Não estou de acordo com a abordagem feita no texto de José Dirceu sobre o nacionalismo (ver tal texto ao final, em vermelho).
Obviamente concordo em criticar o “nacionalismo” das elites.
Assim como concordo em criticar o “globalismo”, que na verdade expressa os interesses do nacionalismo das grandes potências.
Onde divirjo?
Acho um erro contrapor, ao “globalismo” e ao “nacionalismo” das elites, um nacionalismo “genérico”.
Mais adiante explicarei porque considero “genérico” o nacionalismo defendido por Dirceu.
Mas antecipo que não é por acaso que ele termina dando como exemplos o Curdistão, a Catalunha, a Escócia.
Casos profundamente distintos do tipo de “nacionalismo” que precisamos ter no Brasil.
Dirceu afirma que “no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história, mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações”.
Não concordo com esta afirmação. Ela confunde um discurso proposto para exportação com a prática real.
A classe dominante dos EUA — para ficar nesse exemplo — nunca enfraqueceu o seu Estado. Seu discurso criticava e propunha o enfraquecimento dos estados e das nações ... dos concorrentes.
Portanto, o “substrato” real do discurso da globalização era a ampliação ao limite máximo da hegemonia das nações capitalistas centrais.
Também não concordo com a afirmação de que nossas elites “nunca ... – a não ser para usurpar o poder – conviveram ou aderiram ao nacionalismo”.
Primeiro, não faz sentido falar que nossas elites precisavam fazer algo para “usurpar o poder”.
Usurpar o poder de quem???? Elas nunca o perderam, porque deveriam usurpá-lo??
Segundo, é simplesmente falso — historicamente falando, factualmente falando— que nossas elites nunca “conviveram ou aderiram” ao nacionalismo.
A afirmação só faria sentido se por “nacionalismo” compreendêssemos apenas um nacionalismo popular.
Mas nosso tipo de nacionalismo não é o único que existe. Assim como nossa visão sobre democracia não é a única que existe.
É provável que Dirceu tenha querido dizer que o “nacionalismo” hegemônico nas elites econômicas, culturais e políticas era e segue sendo submisso ao interesse dos imperialismos; e, além disso, talvez tenha querido dizer que o “nacionalismo” das elites não considerava nem considera os interesses do conjunto do povo.
Qual a diferença?
Simples: na “fórmula” desenvolvida no parágrafo anterior a abordagem deixa de ser “nacionalistas” versus “não nacionalistas”; a equação passa a incluir imperialismo, capitalismo e luta de classes; e reconhece de maneira adequada existirem diferenças no interior das elites.
Dirceu diz que as “elites” foram “sempre inimigas mortais dos governos dito nacionalistas, seja Getúlio, JK, Jânio com sua política externa independente, Jango e, pasmem, Geisel.”
Realmente, pasmem. Pois Getúlio, JK, Jânio, Jango e Geisel eram parte das elites. E em determinado momento expressaram um setor politicamente hegemônico nas elites.
Dizer que “as elites” eram “inimigas mortais” de todos estes, é não apenas falso, como pode gerar a conclusão politicamente equivocada de que inimigo de meu inimigo é meu amigo.
Dirceu está tão entusiasmado que chega a afirmar que “o sentimento nacionalista” guia “nossa construção nacional, nossa aventura de construir, nos trópicos, uma civilização”.
Perdão, mas não foi o “sentimento nacionalista” que “guiou” o desenvolvimento da sociedade brasileira. E a “aventura” dos “homens de grossa aventura” — a elite da época colonial— incluía tráfico de escravos, destruição dos povos indígenas etc.
A defesa de um nacionalismo popular precisa “extrair sua poesia do futuro”, não repetir má poesia ao estilo de “porque me ufano de meu país”.
E o que diz Dirceu do futuro? Diz que precisamos impor, defender ou construir “uma força política, econômica, cultural e militar, que também molde e organize o poder mundial”.
E em seguida faz digressões sobre o pensamento militar.
Noutro texto pretendo comentar mais extensamente a opinião de Dirceu sobre a “questão militar”.
Mas de imediato acho incorreta a maneira como ele relaciona a vertente do pensamento militar nacionalista com a criação da Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, BNDES etc.
Claro que havia diferentes vertentes entre os militares. Mas não havia apenas entreguistas e nacionalistas. Havia esquerda, democratas e fascistas. Portanto, havia fascistas & nacionalistas & estatistas; assim como havia fascistas & entreguistas.
Simplificar, resumindo a equação a nacionalistas versus entreguistas, é o que conduziu recentemente setores da esquerda nacionalista a cogitar a existência de aspectos positivos numa eventual intervenção militar.
Além disso, é preciso identificar corretamente as diferentes conexões existentes entre os militares, o empresariado capitalista nacional e internacional, e os interesses do imperialismo.
Por exemplo: o fracasso do “projeto nacional autoritário e conservador” dos militares ocorreu porque ele era “sem inclusão do povo”?? Ou porque este “projeto” já não atendia aos interesses do capital??
As elites e seus projetos não fracassam ou vencem porque incluam ou não incluam o povo.
As elites “incluem” o povo através da opressão, da exploração, da dominação.
Os êxitos e fracassos das “elites” dependem de como se combinam, a cada momento, a competição inter-capitalista e a resistência popular.
Por isso é falso dizer que “nenhuma política de crescimento econômico numa nação continental como a nossa (...) terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo e não apenas da elite econômica e política”.
Pois “sucesso” para as elites pode significar e geralmente significa ir contra os interesses do povo.
Portanto, a questão é outra: uma política de desenvolvimento precisa ser feita em benefício das elites ou em benefício da maioria do povo. E a “perigosa ilusão” que sempre ameaça à esquerda brasileira é achar possível construir um caminho baseado na conciliação de classe.
Deste ponto de vista, sigo aguardando de Dirceu uma autocrítica acerca da estratégia que ele ajudou a construir. E que explica parte de nossa derrota recente.
No lugar disso, neste texto Dirceu reitera uma das premissas da análise de classes que está na base da estratégia adotada pelo PT a partir de 1995.
Refiro-me ao seguinte raciocínio: “grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.”
A verdade é outra. Eles não precisam retomar o pode: nunca o perderam. E a hegemonia do capital financeiro instalou-se nos anos 1990. Portanto, equivoca-se agora e equivocou-se antes quem enxergava uma postura autônoma na “elite industrial”.
A questão portanto não está em que “não é possível – e nunca será – fazer com que 200 milhões de brasileiros alcancem o bem-estar social e cultural numa economia agro mineral exportadora, submetida às finanças internacionais e aos interesses da banca mundial, tendo eles mesmos – a nossa elite – como sócios menores”.
A questão é outra: estes 200 milhões não terão bem estar, nem poder político, enquanto o Brasil for um país capitalista. E não haverá “soberania” de tipo nacional- popular enquanto o Brasil for um país capitalista.
Por isso não basta exaltar a “memória nacionalista”. Por isso é preciso colocar o socialismo como alternativa. Por isso a Escócia, o Curdistão e a Catalunha são parte de outro debate. E por isso nossa defesa da soberania nacional precisa estar combinada com a defesa da integração regional, tema que salvo engano não é mencionado no texto aqui criticado.
Pós-escrito
Cinco comentários adicionais, feitos com base em opiniões que me foram dadas após a leitura do texto acima.
Primeiro: para usar um vocabulário antigo, o que estamos debatendo aqui são as "tarefas". As tarefas definem de forma sintética aquilo que o programa define de maneira detalhada.
Segundo: há um acordo em que as tarefas são três: democráticas, nacionais e sociais. A polêmica está em como combinar as tarefas. Na minha opinião e também na opinião de Dirceu, não dá para colocar em segundo plano, nem dá para tratar superficialmente, as tarefas sociais. A diferença está no seguinte: qual a radicalidade das tarefas sociais? Na minha opinião, a radicalidade deve ser a maior possível, nas atuais condições históricas. A saber: colocar sob controle estatal, público, social, o pólo dinâmico da economia. Por exemplo: o setor financeiro. O nome disto? Socialismo.
Terceiro: por qual motivo é assim? Pelo mesmo motivo que Cuba, Vietnã, China e Rússia precisaram do socialismo para conseguir níveis de soberania, democracia e bem-estar social que em outros países foram compatíveis com o capitalismo. A saber: o nosso lugar no capitalismo mundial. Lugar que, na literatura especializada, recebeu vários nomes: dependente, tardio, subalterno, periférico etc.
Quarto: a definição das tarefas/programa se articula com outra discussão, a da estratégia. Ou seja, como construir/conquistar o poder necessário para implementar o programa. Acerca disso, o texto de Dirceu não fala --nem precisaria obrigatoriamente falar, já que seu artigo versa sobre o nacionalismo -- exceto de maneira indireta, na passagem que critico acerca das classes sociais; e exceto, também, por seu silêncio acerca da integração regional.
Quinto: o tema da integração é onde a abordagem "genérica" sobre o nacionalismo revela sua debilidade. Pois a chance de viabilizar a soberania nacional, o bem estar social e a democratização profunda de um país como o Brasil exige um programa (e uma estratégia) de integração regional.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Segue o texto do Dirceu:
Estaria o nacionalismo condenado e viveríamos um mundo sem fronteiras nacionais, regido pela globalização, pela abertura dos mercados – principalmente financeiros – a caminho de um governo mundial?
Pode parecer piada de mau gosto, mas, no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história, mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações. Seria como se voltássemos e regredíssemos à Idade Média.
No nosso caso, nunca nossas elites – a não ser para usurpar o poder – conviveram ou aderiram ao nacionalismo. E, muito menos, à nação. Só o fazem para exercer ou tentar a hegemonia cultural, impondo sua visão do que seja a nação, sempre a partir de seus interesses e visão do mundo. Sempre foram inimigas mortais dos governos dito nacionalistas, seja Getúlio, JK, Jânio com sua política externa independente, Jango e, pasmem, Geisel.
Mas nunca conseguiram apagar da memória nacional o sentimento nacionalista, que guia nossa construção nacional, nossa aventura de construir, nos trópicos, uma civilização.
Fizeram de tudo, até mesmo negar que tínhamos condições históricas, humanas e culturais de nos tornarmos uma nação. Foi com muita luta política, social e cultural que, década após década, construímos o sentimento que hoje, de novo, se impôs como um fato histórico indiscutível e indestrutível: somos uma nação soberana e independente, somos uma cultura, um povo com presença no mundo. Somos assim reconhecidos.
Mas não basta. Uma nação só se caracteriza quando impõe, defende ou constrói poderes para defender seus interesses e fazer parte do mundo, não apenas como membro do concerto das nações, mas como uma força política, econômica, cultural e militar, que também molda e organiza o poder mundial.
O pensamento militar nunca foi único ou consolidado na nossa história. Pelo contrário, até 64 debatia-se entre visões entreguistas e nacionalistas. Sob a ótica entreguista, vamos recordar que, durante quase meio século, nossas elites rurais e seus porta-vozes na imprensa e na política defendiam que o Brasil jamais se industrializaria e não seria uma potência. Estávamos “destinados” a ser um país agrário-exportador, cópia cultural da Europa. Hoje, cópia dos Estados Unidos e igualmente exportador – de minerais, energia, alimentos. Nada muito diferente do passado.
A vertente nacionalista nos deu condições para a criação da Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, BNDES, que são as bases do Brasil que existe hoje.
Não foi por nada, ou apenas por Geisel, que o estamento militar e interesses empresariais construíram o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que consolidou nossa indústria de base, a ciência e a tecnologia – temas indispensáveis para se falar em desenvolvimento nacional. Era um imperativo, inclusive, para a sobrevivência da ditadura militar e de seu projeto nacional autoritário e conservador. Sem inclusão do povo e, por isso, fracassado.
Sem o povo não há nação e sem a nação não há Brasil e sua presença no mundo. Nenhuma política de crescimento econômico numa nação continental como a nossa, com mais de duzentos milhões de habitantes, com os recursos e as riquezas naturais que temos e nosso nível de desenvolvimento tecnológico, terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo e não apenas da elite econômica e política.
O povo trabalhador se constitui em sujeito, ator da história do país e isso acontece de formas e maneiras totalmente diversas, personificando seus interesses e sonhos em ideias, forças, lideranças, partidos, movimentos, revoltas ou rebeliões. É por isso que se trata de uma perigosa ilusão qualquer tentativa de fazer uma nação sem o povo. Não há caminho para construir poderes nacionais, sejam eles políticos, econômicos, culturais ou militares, sem o povo.
Mesmo uma força militar, sem o apoio popular, não tem sobrevida estratégica no longo prazo. Acaba desaguando em algum conflito militar, como a história nos ensina.
Apesar de todas as evidências do caminho errado, voltamos ao passado e, mais uma vez, querem porque querem descontinuar a nação. Sob o silêncio cúmplice ou imposto, os militares se calam, como manda a Constituição.
Grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.
Os usurpadores do poder usam e abusam do poder judicial/policial, rasgam o pacto político e social de 1988 e voltam a pregar abertamente a entrega do país a preços vis ao capital internacional, cujas premissas de atuação foram extremamente nocivas a muitos países, como mostra a última crise global de 2008-2009.
Para eles, o Brasil não tem saída a não ser se integrar no mundo norte-americano, sob sua hegemonia – inclusive a cultural. Não bastasse a já nefasta dominação que exercem sobre o país via monopólio da informação, agora tentam partidarizar a educação com suas ideias e conceitos sobre a vida e a nação.
Irresponsáveis e ignorantes das lições da história, acreditam que podem, a partir da força e do controle da informação, dominar o povo brasileiro, seu destino e futuro como nação. Não cabe em seu projeto de poder e de país um povo como o brasileiro.
Estão profundamente enganados. Tal pensamento e desejo são uma vã ilusão, que logo lhes custará caro. Porque não é possível – e nunca será – fazer com que 200 milhões de brasileiros alcancem o bem-estar social e cultural numa economia agro mineral exportadora, submetida às finanças internacionais e aos interesses da banca mundial, tendo eles mesmos – a nossa elite – como sócios menores.
A minoria rica – menos de 1% da população – e os 10% dos que participam de seu banquete acreditam que podem iludir o povo brasileiro e sua classe trabalhadora.
Nada aprenderam com a história e não se dão conta que a memória nacionalista está mais viva do que nunca e retomará o protagonismo de sempre na busca de justiça social e liberdade.
Estão aí a Escócia, o Curdistão e a Catalunha a provarem quão presente é o nacionalismo quando a opressão e a tirania se impõem sobre um povo, colocando em risco sua identidade nacional, sua cultura, língua, riquezas, patrimônio e seu bem-estar social. Nada, nenhuma força no mundo consegue oprimir e dominar um povo em busca de sua nação e de seu destino.
José Dirceu de Oliveira e Silva
Ex-ministro chefe da casa civil
Obviamente concordo em criticar o “nacionalismo” das elites.
Assim como concordo em criticar o “globalismo”, que na verdade expressa os interesses do nacionalismo das grandes potências.
Onde divirjo?
Acho um erro contrapor, ao “globalismo” e ao “nacionalismo” das elites, um nacionalismo “genérico”.
Mais adiante explicarei porque considero “genérico” o nacionalismo defendido por Dirceu.
Mas antecipo que não é por acaso que ele termina dando como exemplos o Curdistão, a Catalunha, a Escócia.
Casos profundamente distintos do tipo de “nacionalismo” que precisamos ter no Brasil.
Dirceu afirma que “no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história, mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações”.
Não concordo com esta afirmação. Ela confunde um discurso proposto para exportação com a prática real.
A classe dominante dos EUA — para ficar nesse exemplo — nunca enfraqueceu o seu Estado. Seu discurso criticava e propunha o enfraquecimento dos estados e das nações ... dos concorrentes.
Portanto, o “substrato” real do discurso da globalização era a ampliação ao limite máximo da hegemonia das nações capitalistas centrais.
Também não concordo com a afirmação de que nossas elites “nunca ... – a não ser para usurpar o poder – conviveram ou aderiram ao nacionalismo”.
Primeiro, não faz sentido falar que nossas elites precisavam fazer algo para “usurpar o poder”.
Usurpar o poder de quem???? Elas nunca o perderam, porque deveriam usurpá-lo??
Segundo, é simplesmente falso — historicamente falando, factualmente falando— que nossas elites nunca “conviveram ou aderiram” ao nacionalismo.
A afirmação só faria sentido se por “nacionalismo” compreendêssemos apenas um nacionalismo popular.
Mas nosso tipo de nacionalismo não é o único que existe. Assim como nossa visão sobre democracia não é a única que existe.
É provável que Dirceu tenha querido dizer que o “nacionalismo” hegemônico nas elites econômicas, culturais e políticas era e segue sendo submisso ao interesse dos imperialismos; e, além disso, talvez tenha querido dizer que o “nacionalismo” das elites não considerava nem considera os interesses do conjunto do povo.
Qual a diferença?
Simples: na “fórmula” desenvolvida no parágrafo anterior a abordagem deixa de ser “nacionalistas” versus “não nacionalistas”; a equação passa a incluir imperialismo, capitalismo e luta de classes; e reconhece de maneira adequada existirem diferenças no interior das elites.
Dirceu diz que as “elites” foram “sempre inimigas mortais dos governos dito nacionalistas, seja Getúlio, JK, Jânio com sua política externa independente, Jango e, pasmem, Geisel.”
Realmente, pasmem. Pois Getúlio, JK, Jânio, Jango e Geisel eram parte das elites. E em determinado momento expressaram um setor politicamente hegemônico nas elites.
Dizer que “as elites” eram “inimigas mortais” de todos estes, é não apenas falso, como pode gerar a conclusão politicamente equivocada de que inimigo de meu inimigo é meu amigo.
Dirceu está tão entusiasmado que chega a afirmar que “o sentimento nacionalista” guia “nossa construção nacional, nossa aventura de construir, nos trópicos, uma civilização”.
Perdão, mas não foi o “sentimento nacionalista” que “guiou” o desenvolvimento da sociedade brasileira. E a “aventura” dos “homens de grossa aventura” — a elite da época colonial— incluía tráfico de escravos, destruição dos povos indígenas etc.
A defesa de um nacionalismo popular precisa “extrair sua poesia do futuro”, não repetir má poesia ao estilo de “porque me ufano de meu país”.
E o que diz Dirceu do futuro? Diz que precisamos impor, defender ou construir “uma força política, econômica, cultural e militar, que também molde e organize o poder mundial”.
E em seguida faz digressões sobre o pensamento militar.
Noutro texto pretendo comentar mais extensamente a opinião de Dirceu sobre a “questão militar”.
Mas de imediato acho incorreta a maneira como ele relaciona a vertente do pensamento militar nacionalista com a criação da Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, BNDES etc.
Claro que havia diferentes vertentes entre os militares. Mas não havia apenas entreguistas e nacionalistas. Havia esquerda, democratas e fascistas. Portanto, havia fascistas & nacionalistas & estatistas; assim como havia fascistas & entreguistas.
Simplificar, resumindo a equação a nacionalistas versus entreguistas, é o que conduziu recentemente setores da esquerda nacionalista a cogitar a existência de aspectos positivos numa eventual intervenção militar.
Além disso, é preciso identificar corretamente as diferentes conexões existentes entre os militares, o empresariado capitalista nacional e internacional, e os interesses do imperialismo.
Por exemplo: o fracasso do “projeto nacional autoritário e conservador” dos militares ocorreu porque ele era “sem inclusão do povo”?? Ou porque este “projeto” já não atendia aos interesses do capital??
As elites e seus projetos não fracassam ou vencem porque incluam ou não incluam o povo.
As elites “incluem” o povo através da opressão, da exploração, da dominação.
Os êxitos e fracassos das “elites” dependem de como se combinam, a cada momento, a competição inter-capitalista e a resistência popular.
Por isso é falso dizer que “nenhuma política de crescimento econômico numa nação continental como a nossa (...) terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo e não apenas da elite econômica e política”.
Pois “sucesso” para as elites pode significar e geralmente significa ir contra os interesses do povo.
Portanto, a questão é outra: uma política de desenvolvimento precisa ser feita em benefício das elites ou em benefício da maioria do povo. E a “perigosa ilusão” que sempre ameaça à esquerda brasileira é achar possível construir um caminho baseado na conciliação de classe.
Deste ponto de vista, sigo aguardando de Dirceu uma autocrítica acerca da estratégia que ele ajudou a construir. E que explica parte de nossa derrota recente.
No lugar disso, neste texto Dirceu reitera uma das premissas da análise de classes que está na base da estratégia adotada pelo PT a partir de 1995.
Refiro-me ao seguinte raciocínio: “grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.”
A verdade é outra. Eles não precisam retomar o pode: nunca o perderam. E a hegemonia do capital financeiro instalou-se nos anos 1990. Portanto, equivoca-se agora e equivocou-se antes quem enxergava uma postura autônoma na “elite industrial”.
A questão portanto não está em que “não é possível – e nunca será – fazer com que 200 milhões de brasileiros alcancem o bem-estar social e cultural numa economia agro mineral exportadora, submetida às finanças internacionais e aos interesses da banca mundial, tendo eles mesmos – a nossa elite – como sócios menores”.
A questão é outra: estes 200 milhões não terão bem estar, nem poder político, enquanto o Brasil for um país capitalista. E não haverá “soberania” de tipo nacional- popular enquanto o Brasil for um país capitalista.
Por isso não basta exaltar a “memória nacionalista”. Por isso é preciso colocar o socialismo como alternativa. Por isso a Escócia, o Curdistão e a Catalunha são parte de outro debate. E por isso nossa defesa da soberania nacional precisa estar combinada com a defesa da integração regional, tema que salvo engano não é mencionado no texto aqui criticado.
Pós-escrito
Cinco comentários adicionais, feitos com base em opiniões que me foram dadas após a leitura do texto acima.
Primeiro: para usar um vocabulário antigo, o que estamos debatendo aqui são as "tarefas". As tarefas definem de forma sintética aquilo que o programa define de maneira detalhada.
Segundo: há um acordo em que as tarefas são três: democráticas, nacionais e sociais. A polêmica está em como combinar as tarefas. Na minha opinião e também na opinião de Dirceu, não dá para colocar em segundo plano, nem dá para tratar superficialmente, as tarefas sociais. A diferença está no seguinte: qual a radicalidade das tarefas sociais? Na minha opinião, a radicalidade deve ser a maior possível, nas atuais condições históricas. A saber: colocar sob controle estatal, público, social, o pólo dinâmico da economia. Por exemplo: o setor financeiro. O nome disto? Socialismo.
Terceiro: por qual motivo é assim? Pelo mesmo motivo que Cuba, Vietnã, China e Rússia precisaram do socialismo para conseguir níveis de soberania, democracia e bem-estar social que em outros países foram compatíveis com o capitalismo. A saber: o nosso lugar no capitalismo mundial. Lugar que, na literatura especializada, recebeu vários nomes: dependente, tardio, subalterno, periférico etc.
Quarto: a definição das tarefas/programa se articula com outra discussão, a da estratégia. Ou seja, como construir/conquistar o poder necessário para implementar o programa. Acerca disso, o texto de Dirceu não fala --nem precisaria obrigatoriamente falar, já que seu artigo versa sobre o nacionalismo -- exceto de maneira indireta, na passagem que critico acerca das classes sociais; e exceto, também, por seu silêncio acerca da integração regional.
Quinto: o tema da integração é onde a abordagem "genérica" sobre o nacionalismo revela sua debilidade. Pois a chance de viabilizar a soberania nacional, o bem estar social e a democratização profunda de um país como o Brasil exige um programa (e uma estratégia) de integração regional.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Segue o texto do Dirceu:
Estaria o nacionalismo condenado e viveríamos um mundo sem fronteiras nacionais, regido pela globalização, pela abertura dos mercados – principalmente financeiros – a caminho de um governo mundial?
Pode parecer piada de mau gosto, mas, no fundo, o substrato de toda a fundamentação, há décadas da avalanche da globalização, está no bordão do fim. Não da história, mas do conceito de nação e de sua própria existência, pelo menos como ente estatal, já que seria muita pretensão desconhecer as nações. Seria como se voltássemos e regredíssemos à Idade Média.
No nosso caso, nunca nossas elites – a não ser para usurpar o poder – conviveram ou aderiram ao nacionalismo. E, muito menos, à nação. Só o fazem para exercer ou tentar a hegemonia cultural, impondo sua visão do que seja a nação, sempre a partir de seus interesses e visão do mundo. Sempre foram inimigas mortais dos governos dito nacionalistas, seja Getúlio, JK, Jânio com sua política externa independente, Jango e, pasmem, Geisel.
Mas nunca conseguiram apagar da memória nacional o sentimento nacionalista, que guia nossa construção nacional, nossa aventura de construir, nos trópicos, uma civilização.
Fizeram de tudo, até mesmo negar que tínhamos condições históricas, humanas e culturais de nos tornarmos uma nação. Foi com muita luta política, social e cultural que, década após década, construímos o sentimento que hoje, de novo, se impôs como um fato histórico indiscutível e indestrutível: somos uma nação soberana e independente, somos uma cultura, um povo com presença no mundo. Somos assim reconhecidos.
Mas não basta. Uma nação só se caracteriza quando impõe, defende ou constrói poderes para defender seus interesses e fazer parte do mundo, não apenas como membro do concerto das nações, mas como uma força política, econômica, cultural e militar, que também molda e organiza o poder mundial.
O pensamento militar nunca foi único ou consolidado na nossa história. Pelo contrário, até 64 debatia-se entre visões entreguistas e nacionalistas. Sob a ótica entreguista, vamos recordar que, durante quase meio século, nossas elites rurais e seus porta-vozes na imprensa e na política defendiam que o Brasil jamais se industrializaria e não seria uma potência. Estávamos “destinados” a ser um país agrário-exportador, cópia cultural da Europa. Hoje, cópia dos Estados Unidos e igualmente exportador – de minerais, energia, alimentos. Nada muito diferente do passado.
A vertente nacionalista nos deu condições para a criação da Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, BNDES, que são as bases do Brasil que existe hoje.
Não foi por nada, ou apenas por Geisel, que o estamento militar e interesses empresariais construíram o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que consolidou nossa indústria de base, a ciência e a tecnologia – temas indispensáveis para se falar em desenvolvimento nacional. Era um imperativo, inclusive, para a sobrevivência da ditadura militar e de seu projeto nacional autoritário e conservador. Sem inclusão do povo e, por isso, fracassado.
Sem o povo não há nação e sem a nação não há Brasil e sua presença no mundo. Nenhuma política de crescimento econômico numa nação continental como a nossa, com mais de duzentos milhões de habitantes, com os recursos e as riquezas naturais que temos e nosso nível de desenvolvimento tecnológico, terá sucesso se não se afirmar como nacional e a partir dos interesses do povo e não apenas da elite econômica e política.
O povo trabalhador se constitui em sujeito, ator da história do país e isso acontece de formas e maneiras totalmente diversas, personificando seus interesses e sonhos em ideias, forças, lideranças, partidos, movimentos, revoltas ou rebeliões. É por isso que se trata de uma perigosa ilusão qualquer tentativa de fazer uma nação sem o povo. Não há caminho para construir poderes nacionais, sejam eles políticos, econômicos, culturais ou militares, sem o povo.
Mesmo uma força militar, sem o apoio popular, não tem sobrevida estratégica no longo prazo. Acaba desaguando em algum conflito militar, como a história nos ensina.
Apesar de todas as evidências do caminho errado, voltamos ao passado e, mais uma vez, querem porque querem descontinuar a nação. Sob o silêncio cúmplice ou imposto, os militares se calam, como manda a Constituição.
Grande parte da elite – inclusive a industrial, na ânsia de retomar o controle total sobre o poder – se submete ao capital financeiro e principalmente aos donos da informação e da formação da notícia e da opinião pública.
Os usurpadores do poder usam e abusam do poder judicial/policial, rasgam o pacto político e social de 1988 e voltam a pregar abertamente a entrega do país a preços vis ao capital internacional, cujas premissas de atuação foram extremamente nocivas a muitos países, como mostra a última crise global de 2008-2009.
Para eles, o Brasil não tem saída a não ser se integrar no mundo norte-americano, sob sua hegemonia – inclusive a cultural. Não bastasse a já nefasta dominação que exercem sobre o país via monopólio da informação, agora tentam partidarizar a educação com suas ideias e conceitos sobre a vida e a nação.
Irresponsáveis e ignorantes das lições da história, acreditam que podem, a partir da força e do controle da informação, dominar o povo brasileiro, seu destino e futuro como nação. Não cabe em seu projeto de poder e de país um povo como o brasileiro.
Estão profundamente enganados. Tal pensamento e desejo são uma vã ilusão, que logo lhes custará caro. Porque não é possível – e nunca será – fazer com que 200 milhões de brasileiros alcancem o bem-estar social e cultural numa economia agro mineral exportadora, submetida às finanças internacionais e aos interesses da banca mundial, tendo eles mesmos – a nossa elite – como sócios menores.
A minoria rica – menos de 1% da população – e os 10% dos que participam de seu banquete acreditam que podem iludir o povo brasileiro e sua classe trabalhadora.
Nada aprenderam com a história e não se dão conta que a memória nacionalista está mais viva do que nunca e retomará o protagonismo de sempre na busca de justiça social e liberdade.
Estão aí a Escócia, o Curdistão e a Catalunha a provarem quão presente é o nacionalismo quando a opressão e a tirania se impõem sobre um povo, colocando em risco sua identidade nacional, sua cultura, língua, riquezas, patrimônio e seu bem-estar social. Nada, nenhuma força no mundo consegue oprimir e dominar um povo em busca de sua nação e de seu destino.
José Dirceu de Oliveira e Silva
Ex-ministro chefe da casa civil