Na parte 1 deste texto, analisamos a posição do deputado Marcelo Freixo. A
parte 1 pode ser lida aqui:
http://valterpomar.blogspot.com/2021/01/o-psol-e-baleia-parte-1.html
Nesta
parte 2, analisaremos a posição do deputado David Miranda PSOL/RJ) e das deputadas
Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Sâmia Bomfim (PSOL/SP) e Vivi Reis (PSOL/PA). A
posição desses quatro parlamentares do PSOL está aqui:
https://movimentorevista.com.br/2021/01/eleicao-na-camara-dos-deputados-a-principal-tarefa-do-psol-e-derrotar-bolsonaro/
O ponto de partida dos parlamentares acima citados é o mesmo de Freixo: é preciso derrotar Bolsonaro. E
isso seria ainda mais urgente neste momento, em que “Bolsonaro trama o fechamento do regime político e
o ataque às liberdades democráticas”.
Sem dúvida é
preciso derrotar Bolsonaro; sem dúvida ele é uma ameaça permanente contra
as liberdades democráticas; mas será mesmo verdade que nesse exato momento
estaria em curso uma “trama” que visa o “fechamento do regime político”?
Este é um
assunto que tem várias camadas, que precisam ser removidas uma a uma.
O regime
político em questão é o da Constituição de 1988. Foi nos marcos desse regime
que Lula e Dilma foram eleitos. Foram as instituições deste regime que
promoveram o golpe contra Dilma. Ao fazê-lo, como em qualquer golpe de Estado, interpretaram
criativamente as afirmações da Constituição de 1988. A interpretação
foi tão criativa que nós, da esquerda, costumamos afirmar que os golpistas
rasgaram a Constituição de 1988. Mas atenção: se temos razão, este crime contra
a Constituição não foi praticado única nem principalmente por Bolsonaro, mas sim
pelo “bloco democrático” composto por DEM, PSDB e MDB. Que agora alguns defendem apoiar para... defender a Constituição!
O fato é que,
para a classe dominante e para a maior parte de seus instrumentos políticos
(como os três partidos acima listados), o “regime político” da Constituição de
1988 é flexível o suficiente e não os impede de (des)governar o país em
prejuízo da maioria do povo. Não lhes impede, nem mesmo, de olhar para outro
lado e não tomar medidas contra os seguidos crimes que vem sendo cometidos
por Bolsonaro.
Se o bloco
encabeçado por Maia fosse mesmo um anteparo seguro em defesa das liberdades democráticas, os mais de 50 pedidos de impeachment não estariam na gaveta de Maia. Mas o que interessa a esse bloco não são as liberdades democráticas, mas a tal "flexibilidade" do "regime político".
Mas voltemos a
Bolsonaro: ele quer mesmo o “fechamento do regime político”? E o que isso significaria
exatamente?
Convenhamos,
Bolsonaro não precisa de um golpe militar clássico, pois as Forças Armadas como
instituição já são o sustentáculo deste governo. O que Bolsonaro parece querer é
ter controle sobre as demais instituições do Estado (Congresso, sistema
judiciário, órgãos de segurança pública...). Essas instituições são parcialmente controladas, hoje, por outros integrantes da coalizão golpista. Que publicamente pedem ajuda
da esquerda (da mesma esquerda a que golpearam em 2016) para derrotar Bolsonaro.
A questão é: querem nossa ajuda em troca do quê?
Do impeachment
de Bolsonaro? Não! O cavernícola é pintado como Mussolini apenas na hora de
assustar a esquerda, mas na hora de fazer andar o impeachment são outros
quinhentos.
Da mudança da
política econômica e social? Não! Maia e seus aliados deixam claro, de manhã,
de tarde e de noite, sua postura pró-liberal.
O máximo que a
turma de Maia nos promete é deter os retrocessos. Isto é importante? Se fosse mesmo verdade, seria importante. Mas será mesmo verdade que os cúmplices de todos os
retrocessos vividos desde 2016 serão aliados idôneos nesta tarefa?
Os
parlamentares do PSOL acreditam que sim. Dizem explicitamente que o bloco do Maia, “não está disposta a levar a cabo a pauta
de ataque e restrição às liberdades democráticas tal como pretende Bolsonaro”.
Ou seja: a
turma do golpe de 2016 não estaria “disposta” a fazer “tal como pretende Bolsonaro”.
Mesmo que isso fosse verdade, este raciocínio desvincula a política da
economia. Quanto tempo as “liberdades democráticas” vão sobreviver em um país
que está sendo devastado do ponto de vista econômico-social? Temos que lembrar que existe um vínculo
direto entre a “agenda econômica” (defendida conjuntamente pelo bloco de Bolsonaro
e pelo bloco de Maia) e a degeneração política e cultural do país.
Não basta, portanto,
“lutar contra a restrição das liberdades democráticas sem nutrir ilusões nas
instituições do regime”. É preciso levar em conta que a maior ameaça às
liberdades democráticas não vem do bolsonarismo, mas da agenda neoliberal.
Repito: foi o bloco do Maia que deu o golpe de 2016 e prendeu Lula.
É verdade que “a
vitória de Bolsonaro na Câmara, embora não signifique necessariamente um golpe
final da extrema-direita, certamente contribuirá para o avanço de pautas como a
federalização das polícias, o excludente de ilicitude e até o voto impresso
para colocar suspeitas no sistema eleitoral”. E é verdade que devemos lutar
contra isso. Mas a depender de como lutarmos contra isso, estaremos mesmo sem
querer contribuindo para o fortalecimento das bases econômicas e sociais daquilo
que chamamos de “neofascismo”.
Os parlamentares do PSOL
dizem que devemos “debater se o comando da presidência da Câmara ser exercido
por um aliado de primeira ordem do Palácio do Planalto ajuda ou atrapalha a relação
de forças para os interesses dos de baixo”.
Supondo que a prática siga sendo o critério
da verdade, perguntamos: durante dois anos, Maia comandou a Câmara dos
Deputados. Ele não era um “aliado de primeira ordem” de Bolsonaro. Mas isto não
impediu que nesses dois anos, o desgoverno de Bolsonaro corresse solto. Poderia
ser pior? Claro que poderia. Mas não há base nenhuma para acreditar que Baleia
Rossi possa ser melhor do que Maia, do ponto de vista dos interesses do povo. E,
portanto, tudo indica que podemos chegar em 2022 piores do que estamos.
A esquerda não tem força
para impedir isso. Um dos dois, Baleia Rossi ou Arthur Lira, presidirá a
Câmara. A questão é: sem ter candidatura própria, sem demarcar com os dois,
limitando-se a apoiar um deles já no primeiro turno, é pura demagogia de
esquerda dizer que estaríamos “alertando o povo de que as transformações
ocorrerão com a alteração da correlação de forças, na luta nas ruas”. Pois ao difundir ilusões em Baleia, estamos fazendo o contrário de alertar o povo!
Entretanto, vale repetir: os
parlamentares do PSOL têm razão quando alertam para a força de Bolsonaro e, portanto,
suas chances de vitória em 2022.
Mas atenção: alguma das premissas do texto dos
parlamentares servem como uma luva para quem acha possível, em 2022, apoiar
um Dória da vida contra Bolsonaro.
Pior ainda: ao abrir mão de travar o combate
no parlamento, mesmo que só no primeiro turno, podemos estar mandando um sinal para as
parcelas mais politizadas do povo de que o nosso caminho é de uma aliança da
esquerda com parte da direita. Evidentemente, os parlamentares do PSOL não defendem isto. Mas
quem imaginaria, há dois anos, que hoje eles estariam defendendo votar em
Baleia Rossi?
O nó em que estamos todos
nós, o nó em que está o PT e o PSOL, decorre em parte da seguinte ideia: “o centro é
derrotar Bolsonaro”.
Com base nesta fórmula simplificadora, ao longo de 2019 e
2020 vimos, por exemplo, pessoas defenderem Mourão como alternativa.
Óbvio que
Bolsonaro é nosso inimigo, óbvio que devemos derrotar Bolsonaro, mas também é preciso derrotar o bolsonarismo e sua agenda econômica e social, agenda que não
é apenas de Bolsonaro.
Bolsonaro é um bode numa
sala apertada e sem ar. Queremos tirar o bode, mas não queremos continuar
vivendo na sala apertada e sem ar. E só conseguiremos isso se a esquerda não se
subordinar aos interesses e movimentos da direita-que-não-é-bolsonarista-raiz, se entre outras coisas nos diferenciarmos.
Os parlamentares do PSOL alertam
que não devemos transformar “uma discussão tática em estratégica”.
Rapaz,
quantas vezes ouvimos isso dentro do PT e quantas vezes tivemos que explicar
que concordamos com isso, mas também concordamos que não se deve adotar uma
tática desvinculada da estratégia.
A esse respeito, o ponto 2
do texto dos parlamentares do PSOL reafirma que uma coisa é uma coisa, outra
coisa é outra coisa, como diria um conhecido filósofo. Segundo eles, “transpor o debate sobre a tática para a eleição da
presidência da Câmara para a política do PSOL em 2022 é esquemático e
absolutamente equivocado”.
Pode ser.
Mas vejamos: se “o
centro” é derrotar Bolsonaro, por qual motivo isto não seria válido também nas
eleições de 2022?
Em segundo lugar, se a eleição da Mesa pode significar “um
acúmulo de forças para Bolsonaro”, então também pode significar um “acúmulo de
forças” para o bloco do Maia, certo? Logo, existe uma relação entre o que está
ocorrendo agora e 2022.
Tanto existe uma relação que os parlamentares afirmam que “não
existe hipótese de um apoio do PSOL a uma frente encabeçada pela direita no
primeiro turno da eleição de 2022. Para o MES, isto está absolutamente fora de
debate”.
Notem: “no primeiro turno”!
Dois anos antes, já sabemos que “no primeiro turno” não vai ter apoio. É quase
um ato falho.
Voltando ao ponto, os parlamentares
do PSOL afirmam que “com uma vitória de Lira, estaremos em condições mais
desfavoráveis para o movimento de massas”. Cabe perguntar sobre o cenário oposto: com uma vitória de Baleia Rossi,
estaríamos por acaso em condições “mais favoráveis”? Ou elas serão também desfavoráveis,
ainda que de maneira diferente?
O tema é que os
parlamentares do PSOL, assim como Freixo (ver parte 1 deste texto), acham que
com Baleia será possível “não permitir que a Câmara seja correia de transmissão
dos interesses do Planalto”. Com base no que afirmam isso? Na experiência com
Maia? Nos votos dados por Baleia? Na corajosa defesa que ele faz do impeachment?
Chamo a atenção para o seguinte
trecho: “a eleição da presidência da Câmara medirá qual setor burguês é
vitorioso: o disposto a flertar com o fascismo ou o que, mesmo vacilante nas
tarefas democráticas e absolutamente burguês na agenda econômica, não está com
ele”.
Realmente, estamos na fase de memória curta.
Os partidos e os políticos
integrantes do bloco de Maia “flertam” com o “fascismo” há muito tempo. E não
são “vacilantes nas tarefas democráticas”. Eles atacam as liberdades
democráticas do povo. Vejam como age a polícia do Dória! Pode piorar? Sempre
pode. Mas a maneira como os parlamentares descrevem o bloco do Maia é incorreta, passa o pano!
Os parlamentares do PSOL
dizem que “é fundamental derrotar Bolsonaro antes de 2022 e retirá-lo da
presidência”; e reclamam da “vacilação de Rodrigo Maia, e da oposição burguesa
de direita, que não deu início ao processo de impeachment de Bolsonaro”.
É
curioso como os parlamentares do PSOL transpõem, para o terreno do Congresso e da
análise da direita, termos que usamos na esquerda.
É comum acusarmos alguém de
nossos partidos de estar “vacilando”; mas acusar alguém da direita, como Maia,
de estar vacilando é prova da mais absoluta ingenuidade. Pois para que isso
fosse verdade, seria necessário que Maia fosse um democrata que vacila em lutar
pela democracia. E a única coisa que o DEM tem de democrata é o nome.
Vou pular a parte em que
os parlamentares do PSOL invocam o nome de Lênin para defender as
manobras, os acordos e os compromissos com outros partidos, inclusive os
partidos burgueses! Claro, é divertido ler isto num texto de quem muitas
vezes não queria fazer aliança nem mesmo com o PT. Mas há um problema de método
envolvido neste tipo de citação: a renúncia “de antemão a fazer zigue-zagues”
não transforma o “zigue-zague” em modelo de política. Provar que uma determinada
tática não fere os princípios, não prova que esta tática seja correta.
Tanto é assim que, logo em
seguida, podemos ler no texto dos parlamentares o seguinte: “um princípio que
sempre norteou os bolcheviques, assim como o MES, é o de não compor governos
burgueses. Não compusemos nem mesmo os governos da Frente Popular, quando já
tínhamos caracterização do curso de traição de classe do projeto petista já no
início dos anos 2000. Ao invés de nos lançarmos em busca de cargos no governo
Lula, lançamo-nos, junto com centenas de outros camaradas, a percorrer o Brasil
para fundar o PSOL e construir uma ferramenta política que nos permitisse apontar
uma alternativa socialista para o Brasil”.
Ou seja: manobras, acordos e compromissos não são questão de principio. Mas participar de governos (inclusive com o PT!!!) aí sim é uma questão de princípio!
Naqueles tempos, claro, o
centro não era derrotar Bolsonaro e o fascismo. O centro era derrotar o PT. Que
da derrota do PT tenha emergido Bolsonaro é um detalhe sobre o qual nossos
amigos do MES parecem ter refletido pouco. E por isso mesmo estão, talvez sem
perceber, sofrendo uma mutação que sabemos como começa, mas não sabemos como vai terminar.
Seja como for, estamos de
acordo em que é preciso derrotar Bolsonaro. Mas temos dois problemas. O primeiro problema: “os dois candidatos
representam uma agenda econômica pró-burguesa e antipovo, que significou o
aprofundamento das reformas neoliberais como as da previdência, “teto” de
gastos e trabalhista”. O segundo problema, do qual os parlamentares do PSOL não tiram as devidas consequências, é que ambos são golpistas.
É uma
ilusão afirmar que Baleia Rossi, mesmo que de forma “vacilante e insuficiente,
apresenta disposição de contrapor-se às investidas bolsonaristas na defesa das
liberdades democráticas”. Se isto fosse verdade, repetimos, o impeachment teria
andado.
O mais assustador na posição dos que defendem votar em Baleia Rossi não
é o voto em si (absolutamente defensável com base em argumentos pragmáticos),
mas os argumentos que apresentam Baleia Rossi e a turma de Maia como defensores
da democracia. Não são, não são, lembrem de 2016, lembrem da prisão de Lula!
Sem falar em que a agenda neoliberal é a maior ameaça contra a democracia, porque
corrompe as condições materiais de vida do povo.
Os parlamentares do PSOL
perguntam se “não existem elementos que nos permitam diferenciar defesa da
ciência ou negacionismo, direitos das minorias ou retrocessos nas conquistas
democráticas, civilização ou barbárie?”
Claro que sim.
Mas é preciso sempre lembrar
que barbárie também é e se nutre de 40 milhões de desempregados, salários que não chegam ao
final do mês, cada vez mais gente passando fome e vivendo em condições desumanas,
polícia matando nas periferias e a lista pode prosseguir. E na origem disto tudo está uma agenda econômica e social defendida também por Baleia Rossi.
O caso é que a esquerda na
Câmara poderia ter escolhido outra tática: ter candidatura própria no primeiro
turno, aproveitar esta plataforma para fazer um debate nacional sobre as
vacinas, o emprego, o auxílio emergencial, o impeachment e tantas outras questões
absolutamente transcendentes. E, no segundo turno, votar contra a candidatura mais próxima de Bolsonaro.
Mas prevaleceu
outra tática: em nome de derrotar a “fração burguesa bolsonarista”, aliança já
no primeiro turno com a outra fração burguesa, que prefiro chamar de “bolsonarista
eventual” ou centrão gourmet.
Mas os parlamentares do
PSOL, repetindo argumento similar ao que ouvimos no PT, dizem que esta tática
serviria apenas para deixar “os militantes mais tranquilos com as suas
convicções”. Ou seja: travar um debate público, durante dois meses, contra as duas
“facções burguesas” é reduzido a tranquilizar militantes. Aliás, dois meses não:
segundo os parlamentares do PSOL, seriam “dez minutos para falar na tribuna no
dia da votação” e “alguns dias”.
Afirmam ainda que “a pressão
real sobre o PSOL é ser parte de um movimento democrático anti-Bolsonaro, de
uma vanguarda ampliada, embora seja verdade que não ainda da totalidade do
movimento de massas que, infelizmente, acompanha pouco as movimentações do
Congresso Nacional”.
Como já foi dito, chamar o
bloco de Maia de “movimento democrático” é falsificar a realidade. Mas é
correto dizer que há uma “pressão real” sobre o conjunto da esquerda, a mesma
que houve no sentido de atrair o PT para uma frente ampla com Temer e FHC.
Naquela época também se falava em deter Bolsonaro. Mas depois o papo mudou e virou “tolerância” com o cavernícola. Esta "pressão" não vem da esquerda,
esta pressão vem dos setores burgueses que querem a esquerda caudatária,
subalterna e submissa a seus interesses.
Por fim: tanto Freixo
quanto os parlamentares autores do texto que estamos comentando afirmam que “há
um risco real de que a eleição defina-se em um turno” e que Lira ganhe.
Se isto é verdade, então é
pior ainda. Por um lado, porque se for verdadeira a descrição que se faz, a esquerda
será derrotada e sem ter tido voz própria. Por outro lado, porque se for verdadeira
a descrição que se faz, os votos da esquerda são tão decisivos que se poderia
exigir mais do que compromissos que já estão sendo rasgados antes mesmo da
votação.
Enfim, o debate no interior
do PSOL é uma demonstração a mais de que os problemas do PT não são apenas do PT, são
do conjunto da esquerda brasileira. E o fato da “esquerda do PSOL” defender o
voto no Baleia, com argumentos muito parecidos com aqueles utilizados pelo setor
moderado do PT, demonstra que a dialética existe e nem sempre isto significa algo positivo.
Até porque o conjunto da obra não tem nada de engraçado. A maior parte da esquerda está sendo engolida e adotando argumentos que nos desarmam. Ainda há tempo para corrigir o rumo. Do contrário, como já aconteceu com a esquerda brasileira em outros momentos de nossa história, sobrará pouca coisa para a baleia cuspir.
SEGUE
ABAIXO O TEXTO ANALISADO
Eleição
na Câmara dos Deputados: a principal tarefa do PSOL é derrotar Bolsonaro
Nosso papel, como
deputadas e deputados do Partido Socialismo e Liberdade, é lutar, com todas
nossas forças e em todos os espaços que tivermos, pela derrota de Bolsonaro e
de seu projeto neofascista de destruição nacional e ataque à classe
trabalhadora.
DAVID
MIRANDA, FERNANDA MELCHIONNA, SÂMIA BOMFIM E VIVI REIS13
JAN 2021, 20:47
A eleição para a
presidência da Câmara dos Deputados apresenta um debate necessário para o PSOL,
seus militantes e instâncias num momento em que o Brasil combina o
aprofundamento de crise econômica, política, social e sanitária – a última
potencializada sobremaneira pelo criminoso negacionismo da pandemia de Covid-19
por Bolsonaro. Abrimos o debate sobre a tática parlamentar de votar em Baleia
Rossi contra Arthur Lira no primeiro turno da eleição na Câmara dos Deputados
de forma clara e transparente aos companheiros do PSOL, afinal, num momento em
que Bolsonaro trama o fechamento do regime político e o ataque às liberdades
democráticas, a possibilidade de vitória de seu candidato não pode ser-nos
indiferente.
Nas últimas semanas, em
que a eleição para a presidência da Câmara tornou-se uma pauta nacional, o PSOL
poderia ter desenvolvido outra política, mas o fato é que o partido esteve sem
iniciativa nesse tema. Estamos muito atrasados. Algumas posições contrárias à
tática que defendemos precisam ser esmiuçadas. É o que nos propomos a fazer a
seguir:
1) Votar em Baleia Rossi contra Arthur Lira é uma
política de conciliação com a burguesia?
A primeira posição afirma
que o voto em Rossi contra o candidato de Bolsonaro no primeiro turno seria uma
política de conciliação com os partidos burgueses e que o PSOL deve
apresentar-se com cara própria para defender os interesses do povo, como se
defender um voto tático em um candidato burguês significasse um compromisso com
sua agenda econômica.
É preciso caracterizar as
frações burguesas em disputa: uma, expressa pelo PP e outros partidos burgueses
que oferecem apoio e até legenda para o neofascista Bolsonaro, e outra que,
embora tenha acordo com a primeira na agenda econômica, não está disposta a
levar a cabo a pauta de ataque e restrição às liberdades democráticas tal como
pretende Bolsonaro. Apoiar pontual e taticamente a primeira contra a segunda
significa confiar na burguesia? Nunca. Na realidade, com nossa posição,
pretendemos distinguir os matizes e atuar de forma concreta na situação
concreta. Isso significa defender as instituições do Estado burguês? Frente aos
ataques dos que querem fechar o regime político por dentro dele, é preciso
lutar contra a restrição das liberdades democráticas sem nutrir ilusões nas
instituições do regime e alertando o povo de que as transformações ocorrerão
com a alteração da correlação de forças, na luta nas ruas.
Os socialistas lutamos por
uma democracia real, não pela dominação burguesa. Mas Bolsonaro já deixou claro
que conspira por uma estratégia de fechamento do regime político como forma de
dominação burguesa. A vitória de Bolsonaro na Câmara, embora não signifique
necessariamente um golpe final da extrema-direita, certamente contribuirá para
o avanço de pautas como a federalização das polícias, o excludente de ilicitude
e até o voto impresso para colocar suspeitas no sistema eleitoral, aos moldes
do que Trump fez nos EUA. Levar tais pautas a votação é um compromisso já
assumido por Arthur Lira e seus aliados.
Precisamos debater se o
comando da presidência da Câmara ser exercido por um aliado de primeira ordem
do Palácio do Planalto ajuda ou atrapalha a relação de forças para os
interesses dos de baixo, e avaliar a importância de uma derrota do governo e de
seus planos autoritários por meio de uma tática que explora as divisões e
conflitos dos de cima. Além disso, ignorar o potencial eleitoral de Bolsonaro –
que, embora seja um criminoso e tenha sido derrotado na eleição de 2020 – é
errado, já que ele ainda preserva pouco mais de um terço de apoio nas pesquisas
de opinião e, em termos políticos, ainda tem a maior minoria da sociedade e
também do Congresso Nacional. Contribuir para que Bolsonaro tenha dificuldade
de levar adiante sua estratégia golpista, portanto, é nosso dever. Isso
transforma Baleia Rossi num candidato de esquerda? Claro que não. Não podemos
ter ilusão em nenhum setor da classe dominante. Mas não aproveitar as fissuras
nas disputas intraburguesas para impor derrotas ao maior inimigo no momento
seria um erro grave. E nós não temos dúvida de que o centro é derrotar
Bolsonaro.
Um risco grande é
transformar uma discussão tática em estratégica. Um voto crítico sem ilusão,
demarcando nossa posição independente em favor dos trabalhadores e de uma
agenda econômica que taxe os capitalistas, não pode ser confundido com a
eleição majoritária e muito menos a composição de governos.
2) A eleição da Câmara é um ensaio para 2022?
Transpor o debate sobre a
tática para a eleição da presidência da Câmara para a política do PSOL em 2022
é esquemático e absolutamente equivocado. Em primeiro lugar porque, em eleições
gerais, o colégio eleitoral é determinado pelo povo. Mesmo jogando de acordo
com as regras do jogo burguês, o povo vota. No caso da Câmara dos Deputados, a
eleição é feita pelos representantes majoritários dos interesses burgueses,
suas frações e uma ínfima minoria de representantes dos trabalhadores. A
divisão da Câmara é um espelho da divisão burguesa e não da divisão de classes
da sociedade. Portanto, esta eleição não é, de forma alguma, uma antecipação da
eleição de 2022, mas uma vitória agora pode significar um acúmulo de forças
para Bolsonaro impor sua agenda e fortalecer-se para a eleição presidencial.
Para nós, não existe hipótese de um apoio do PSOL a uma frente encabeçada pela
direita no primeiro turno da eleição de 2022. Para o MES, isto está absolutamente
fora de debate.
Por outro lado, é evidente
que, se o governo for vitorioso na eleição da presidência do Parlamento
burguês, terá mais condições, em dois anos, de tentar alterar as regras
eleitorais, intervir em universidades, indicar mais aliados negacionistas em
instituições sanitárias e científicas, pautar, na Câmara, suas propostas
reacionárias que agradam sua base social, fortalecendo os projetos das bancadas
fundamentalista religiosa, da bala, etc. Portanto, há risco de, com uma vitória
de Lira, estarmos em condições mais desfavoráveis para o movimento de massas.
Assim como não podemos
subestimar o peso eleitoral de Bolsonaro, tampouco devemos subestimar a
incidência de um setor fascista que tem peso nas polícias militares, nos
fundamentalistas religiosos e que ganhou uma fração do movimento de massas. Não
permitir que a Câmara seja correia de transmissão dos interesses do Planalto
tem sua importância. Além disso, a eleição da presidência da Câmara medirá qual
setor burguês é vitorioso: o disposto a flertar com o fascismo ou o que, mesmo
vacilante nas tarefas democráticas e absolutamente burguês na agenda econômica,
não está com ele. Sabemos que a luta final contra o fascismo não se dará
somente no calendário eleitoral, mas no embate físico. A correlação de forças
não se altera por vontade e tampouco pela eleição da presidência da Câmara dos
Deputados, mas pode ter, sim, um desfecho mais desfavorável à ação independente
dos trabalhadores se avança a restrição das liberdades pretendida por
Bolsonaro.
Além disso, sabemos que é
fundamental derrotar Bolsonaro antes de 2022 e retirá-lo da presidência para
interromper seus crimes diários contra a vida e os direitos do povo brasileiro.
Por isso, em março de 2020, protocolamos um pedido de impeachment que recolheu
mais de um milhão de apoios. A vacilação de Rodrigo Maia, e da oposição
burguesa de direita, que não deu início ao processo de impeachment de Bolsonaro
mostra que a luta pelo “Fora, Bolsonaro” precisa tomar as ruas e pressionar o
Congresso. Com uma presidência da Câmara nas mãos de Bolsonaro, entretanto,
suas chances de disputar a reeleição aumentam consideravelmente.
3) Os revolucionários, em nenhuma hipótese, podem
estabelecer compromissos com setores burgueses?
Uma terceira
posição afirma que a tática de voto em Baleia Rossi contra Arthur Lira não é
lícita porque os revolucionários não podem fazer movimentos políticos com
nenhum setor burguês. Tal posição desconhece profundamente a história dos
movimentos revolucionários. Vladimir Lênin, em sua famosa obra Esquerdismo: doença infantil do comunismo, dedica um
capítulo a uma polêmica com jovens revolucionários do comunismo de “esquerda”
alemão:
“Nenhum compromisso. É
surpreendente que, com semelhantes ideias, esses esquerdistas não condenem
categoricamente o bolchevismo! Não é possível que os esquerdistas alemães
ignorem que toda a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de
Outubro, está cheia de casos de manobra, de acordos e compromissos com outros
partidos, inclusive os partidos burgueses!
Fazer a guerra para derrotar a burguesia
internacional, uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a
mais encarniçada das guerras comuns entre Estados, e renunciar de antemão a
qualquer manobra, a explorar os antagonismos de interesses (mesmo que sejam
apenas temporários) que dividem nossos inimigos, renunciar a acordos e
compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes,
vacilantes, condicionais), não é, por acaso, qualquer coisa de extremamente
ridículo? Isso não será parecido com o caso de um homem que, na difícil subida
de uma montanha, onde ninguém jamais tivesse posto os pés, renunciasse de
antemão a fazer zigue-zagues, retroceder algumas vezes no caminho já
percorrido, abandonar a direção escolhida no início para experimentar outras
direções?”.
Com tal resgate, não se
pretende, aqui, comparar mecanicamente diferentes momentos históricos e os
desafios dos socialistas em cada um deles, mas sim, discutir um método de
análise, caracterização e política. Atuamos com a realidade que temos, não com
a que queremos. Não se sustenta, desse modo, a afirmação de que seria um
problema de princípios um voto no Parlamento burguês numa tática para debilitar
as condições de Bolsonaro conspirar pelo fechamento do regime.
Aliás, um princípio que
sempre norteou os bolcheviques, assim como o MES, é o de não compor governos
burgueses. Não compusemos nem mesmo os governos da Frente Popular, quando já
tínhamos caracterização do curso de traição de classe do projeto petista já no
início dos anos 2000. Ao invés de nos lançarmos em busca de cargos no governo
Lula, lançamo-nos, junto com centenas de outros camaradas, a percorrer o Brasil
para fundar o PSOL e construir uma ferramenta política que nos permitisse
apontar uma alternativa socialista para o Brasil.
4) São dois candidatos iguais?
Há, ainda, uma posição que
afirma serem Baleia Rossi e Arthur Lira “dois candidatos iguais”. Mas os dois
candidatos seriam iguais porque defendem a mesma agenda econômica?
Evidentemente, os dois candidatos representam uma agenda econômica pró-burguesa
e antipovo, que significou o aprofundamento das reformas neoliberais como as da
previdência, “teto” de gastos e trabalhista. Trata-se de dois candidatos
obviamente burgueses.
Então, o que os divide?
Bolsonaro luta para ganhar a presidência da Câmara dos Deputados e definiu
Arthur Lira como seu candidato, ou seja, uma vitória de Lira é uma vitória de
Bolsonaro. Há, ao mesmo tempo, uma disputa em curso entre diferentes frações
burguesas e suas facções políticas: uma delas está disposta a governar com
Bolsonaro e reforçar a extrema-direita e outra, mesmo que vacilante e
insuficiente, apresenta disposição de contrapor-se às investidas bolsonaristas
na defesa das liberdades democráticas. E isto, nas circunstâncias de enfrentamento
contra uma extrema-direita que controla a presidência da República e parte
importante do aparelho de Estado, não é pouco. Ou, por acaso, não existem
elementos que nos permitam diferenciar defesa da ciência ou negacionismo,
direitos das minorias ou retrocessos nas conquistas democráticas, civilização
ou barbárie?
Se seguíssemos tal
posição, deveríamos ter tomado como centro denunciar Trump e Biden nos EUA.
Sabemos, no entanto, que a derrota de Trump é um feito enorme, embora não
tenhamos ilusão com a agenda imperialista (talvez até mais próxima do
establishment) de Biden. Mas ignorar ou subestimar o peso da luta democrática
em tempos de enfrentamento contra o autoritarismo é errado. Evidentemente,
Bolsonaro, com o resultado de 2020, perdeu força momentânea para o golpe final,
mas pode ir, por dentro do regime político, facilitando ataques democráticos e
é por isso que a fração burguesa bolsonarista precisa ser derrotada na eleição
à presidência da Câmara.
5) No primeiro turno da eleição da Câmara, não
deveríamos fazer propaganda de nosso programa para reduzir danos no segundo
turno?
Por último, analisamos uma
quinta posição, que afirma ser a eleição na Câmara um momento para mostrar um
programa para o país e que, por isso, o PSOL deveria lançar uma candidatura no
primeiro turno para ter seu programa apresentado. Já no segundo turno, seria
possível dar um voto para reduzir danos.
Embora a eleição da Câmara
seja feita por deputados, é verdade que podemos, sim, aproveitar esse momento
para apresentar um programa ao movimento de massas e, depois, reduzir danos —
posição que deixaria os militantes mais tranquilos com as suas convicções. Para
nós, deputados, votar em um dos nossos é reconfortante, sem dúvidas. Mas não
somos comentaristas da realidade. A pressão real sobre o PSOL é ser parte de um
movimento democrático anti-Bolsonaro, de uma vanguarda ampliada, embora seja
verdade que não ainda da totalidade do movimento de massas que, infelizmente,
acompanha pouco as movimentações do Congresso Nacional.
Parte dos nossos
militantes prefere candidatura própria com a certeza de que a eleição terá dois
turnos. Mas é preciso alertar que há um risco real de que a eleição defina-se
em um turno e, apesar de o bloco de Arthur Lira parecer numericamente menor que
o bloco anti-Bolsonaro, a eleição é secreta e existem defecções em muitos
partidos. No PSL, por exemplo, contabilizado nas estimativas como formalmente
no bloco de Maia/Rossi, 36 parlamentares lançaram nota afirmando que votarão em
Lira. Já em partidos de centro-esquerda que estão no bloco, como PT, PSB e PDT,
há setores que votam no candidato de Bolsonaro.
Enquanto estamos debatendo
a necessidade de uma campanha de vacinação, renovação do auxílio emergencial
etc., o Planalto libera emendas e oferece cargos. Numa votação secreta, apostar
em dois turnos e correr qualquer risco de uma vitória de Bolsonaro é temerário.
Correremos esse risco para termos dez minutos para falar na tribuna no dia da
votação e apresentarmos nosso ponto de vista durante alguns dias?
Mas, se não
fizermos isso, o PSOL será linha auxiliar da direita? Evidentemente, não. Como
afirmou Sâmia Bomfim em entrevista ao jornal O Globo, sua posição
é a de dar um voto tático e pontual em Baleia Rossi contra Arthur Lira para
sermos oposição a uma eventual futura gestão de Rossi desde o primeiro dia pós-eleição.
A mudança na correlação de forças que permitirá combater a agenda econômica
neoliberal dependerá da ação do movimento de massas e ser parte de um movimento
anti-Bolsonaro dará ao PSOL, inclusive, mais autoridade sobre um setor que está
conosco na defesa das liberdades democráticas, mas ainda não foi ganho para a
luta socialista.
Nosso papel, como
deputadas e deputados do Partido Socialismo e Liberdade, é lutar, com todas
nossas forças e em todos os espaços que tivermos, pela derrota de Bolsonaro e
de seu projeto neofascista de destruição nacional e ataque à classe
trabalhadora. É o que o povo brasileiro espera de nós e é com este dever em
mente que nos dirigimos à nossa militância, a nossas e nossos camaradas e às
instâncias partidárias.
David
Miranda é jornalista nascido na favela do Jacarezinho, parceiro
de Edward Snowden na luta contra a espionagem na Internet e deputado federal do
PSOL/RJ.
Fernanda Melchionna é deputada federal (PSOL/RS).
Sâmia Bomfim é
deputada federal (PSOL/SP).
Vivi Reis é
deputada federal (PSOL/PA), trabalhadora da Saúde do município de Barcarena/PA
e membro do diretório Estadual do PSOL/PA.