêmico” pois suas contribuições são pra
lá de modestas e constituem na grande maioria das vezes mera exegese sem conexão
alguma com a evolução da crise brasileira e menos ainda com o futuro da
Revolução Brasileira a despeito do conhecimento que eventualmente exibem
sobre a seção V do tomo III de O
capital, da Crítica ao Programa de Ghota ou mesmo da Ontologia do ser social de
Lukács... Portanto, não estou disposto a aceitar sem reserva a existência de um
“marxismo acadêmico” que, nas condições brasileiras, admitiria como uma virtude
semelhante àquelas que existem nos Estados Unidos ou na Inglaterra, para dar
apenas dois exemplos.
Entretanto,
lidando e litigando contra o marxismo que se refugiou na universidade após a
domínio estalinista sobre o antigo movimento comunista internacional, eu sou
capaz de reconhecer contribuições parciais e mesmo algum esforço bem logrado quando
professores encaram temas de fronteira ou aspectos parciais de nossos problemas
desde uma “perspectiva marxista” sem, contudo, tocar no nervo da Revolução
Brasileira. Nesse contexto, creio que Pomar está muito mais exposto ao
“marxismo acadêmico” do que eu e, na verdade, sua sentença sobre meu marxismo
não possui os anticorpos que, por ossos do ofício, desenvolvi em quase três
décadas de profissão.
O PT é um
partido que exibe enorme e definitiva crise ética, programática e política cujo
epílogo estamos observando nessas eleições. É um partido que há muitos anos
está impossibilitado de desenvolver teoria sobre a realidade brasileira e, em
consequência, aqueles que ainda resistem ao processo já concluído de sua
completa adesão a ordem burguesa, importam para seu interior de maneira
miserável as modas universitárias sem qualquer rigor e reproduzem toda sorte de
quinquilharias ideológicas necessárias para justificar com algum “brilho
teórico” as disputas eleitorais que, ao fim e ao cabo, ainda mantém o partido
“vivo”. Eu devo reconhecer que, vez por outra, vejo o esforço necessariamente
improdutivo de Pomar nos congressos ou encontros do PT, sempre destinados a
convencer a maioria do seu partido para voltar à rebeldia que exibiu na
juventude e, sejamos justos, foi precisamente aquela radicalidade que
finalmente construiu a aceitação eleitoral que ainda hoje possui mesmo que sem
brilho. Ainda assim, é fácil concluir que Pomar – há anos membro do diretório
nacional – não sai ileso da batalha contra a maioria absoluta de seu partido
pois o máximo que logrou até agora é simular que o “outrora maior partido de
esquerda da América Latina” ainda estaria “em disputa” quando, na verdade, nem
mesmo o caldinho de radicalidade que ele e seus companheiros logram manter consegue
impedir a conciliação de classe cuja expressão maior não poderia ser mais
eloquente: a chapa petucana Lula/Alckmin.
Não posso
deixar de indicar um grave descuido de meu crítico pois enquanto ele me indica
como uma espécie de maçã podre capaz de produzir danos na cesta do marxismo,
deixa sem cuidado seu próprio pomar. Ocorre que Walter está empenhado na
campanha de Lula para presidente e de Haddad para governador de São Paulo. O
último acaba de lançar um livro – O terceiro excluído – que ataca de maneira
sorrateira a tradição marxista no que ela possui de mais vital, potente e
atual. Até agora, não vi palavra de Walter sobre o tema embora seria uma tarefa
a altura de um comissário marxista. Mais importante ainda: o candidato de
Walter para governador e possível sucessor de Lula no futuro do partido,
declara solenemente que seus “gurus intelectuais” que terminaram por lhe
influenciar decisivamente na escrita de um livro abertamente reacionário são
três conhecidos e festejados acadêmicos uspianos (Ruy Fausto, Roberto Schwarz e
Marilena Chauí); todos eles com pinta de “marxistas” embora com reparos
suficientemente claros para não se confundir com a tradição crítica de Marx e
Engels.
No Brasil,
ninguém vacilaria em desconhecer que São Paulo é o coração burguês do país e
que a USP, embora cada dia mais decadente na batalha das ideias, ainda mantém
considerável influência acadêmica no país. Ora, os três festejados uspianos
homenageados por Haddad exercem de maneira distinta influência notável no
partido de Walter e, creio, até mesmo ele estaria disposto a admitir caso
fizesse cuidadosa revisão teórica e política, o quanto o “marxismo acadêmico”
uspiano foi sempre responsável em larga medida para as sucessivas derrotas que
meu crítico acumula na luta interna e que o condenaram a condição marginal nas
decisões mais importantes do PT. Na verdade, emparedado pelos acadêmicos
uspianos – Haddad à cabeça – Walter logra apenas marcar posição interna e
figurar como testemunha singular da completa adesão de seu partido a ordem
burguesa.
Não
considero uma contradição o fato de Walter me atribuir a condição de “marxista
acadêmico” enquanto seu candidato a governador é expressão maior do
academicismo alienante e funcional a ordem burguesa que domina seu partido com
a total cumplicidade e até mesmo entusiasmo de meu inesperado crítico. Lula é,
de fato, um divisor de águas entre nós nessa eleição, mas jamais poderia ser o
critério da verdade. Entretanto, não devemos ignorar que precisamente Lula é
apenas expressão cada dia mais pálida da conciliação de classe que eu renuncio
no terreno eleitoral enquanto Walter a reproduz como se não tivéssemos
alternativa senão seguir agarrado num santo que pode ter muitos eleitores, mas
é totalmente incapaz de produzir algum milagre.