Um partido para tempos de
guerra
(contribuição da
tendência petista Articulação de Esquerda para o 5º Congresso do PT)
A comissão organizadora do 5º Congresso definiu o dia 25 de março como
data-limite para as tendências e chapas apresentarem textos de contribuição ao
debate. Esta é a contribuição & projeto de resolução apresentado pela
tendência petista Articulação de Esquerda.
Um partido
para tempos de guerra
Ocupar as ruas,
construir uma Frente Democrática e Popular, mudar a estratégia do Partido e a
linha do governo
O Partido dos Trabalhadores está diante da maior
crise de sua história. Ou mudamos a política do Partido e a política do governo
Dilma; ou corremos o risco de sofrer uma derrota profunda, que afetará não
apenas o PT, mas o conjunto da esquerda política e social, brasileira e
latinoamericana.
A crise do PT decorre, simultaneamente, de nossas
realizações e de nossas limitações.
Tivemos êxito em ampliar o bem-estar social -- por
intermédio da geração de empregos e aumento da massa salarial e do poder
aquisitivo da população, bem como da adoção exitosa de programas de moradia,
saúde e outros -- e a soberania nacional, também através de uma política
externa “altiva e soberana”. Fortalecemos o Estado, na contramão do Estado
Mínimo neoliberal. Ampliamos certos direitos e conquistas democráticas. E são
estes avanços que explicam nossas vitórias em quatro eleições presidenciais
consecutivas.
Mas não fomos capazes de realizar transformações
estruturais, que retirassem do grande capital o controle sobre as alavancas
fundamentais da economia e da politica brasileira.
Controlando estas alavancas, a oposição de direita,
o oligopólio da mídia e o grande capital desencadearam uma ofensiva geral que
inclui a desmoralização política e ideológica do petismo, o estímulo à
sabotagem por parte de setores da base aliada, a pressão para que o governo
aplique o programa dos que perderam a eleição, a mobilização de massas dos
setores conservadores, a ameaça permanente de impeachment e a promessa de nos
derrotar eleitoralmente em 2016 e 2018.
Frente a esta situação,
o 5º Congresso do PT deve aprovar resoluções que permitam ao Partido, ao
conjunto de sua militância, executar cinco tarefas principais.
A primeira tarefa é
reocupar as ruas. A oposição de direita controla parte
importante do Judiciário, do Parlamento e do Executivo, em seus diferentes
níveis. Agora está trabalhando intensamente para também controlar as ruas,
utilizando para isto sua militância mais conservadora, convocada pelos meios de
comunicação, mobilizada com recursos empresariais e orientada pelas técnicas
golpistas das chamadas “revoluções coloridas”. Caso a direita ganhe a batalha
de ocupação das ruas, não haverá espaço nem tempo para uma contraofensiva por
parte da esquerda. Assim, a primeira tarefa de cada petista deve ser apoiar,
participar, mobilizar e ajudar a organizar as manifestações programadas pelos
movimentos e organizações das classes trabalhadoras.
A segunda tarefa é construir uma Frente Democrática
e Popular. Há várias iniciativas em curso, algumas delas
sem o PT e até mesmo contra o PT. Nosso Partido deve procurar as forças que
elegeram Dilma no segundo turno presidencial e que defendem as reformas
estruturais, propondo a elas que se constitua uma frente popular em
defesa da democracia e das reformas. O programa mínimo desta Frente Democrática
e Popular deve incluir a revogação das medidas de ajuste recessivo; o
combate à corrupção; a reforma tributária com destaque para o imposto sobre
grandes fortunas; a defesa da Petrobrás e da industrialização nacional; a
ampliação das políticas públicas universais como saúde e educação; a reforma
política e a democratização da mídia. A Frente Democrática e Popular é
essencial para derrotar o golpismo e libertar o governo da chantagem
peemedebista. Mas o objetivo principal da Frente Democrática e Popular é lutar
por transformações estruturais, sendo para isto necessário construir
instrumentos de articulação política e de comunicação de massas que nos
permitam enfrentar e vencer o oligopólio da mídia.
A terceira tarefa é mudar nossa estratégia. Se
queremos melhorar a vida do povo, se queremos ampliar a democracia, se queremos
afirmar a soberania nacional, se queremos integrar a América Latina, se
queremos quebrar a espinha dorsal da corrupção, é preciso realizar
reformas estruturais no Brasil, que permitam à classe trabalhadora controlar as
principais alavancas da economia e da política nacional. Para isto, precisamos
de uma aliança estratégica com as forças democrático-populares, com a esquerda
política e social. Precisamos, também, combinar luta institucional, luta social
e luta cultural. Recuperar o apoio ativo da maioria da classe trabalhadora,
ganhar para nosso lado parte dos setores médios que hoje estão na
oposição, dividir e neutralizar a burguesia, isolando e derrotando
o grande capital transnacional-financeiro. Isso implica abandonar a
conciliação de classe com nossos inimigos.
A quarta tarefa
é alterar a linha do governo. É plenamente possível
derrotar a direita se tivermos para isto a ajuda do governo. É possível
derrotar momentaneamente a direita, até mesmo sem a
ajuda do governo. Mas é impossível impor uma derrota estratégica à direita, se
a ação do governo dividir a esquerda e alimentar a direita. Por isto, o 5º
Congresso do PT deve dizer ao governo: que os ricos paguem a conta do ajuste,
que as forças democrático-populares ocupem o lugar que lhes cabe no ministério,
que a presidenta assuma protagonismo na luta contra a direita, contra o “PIG” e
contra a especulação financeira.
A quinta tarefa é mudar
o próprio PT. O Partido que temos não está à altura dos
tempos em que vivemos. Das direções até as bases, é preciso realizar
transformações profundas. Precisamos de um partido para tempos de guerra.
O Partido dos
Trabalhadores precisa compreender que entre as causas profundas da crise está
um impasse político de fundo: nosso sistema político-eleitoral não agrada à
oposição de direita, nem contempla as reivindicações históricas da esquerda de
igualdade de condições nas disputas eleitorais.
A oposição de direita
assistiu às atuais regras do jogo permitirem (ou não impedirem) ao PT vencer
por quatro vezes a disputa para a Presidência da República.
A esquerda assistiu às
atuais regras do jogo permitirem (e estimularem) a formação de maiorias
congressuais de centro-direita, por meio do “abuso de poder econômico” e da
ação dos conglomerados nacionais e regionais de mídia.
A esquerda tenta
resolver este impasse político através de uma reforma política democratizante,
Assembléia Constituinte e participação popular.
A direita tenta resolver
o impasse via reforma política conservadora, judicialização da política e
criminalização da mobilização social.
É neste contexto que
deve ser interpretada a mais recente onda de violência policial-militar contra
a juventude pobre e negra das periferias das grandes cidades e contra os
movimentos sociais, em especial nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e
Bahia. Não se trata de desvio nem de novidade, pois tem sido esta a prática das
PMs desde a Ditadura Militar. Mas sinaliza uma ação organizada de setores da
direita que apostam no extermínio e no fascismo.
É também neste contexto
que deve ser analisada a mobilização de massas do dia 15 de março. Não se trata
de descontentamento “republicano e pacífico”, nem da defesa “legítima” do
impeachment. A mobilização da direita visa criminalizar não só o PT e o
conjunto dos partidos de esquerda, mas também a classe trabalhadora nas suas
mais diversas expressões, organizações e movimentos: os sem-terras, os
sem-tetos, os sindicatos combativos, os grupos e entidades populares etc. Não
pode ser outra a leitura do ódio presente nos atos do dia 15 de março, que
abriram espaço até mesmo para manifestações ostensivas da extrema-direita e
homenagem a um torturador identificado no relatório final da Comissão Nacional
da Verdade.
O impasse político
desgasta a esquerda (que não consegue maioria congressual para implementar
mudanças) e fortalece a direita (que sonha em utilizar a maioria congressual
não apenas para achacar e sabotar o governo, mas também para fazer o
impeachment).
O Partido dos
Trabalhadores defende que a solução para a crise política passa por mais
democracia, não por menos democracia. Por isto reafirmamos nossa defesa da Assembleia
Constituinte, da participação popular e da legitimidade dos processos
eleitorais. Se a oposição de direita quer nos derrotar, que se organize para
disputar as eleições de 2016 e 2018.
Por isto mesmo, o PT
defende tolerância zero com a facção golpista da direita. As articulações
golpistas, especialmente as vindas de militares da ativa ou da reserva e de
meios de comunicação, devem ser tratadas como determina a Constituição e a
legislação nacional.
O Partido dos
Trabalhadores deve compreender, também, por quais motivos setores importantes
da direita –- inclusive lideranças como Aécio Neves, José Serra, Geraldo
Alckmin e Fernando Henrique Cardoso –- flertam abertamente com o discurso e a
perspectiva golpista.
A influência da
extrema-direita decorre de um impasse econômico-social de fundo vivido pelo
Brasil há várias décadas. Assim como 1954 e 1964 não foram por acaso, o que
está ocorrendo agora também não é por acaso.
Toda vez que o Brasil
teve governos que adotaram uma política externa soberana, que garantiram
progressos na qualidade de vida do povo e certa ampliação nas liberdades
democráticas, as classes dominantes reagiram em favor das medidas opostas:
dependência externa, restrições às liberdades, desigualdade social.
Hoje vivemos mais um destes
momentos de definição entre dois caminhos para o Brasil: ou bem regressamos ao
desenvolvimento conservador de viés neoliberal, com dependência externa,
restrições às liberdades democráticas e aprofundamento da desigualdade social;
ou bem avançamos em direção a um desenvolvimento de novo tipo,
democrático-popular e articulado ao socialismo.
O Partido dos
Trabalhadores deve compreender, finalmente, que a conjuntura em que vivemos não
se limita ao Brasil.
As características
fundamentais do atual período internacional são: a) ainda estamos numa etapa de
defensiva estratégia do socialismo; b) e sob uma hegemonia capitalista como
nunca antes na história; c) por isto mesmo, o capitalismo vive uma profunda crise;
d) que por sua vez aguça uma disputa inter-capitalista que vai adquirindo
contornos cada vez mais agressivos; e) o que ajuda a entender a reação
defensiva expressa na formação de blocos regionais.
No caso do continente
americano, há dois projetos de integração regional: de um lado o subordinado
aos Estados Unidos, de outro lado a integração autônoma. Projetos simbolizados,
respectivamente, pela Alca e pela Celac.
A principal base de
apoio da Celac é a Unasul. E a principal base de apoio da Unasul está no tripé
Argentina, Venezuela e Brasil. Três países que neste momento estão imersos em
crises econômicas e políticas.
"A" causa de
fundo da tripla crise é o esgotamento da estratégia seguida, nestes três
países, pelos chamados governos progressistas e de esquerda.
Há várias maneiras de
explicar este esgotamento: a) os limites do reformismo nos países de
capitalismo dependente; b) os limites do progressismo num só país; c) os
limites de quem busca fazer reformas sem mudar as estruturas econômico-sociais
fundamentais; d) os limites de quem tenta melhorar a vida do povo sem fazer
reformas estruturais.
A crise internacional de
2007-2008 acelerou o esgotamento da estratégia seguida no Brasil. Nesse
momento, nosso país é o "elo mais fraco” da corrente de governos
progressistas e de esquerda na região, entre outros motivos porque melhoramos a
vida das classes trabalhadoras, sem elevar de maneira correspondente seus
níveis de politização e organização; mantivemos intacto o oligopólio da mídia;
não colocamos a luta contra os oligopólios empresariais e contra a corrupção
como tarefas permanentes; desde 2002 elegemos o PT na presidência da República
mas um Congresso onde as forças progressistas são minoritárias. Esta
contradição foi agora agravada pelo fato de termos vencido as eleições de 2014
graças à mobilização da esquerda, para logo após o governo implementar um
ajuste fiscal recessivo.
Construir uma Frente Democrática
e Popular
É necessário criar
uma articulação permanente do conjunto das forças políticas, sociais e
culturais que construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014.
Partidos e setores de partidos, movimentos sociais, trabalhadores da cultura e
intelectualidade democrática devem ser convidados a compor uma grande frente
onde possam debater e articular ações comuns, tanto em defesa da democracia
quanto em defesa das reformas democrático-populares.
Nos marcos desta articulação, é necessário relançar
a campanha pela reforma política e pela mídia democrática, contribuindo
para que o governo possa tomar medidas avançadas nestas áreas e para sustentar
a batalha que travaremos a respeito no Congresso Nacional. O PT precisa exercer
mais do que um papel de figurante na luta pela democratização da mídia: deve
engajar e orientar seus quadros e militantes a ajudar na construção das
mobilizações que os movimentos sociais a duras penas têm construído no país nos
últimos anos.
A eleição de Eduardo Cunha para dirigir a Câmara dos Deputados mais
conservadora desde a redemocratização reforça a centralidade da mobilização do
campo democrático-popular por um plebiscito oficial que convoque uma
constituinte exclusiva e soberana do sistema político, sem prejuízo de
avançarmos em medidas imediatas de uma reforma política popular, como a
proibição do financiamento empresarial, o fim das coligações nas eleições
proporcionais, o voto em listas partidárias, a paridade de gênero, a ampliação
dos canais de participação popular, entre outros.
A militância do PT deve ser convocada a participar ativamente da luta pela
reforma política, apoiando as iniciativas do movimento social e do partido,
particularmente a mobilização da campanha do Plebiscito da Constituinte e a
coleta de assinaturas da campanha do PT.
Entretanto, neste
momento é fundamental criarmos um centro de unidade em que as três
principais campanhas pela reforma política que têm presença do campo
democrático-popular -- o Plebiscito Constituinte, a Coalizão e o projeto de
iniciativa popular do PT -- marchem unificadas, preservando suas bandeiras
próprias, mas contra o retrocesso da PEC da contrarreforma e pelo
"Devolve, Gilmar!".
A mobilização da
sociedade será fundamental para impedir mais um retrocesso no nosso sistema
político. Ao mesmo tempo, é o momento oportuno para a presidenta Dilma, os
movimentos sociais e partidos de esquerda resgatarem o programa vitorioso das
urnas, que defendia uma reforma política democrática e a convocação de um
plebiscito oficial para dar voz ao povo nas mudanças do sistema político.
No âmbito desta articulação permanente do conjunto das forças que apoiaram no
segundo turno a reeleição de Dilma, devemos aprovar o engajamento
coletivo nas mobilizações sociais, a exemplo da jornada convocada pela CUT
para abril e a construção do Primeiro de Maio.
Faz-se necessário, também, implementar uma política de comunicação do
campo democrático e popular, iniciando pela construção de uma agência
de notícias, articulada a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação
permanente nas redes sociais, que sirva de retaguarda e de instrumento do campo
democrático-popular na batalha de ideias, tomando como exemplos o papel
cumprido pelo Muda Mais na campanha eleitoral de 2014 e as diversas
experiências semelhantes existentes nas mídias partidárias, sindicais e sociais
de esquerda. Esta agência de notícias deve estar articulada à produção de um jornal diário de massas, criando uma
rede com o conjunto das publicações do campo democrático-popular e integrando
esta ação de comunicação política com o amplo movimento cultural que está em
curso neste país e que foi tão importante no segundo turno. A política de
comunicação de que necessitamos se integra à política de cultura e de educação,
com o objetivo de criar uma cultura de massas orientada por valores
democrático-populares e socialistas, combatendo a crescente ofensiva
conservadora no terreno das ideias.
Finalmente, é preciso compreender que a defesa do governo também exige
mobilização social. Um exemplo disto são as mobilizações em defesa da
Petrobras, do Pré-Sal, do modelo de partilha e da política de conteúdo
nacional, contra os ataques da oposição de direita. Nossa base social, como se
viu no dia 13 de março, responde favoravelmente a esta convocatória, mesmo que
a direção tenha titubeado em sua convocação.
Na articulação
permanente do conjunto das forças políticas, sociais e culturais que
construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014, o PT
defenderá a seguinte plataforma democrática e popular:
a)
Reforma política, através de
uma Constituinte exclusiva seguida de uma consulta oficial à população, para
que esta referende ou não as decisões da Constituinte. Destacamos a luta pelo
fim do financiamento político empresarial, combinado a um combate permanente
contra a corrupção na vida econômica e social, no Estado e nos partidos
políticos;
b) Democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação
das principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;
c) Democracia representativa, democracia
direta e democracia participativa, para que a mobilização e luta social
influencie a ação dos governos, das bancadas e dos partidos políticos. O
governo precisa dar continuidade à participação social na definição e
acompanhamento das políticas públicas e tomar as medidas para reverter a
derrubada da Política Nacional de Participação Social, objeto de decreto
presidencial cancelado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados no dia
28/10/ 2014;
d) Pauta da classe trabalhadora, onde se destacam o fim do fator previdenciário
e a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as
medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/1/2015;
e) Reformas
estruturais, com destaque para a Lei
da Mídia Democrática, a reforma política, as reformas agrária e urbana, a
universalização das políticas de saúde e educação, a defesa dos direitos
humanos e a desmilitarização das Polícias Militares;
f) Salto
na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro,
em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e curriculares no
ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na segurança
pública e no SUS, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso com a
universalização do atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas
correntes brutas da União para a saúde pública;
g) Ampliação
da importância e dos recursos destinados às áreas da comunicação, da educação,
da cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e
sociais precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;
h) Proteção
dos direitos humanos: defender os direitos e a vida das mulheres,
criminalizar a homofobia, enfrentar o racismo e os que buscam criminalizar os
movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da Lei da Anistia de
1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a reforma das polícias e
a urgente desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no combate ao crime só é
superada pela violência genocida contra a juventude negra e pobre das
periferias e favelas;
i) Soberania efetiva sobre as riquezas nacionais,
entre as quais o Pré-Sal, e controle democrático sobre as instituições que
administram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem
compete entre outras missões combater a especulação financeira que está por
detrás das candidaturas da oposição de direita;
j) Política de desenvolvimento de novo tipo,
ambientalmente orientada, articulada com as reformas estruturais (com destaque
para as reformas urbana, agrária e tributária) democráticas e populares e com
nossa luta pelo socialismo.
É a luta por medidas
políticas e diretrizes programáticas desta natureza, amplas, envolventes, de
natureza mais social que institucional, que farão a diferença nos próximos
quatro anos. E que ajudará a construir as condições para a vitória do campo
democrático-popular em 2016 e 2018.
Mudar nossa estratégia
Evidente que os atos
iniciais de um governo não obrigatoriamente determinam seu desfecho. Neste
sentido, é bom lembrar que os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de
Dilma fizeram concessões ao grande capital, à oposição de direita e ao
oligopólio da comunicação. Isto foi especialmente evidente nos períodos em que
o ex-ministro Palocci ocupou posições de destaque, tanto no primeiro mandato de
Lula quanto no primeiro mandato de Dilma.
As concessões feitas ao
grande capital, à oposição de direita e ao oligopólio da comunicação faziam
parte de uma estratégia melhorista, que visava melhorar a vida do
povo através de políticas públicas, não de reformas estruturais.
Esta estratégia melhorista é profundamente diferente da estratégia que o
PT construiu e aplicou nos anos 1980 e em parte dos anos 1990. Naquele período,
a estratégia do PT visava melhorar a vida do povo combinando políticas públicas
e transformações estruturais de natureza democrático-popular, articuladas com a
luta pelo socialismo.
Esta alternativa democrático-popular e socialista negava a conciliação de
classes, considerava que a classe capitalista era nossa inimiga estratégica e
afirmava a necessidade de grandes conflitos e rupturas, em que só teríamos
êxito se soubéssemos combinar atuação partidária, grandes batalhas culturais,
luta social e ação institucional.
Depois das eleições de 1989, frente ao efeito combinado da ofensiva neoliberal
e da “crise do socialismo”, amplos setores do PT abandonaram a estratégia
democrático-popular e socialista, adotando em seu lugar a estratégia
melhorista, primeiro numa versão crítica ao neoliberalismo e defensora de uma
aliança com os setores produtivos do grande capital; e depois na versão
social-liberal da "Carta aos Brasileiros" (2002), que fazia concessões
diretas ao capital financeiro e transnacional. O principal argumento em favor
desta estratégia melhorista sempre foi o da correlação de forças. Acreditava-se
que este caminho seria menos conflituoso e dispensaria rupturas, pois afinal de
contas não estaria em questão fazer transformações estruturais. Pelo mesmo
motivo, ampliou-se ao centro e à direita o nosso arco de alianças e a nossa
ação coletiva foi concentrando-se nas instituições, deixando de lado grande
parte da antiga ênfase acerca do papel estratégico da vida partidária, da luta
social e da batalha cultural.
A história dos últimos
12 anos, entretanto, revela que enquanto a esquerda moderava sua estratégia, os
setores hegemônicos da direita e do grande capital radicalizaram sua oposição.
Para tais setores, trata-se de impedir que o povo melhore de vida
por ação do Estado. E, por isso, quando nosso governo introduz
políticas públicas vigentes em países da Europa, aqueles setores da direita e
do grande capital reagem como se estivéssemos promovendo uma revolução
socialista. Demonstrando algo que o PT dizia nos anos 1980: a conciliação de
classes servia ao pacto das elites, não aos interesses democráticos e
populares.
Para os setores
hegemônicos da direita e do grande capital, pouco importa o que façamos, importa
quem somos, o que expressamos como projeto de sociedade. Por isto,
trabalham para destruir o PT e o conjunto da esquerda. Neste contexto, insistir
numa estratégia que a realidade vem superando, não é apenas um erro: é
um suicídio.
Implementar, mesmo que
parcialmente, o programa dos derrotados na eleição contribui para confundir,
desorganizar e dispersar as forças que venceram as eleições presidenciais de
2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela oposição de direita
e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear eventuais
tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente favorável
aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.
Por isto precisamos
mudar a estratégia.
A política adotada pelo
PT em sua primeira década de existência, especialmente a partir do 5º Encontro
Nacional (1986), foi baseada no programa democrático-popular e socialista e
numa estratégia que articulava luta social, luta institucional, disputa
politico-cultural e organização partidária.
Entretanto, depois da
derrota sofrida nas eleições de 1989, um setor importante do Partido entendeu
que era necessário mudar de programa e de estratégia.
Houve resistências e uma
intensa luta interna entre 1990 e 1995. A partir de então e até 2005, houve uma
expressiva maioria no Diretório Nacional e nos diretórios estaduais a favor de
um novo programa e de uma nova estratégia.
A partir de 1995, o
objetivo programático do Partido, que até então era derrotar o capitalismo e
construir o socialismo, foi colocado (de fato) em segundo plano. O
objetivo programático do Partido passou a ser (de fato) derrotar o
neoliberalismo, o que implicava não mais iniciar uma transição socialista mas
sim administrar um capitalismo não-neoliberal.
Isso significou, na
prática, que embora o socialismo tenha continuado de direito nosso
objetivo programático, foi convertido num “horizonte”, que como já se disse, se
afasta na exata proporção em que dele nos aproximamos. E como o caminho é longo
e cheio de pedras, ao perseguir este horizonte supostamente inatingível alguns
começaram a dizer que o socialismo na verdade seria democracia + bem estar
social + economia de mercado.
À medida que o objetivo
programático passou a ser derrotar o neoliberalismo, setores do grande capital
passaram a ser considerados aliados estratégicos. Em função disto, passamos a
realizar cada vez mais alianças com partidos de centro e direita, que
expressavam exatamente os interesses daqueles setores da burguesia.
Como o grande capital
brasileiro é hegemonizado pelo setor financeiro e monopolista, setores do
Partido passaram a defender e a praticar alianças com estes setores, ou seja,
exatamente com os setores beneficiários e interessados no neoliberalismo que
supostamente se pretendia derrotar. E, em consequência disto, começaram a
propor e a realizar alianças inclusive com o PSDB.
A mudança no objetivo
programático e nas alianças foi acompanhada por mudanças na política de acúmulo
de forças e de conquista/construção do poder.
Até 1995, nosso caminho
para o poder incluía participar das eleições e exercer mandatos. Mas a luta
institucional era um dos meios, não o único meio e nunca o fim. A luta
institucional era considerada parte de uma estratégia que incluía também a luta
e organização social, a construção de uma aliança orgânica entre as forças
democrático-populares, a disputa ideológica, cultural, de visões de mundo, bem
como a organização do próprio PT como partido de massas.
Mas ao longo dos anos
1990, especialmente a partir de 1995, a luta institucional foi progressivamente
se tornando "a" estratégia, que subordinava e na prática às vezes
substituía os demais aspectos.
A mudança no objetivo
programático, na política de alianças, na política de acúmulo de forças, na via
de conquista/construção do poder não impediram a nossa vitória nas eleições
presidenciais de 2002. Aquelas mudanças estratégicas tampouco impediram que
nossos governos federais, estaduais e municipais melhorassem a vida do povo.
Mas com o passar do
tempo foi ficando cada vez mais claro que a estratégia adotada entre 1995 e
2005, além de não conduzir ao socialismo, possuía também "defeitos de
fabricação" que impediam atingir seus próprios objetivos.
Afinal, para continuar
melhorando a vida do povo, ampliando a democracia e a soberania nacional, é
preciso fazer reformas estruturais. Na ausência de reformas estruturais, a
tendência é o retrocesso nas condições de vida do povo e a retomada de uma
hegemonia de tipo neoliberal.
E para fazer reformas
estruturais, necessitamos de força política e social, já que tais reformas de
caráter democrático-popular contrariarão os interesses das classes dominantes
no plano nacional e internacional.
Por outro lado, chegamos
ao governo, mas não conquistamos o poder. E aqueles setores políticos e sociais
que detêm o poder estão cada vez mais ameaçando nossa continuidade no governo,
como fica claro ao compararmos os resultados das eleições presidenciais desde
2002 até 2014.
Acontece que a
estratégia adotada pelo PT desde 1995 visava e visa conquistar o governo e
mudar as ações de governo. Não é e nunca foi uma estratégia de poder, de
disputa de hegemonia e ampliação do apoio político e social para o Partido, de
reformas estruturais. Por isto, seguir adotando esta estratégia nos levará, na
prática, inapelavelmente, a administrar o retrocesso do que fizemos desde 2002
e ajudar em nossa própria derrota, nas eleições e/ou fora delas.
Noutra palavras: a
estratégia majoritária no PT entre 1995 e 2005 nos trouxe até certo ponto.
Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra estratégia, talvez não.
Independentemente disto, para seguir adiante nosso Partido precisa construir
outra estratégia.
Uma estratégia que
reconheça que só é possível continuar melhorando a vida do povo se fizermos
reformas estruturais. Que construa as condições políticas para fazer reformas
estruturais. Que recoloque o socialismo como objetivo estratégico. Que constate
que o grande capital é nosso inimigo estratégico. Que não acredite nos partidos
de centro-direita como aliados. Que seja baseada na articulação entre luta
social, luta institucional, luta cultural e organização partidária. Que retome
a necessidade do partido dirigente e da organização do campo
democrático-popular.
Em 2005 já havia ficado
clara a necessidade desta nova estratégia. Mas o que resultou do PED daquele
ano foi a eleição de uma nova direção partidária comprometida com algumas
mudanças na implementação da estratégia, mas não comprometida com a adoção de
uma nova estratégia.
Embora limitadas, as
mudanças realizadas entre 2006 e 2010 melhoraram o ambiente no Partido,
contribuíram para que o governo Lula fizesse uma inflexão à esquerda e nos
permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia
continuou a mesma. Aliás, alguns setores interpretaram os resultados positivos
da inflexão iniciada em 2005 como demonstração de que não era necessário mudar
de estratégia.
As consequências deste
erro ficaram claras em junho de 2013, nas eleições de 2014 e neste início do
segundo mandato de Dilma. Ao não mudar a estratégia, enfrentamos seus efeitos
colaterais. Ao não mudar a estratégia no momento adequado, somos obrigados a
tentar a alteração quando é mais difícil fazê-lo.
É importante lembrar, a
respeito, que no PED de 2013 alguns setores do PT se recusaram a fazer qualquer
debate político estratégico. Hoje estamos pagando o preço por isto.
Embora o estilo
predominante no atual governo possa agravar as coisas, os impasses estratégicos
atuais não decorrem principalmente das ações (e inações) da presidenta Dilma.
As escolhas estratégicas feitas pelo PT, ou pela maioria do Partido, foram
anteriores ao ingresso de Dilma no Partido. E as opções feitas pelo governo
neste primeiro bimestre de 2015 têm a mesma genética das opções feitas por Lula
no biênio 2003-2004.
A diferença é que as
condições da luta de classe mudaram completamente. O cenário internacional foi
alterado, o grande capital mudou de atitude, os setores médios e parcelas
crescentes da classe trabalhadora também mudaram sua atitude frente ao nosso PT
e aos governos que encabeçamos. Ou seja: se é verdade que a atual estratégia
oferecia seus ônus e seus bônus, agora os bônus estão desaparecendo e os ônus
agigantaram-se.
Para construir uma saída
para esta situação, para convencer a maioria da classe trabalhadora brasileira
de que entramos numa fase em que será necessária outra estratégia, é preciso
convencer em primeiro lugar o nosso próprio Partido.
Convencer a nós mesmos,
ao PT, de que precisamos sair da situação atual, em que buscamos melhorar as
condições de vida do povo nos marcos do capitalismo, para uma nova situação, em
que melhoraremos as condições de vida do povo através de reformas
estruturais democrático-populares e de medidas de tipo socialista.
Só retomaremos a
condição de partido hegemônico no governo, se nos dispusermos a
conquistar/construir as condições para sermos partido hegemônico no poder de
Estado.
Quando defendemos a
necessidade de realizar reformas estruturais, de resolver os problemas na raiz,
portanto de radicalizar, é comum sermos contestados da seguinte forma: a
correlação de forças é pior hoje do que em 2003. Se então não radicalizamos,
como fazê-lo com êxito nas condições atuais?
Nossa resposta é: não
desconhecemos as condições difíceis, sabemos os riscos envolvidos e ninguém
pode garantir êxito.
Mas estamos naquela
situação em que uma política recuada é mais arriscada do que uma política
ousada. Dito de outra forma: quando nossos inimigos estão recuados, temem a
nossa força e estão dispostos a fazer acordos, os acordos podem até trazer
alguns benefícios. Mas quando os inimigos estão em plena ofensiva, buscando
efetivamente nos liquidar, os acordos e recuos geralmente têm como resultado
fortalecê-los ainda mais e facilitar esse objetivo, ao tempo que confundem e desmoralizam
nosso lado.
Evidentemente, uma
política ousada só terá êxito se basear-se nas condições potenciais de
mobilização, organização e consciência das classes trabalhadoras. O segundo
turno das eleições de 2014 mostrou que é perfeitamente possível sair de
armadilhas políticas, convocando a imensa energia social que temos acumulada. E
o início do segundo mandato demonstra que desconhecer esta energia acumulada e
adotar como regra fazer concessões aos inimigos tem como resultado perder
apoios e reforçar ódios (como demonstram recentes pesquisas).
Alterar a linha do
governo, rumo a um segundo mandato superior
A vitória de Dilma
Rousseff nas eleições presidenciais de 2014 foi a vitória daqueles que defendem
combinar desenvolvimento com democracia, bem estar social, soberania nacional e
integração regional.
Contudo, a vitória de
Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso nacional mais
conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição de
governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes.
Derrotamos o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010 o campo conservador
esteve tão perto de recuperar a Presidência.
Tomado de conjunto,
considerando em particular o quadro econômico nacional e internacional, o cenário
pós-eleitoral é bastante difícil. A este quadro soma-se a chamada Operação Lava
Jato, não apenas por seus efeitos políticos e midiáticos, mas também por seu
impacto sobre a Petrobrás, sobre outras empresas e sobre o conjunto da
economia.
Em síntese: nas eleições
presidenciais de 2014, impedimos o retrocesso que seria causado por uma vitória
da oposição de direita, mas não criamos as condições institucionais necessárias
para fazer um segundo mandato superior.
Os derrotados na eleição
presidencial perceberam isto desde o primeiro momento. Questionaram formalmente
o resultado, inclusive propondo uma “recontagem” de votos. Estimularam e
participaram de manifestações nas quais setores de ultra-direita pediram por
uma ditadura militar, além de exibirem fartamente um criminoso comportamento
homofóbico, racista e sexista. Não escondem sua disposição de sabotar e até
mesmo interromper o mandato presidencial que ora se inicia. Mantêm intensa
pressão política e midiática em favor da aplicação do programa derrotado nas
urnas.
Frente a tudo isto, o
governo da presidenta Dilma Rousseff teria três opções fundamentais.
A primeira
opção seria aplicar integral e imediatamente o programa
vitorioso no segundo turno da campanha presidencial.
Esta hipótese, para ser
exequível e exitosa, dependeria do governo, do PT e de seus aliados na esquerda
partidária e social superarem também integral e imediatamente seus atuais
déficits de organização, mobilização e consciência. O que teria como
pressuposto a adoção de outra estratégia, não apenas por parte do Partido e
aliados de esquerda, mas também por parte da própria presidenta.
A segunda opção
seria fazer mediações entre o programa vitorioso nas
eleições presidenciais, as debilidades do campo popular, o poderio demonstrado
pela oposição de direita, os níveis de infidelidade na chamada base de governo
e as circunstâncias difíceis deste início de mandato.
Nesta hipótese, o
governo iniciaria a aplicação do programa vitorioso nas eleições, mas num ritmo
que permitiria ao próprio governo, ao PT e aos seus aliados na esquerda
partidária e social superar seus atuais déficits de organização, mobilização e
consciência. Portanto, as mediações visariam ganhar
tempo, tempo necessário à criação das condições para transitar da atual estratégia
(baseada em melhorar a vida do povo através de políticas públicas)
para outra estratégia (baseada em transformar a vida do povo através
da combinação entre políticas públicas e reformas estruturais).
A terceira opção
seria fazer concessões programáticas aos que perderam a
eleição.
Quando falamos de concessões
programáticas, não nos referimos principalmente à composição do
ministério. Afinal, dada a política de alianças e o resultado eleitoral, era
previsível que o ministério do segundo mandato Dilma incluiria personagens
incompatíveis com um programa democrático-popular, com reformas estruturais,
com transformações mais profundas, como aliás tem sido até aqui.
Quando falamos de
concessões programáticas, tampouco nos referimos a aspectos do
programa. Pelos mesmos motivos citados no ponto acima, é óbvio que no conjunto
das ações do segundo mandato Dilma haveria iniciativas do interesse de aliados
de direita e de setores do grande capital.
Quando nos referimos a
concessões programáticas, nos referimos a adoção de uma política
econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas. Falamos,
portanto, de um tipo de concessão que contamina todo o
governo, todas as políticas públicas, o conjunto da economia, da sociedade e da
política brasileira.
A presidenta Dilma
Rousseff escolheu esta terceira opção.
O ajuste fiscal
implementado pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa vai provocar
recessão. A lógica de cortar “despesas” trabalhistas (MPs 664 e 665) e aumentar
juros beneficia o setor financeiro e seus sócios, em detrimento do restante da
sociedade.
Um país que crescia
pouco ou não crescia, necessitava de outro tipo de “ajuste fiscal”. O Brasil
necessitava e segue necessitando de um “ajuste fiscal” que transfira recursos
da especulação para a produção, da minoria rica para a maioria trabalhadora. Só
desta forma será possível combinar a recomposição da indústria – sem a qual não
há crescimento nem desenvolvimento – com a ampliação do bem estar social.
A opção pelo ajuste fiscal através de medidas recessivas não é novidade no
Brasil. Agora, como nos 1980 e 1990, seus defensores argumentam que reduzindo
os ganhos dos trabalhadores, espera-se que os capitalistas se vejam estimulados
a investir. Com isso a economia voltaria a crescer e no final "todos ganhariam",
ainda que alguns mais do que os outros.
Todos sabemos quais foram os efeitos deste "modelo" nos anos 1980 e
1990, no Brasil. E todos estamos vendo sua aplicação produzir um desastre
político e social em parte da Europa.
Evidente que Nelson Barbosa e Joaquim Levy são obrigados, ao implementar este
"modelo", a levar em consideração certos limites impostos pela
presidenta, que assumiu compromissos públicos no processo eleitoral, não apenas
com seus eleitores, mas com a tão citada nação brasileira.
Entretanto, os seguidos
aumentos da taxa de juros; o veto ao reajuste da tabela do IR; as alterações
previstas nas MP 664 e 665; a decisão de não vetar o artigo 143 da Medida
Provisória 656/2014, que permite investimentos estrangeiros nos serviços de saúde;
e a proposta de abertura do capital da Caixa Econômica Federal (que felizmente
parece ter sido deixada de lado) revelam que os limites impostos pela
presidenta tendem a ser atropelados pela lógica global das medidas.
A opção por uma política
econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas está tornando a
situação mais perigosa do que já era: a) uma conjuntura por si já extremamente
complexa; b) os efeitos das medidas recessivas citadas; c) uma oposição que
continua belicosa, estimulada por d) uma mídia que interpreta as medidas do
governo como prova de que tinham razão no debate eleitoral; e) demandas
políticas e sociais pendentes, especialmente de políticas urbanas e agrárias;
f) importantes movimentos sociais – com destaque para a CUT e outras centrais
sindicais – convocando mobilizações contra as medidas do governo; g) dúvidas,
confusão e conflitos em segmentos crescentes da base eleitoral, social e
militante que elegeu a presidenta Dilma.
Todos sabíamos que o
segundo mandato Dilma Rousseff seria um governo em disputa, como foram os dois
mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma. Portanto, estava óbvio que
seria necessária forte mobilização, tanto para apoiar o governo contra a
direita e o grande capital, quanto para enfrentar determinadas políticas
resultantes de um governo de coalizão – o que nos obrigaria a reforçar o PT e a
construir uma frente orgânica com os aliados da esquerda partidária e social,
em defesa das reformas estruturais.
Mas a opção por
uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas
recessivas ameaça mudar perigosamente os termos da equação. Pois
uma coisa é mobilizar contra aspectos da política do
governo, ao mesmo tempo que se concorda com o fundamental; e outra coisa
profundamente diferente é mobilizar contra aspectos fundamentais da política do
governo, contra concessões programáticas centrais que o governo faz ao grande
capital e à direita.
Noutras palavras: a
opção feita pela presidenta Dilma Rousseff, a favor de uma política econômica
de ajuste fiscal através de medidas recessivas coloca o Partido dos
Trabalhadores e o conjunto da esquerda que nos ajudou a vencer as eleições de
2014 frente a uma encruzilhada extremamente perigosa e totalmente
desnecessária.
A preocupação é
reforçada pela matemática da política. Ocorre que não
atuamos na correlação de forças de 2002, 2006 ou 2010. Estamos nos marcos da
correlação de forças de 2014, o que significa dizer que relativamente pequenas
defecções em nossa base podem nos levar a uma derrota global.
Não se trata de atribuir
ao governo estrito senso a solução dos problemas estratégicos, como se estes
fossem resolvidos através de atos administrativos como a substituição de
ministros, embora isto também deva ser feito, especialmente nas áreas da
Fazenda, Cidades e Agricultura.
Entretanto, há problemas
cuja solução depende no fundamental de políticas de governo. Entre estas
destacamos três: mudar a política econômica, democratizar a comunicação e
realizar a reforma política.
Uma das condições de
êxito de nosso projeto é a retomada do crescimento econômico, com ênfase no
fortalecimento da capacidade industrial do Brasil.
Trata-se de reverter
o quadro de desindustrialização e desnacionalização, construindo uma forte
cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos,
para induzir o crescimento a partir de uma perspectiva de desenvolvimento
democrático e popular.
Em termos práticos, isso demanda: 1) redução nas taxas de juros, para estimular
investimentos produtivos; 2) taxas de câmbio administradas, que elevem a
competividade dos manufaturados brasileiros no mercado internacional e não
prejudiquem a importação de bens de capital para a indústria; 3) reforma
tributária que taxe fortemente o capital entesourado e as heranças, estimule o
capital produtivo e desonere os rendimentos do trabalho; 4) aplicação
firme das leis contra a formação de cartéis, oligopólios e monopólios e contra
as ações corruptoras dessas corporações; 5) criação de empresas estatais
que induzam os setores privados, principalmente médios e pequenos, a produzir
ciência, tecnologia e inovação, adensar as cadeias produtivas nacionais e
realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola; 6) ampliar
a produção de alimentos, através de mudanças na política agrícola e na
estrutura agrária; 7) melhorar as condições de vida da maior parte da
sociedade, especialmente fortalecendo econômica, política e culturalmente a
classe trabalhadora assalariada.
A história demonstra
que, nos momentos de crise como os que vivemos, é o Estado que deve tomar a
iniciativa de comandar o processo de manutenção e ampliação dos investimentos
necessários. Motivo pelo qual reafirmamos nossa defesa do caráter público da
Caixa Econômica Federal e nossa exigência por uma redução expressiva e imediata
da taxa de juros.
Nos últimos anos, o governo brasileiro esforçou-se para impedir que o impacto
da crise internacional atingisse os setores populares. Isto teve um alto custo
fiscal, criando dificuldades orçamentárias neste início do segundo mandato Dilma
Rousseff. Estas dificuldades fiscais devem ser enfrentadas, principalmente,
através da redução da taxa de juros, do imposto sobre as grandes fortunas, da
revisão de subsídios e isenções, da progressividade no imposto de renda e das
demais medidas tributárias que façam os ricos e corruptores deste
país pagarem a conta necessária para superar a crise e retomar o crescimento.
Além disso, coerente com
o compromisso firmado pela presidenta Dilma Rousseff durante a campanha
eleitoral, de manutenção dos direitos sociais e trabalhistas, o Governo deve
retirar as MPs 664 e 665.
A mudança na política econômica – entendendo por isto abandonar a lógica do
ajuste fiscal recessivo e trilhar o caminho da industrialização com soberania
nacional e sustentabilidade ambiental – exigirá uma imensa batalha política.
Este momento de crise exige e é propício para um salto qualitativo no modelo de
desenvolvimento nacional, com ênfase na inovação e na sustentabilidade. Por
exemplo: o planejamento de longo prazo, inclusive no que diz respeito aos
serviços ambientais no meio urbano e rural, articulados num programa de
desenvolvimento sustentável, é a saída para enfrentar o ciclo recessivo e a
“crise hídrica” causada não pela natureza, mas pela ação e inação de governos
como o de São Paulo.
Um programa socioambiental federal para preservação dos solos, das águas, do
clima e da biodiversidade, construído no mesmo espírito de urgência e
solidariedade que orientou o Mais Médicos, repercutirá na economia, geração de
renda e qualidade de vida para toda população. Sanear, reciclar, implantar
energias limpas e com menos dependência de combustíveis fósseis, reduzir
desmatamentos e emissões de carbono mitigará os efeitos das crises relacionadas
às mudanças climáticas e terá impacto sobre os custos financeiros de outros
serviços públicos, como a saúde, por exemplo. Evidentemente isso implica em
subverter a timidez das políticas do Ministério do Meio Ambiente, bem como o
redirecionamento das políticas do conjunto nas diversas pastas do governo com o
mesmo foco. Uma política global de Estado que supere a usual compartimentação,
favoreça e estimule o cumprimento dos Acordos internacionais sobre este
tema.
Aos céticos quanto à uma guinada de tal envergadura, há que se responder que se
o governo foi capaz de mover-se em direção ao programa adversário, poderá
fazê-lo no sentido inverso, se estiver convencido de que disto dependerá não
apenas sua capacidade de sobrevivência política, mas principalmente os destinos
do Brasil.
Nossas chances maiores
ou menores de êxito nesta batalha dependem de alterações imediatas na política
de comunicação. Quando fala de Pátria Educadora – sem entrar no mérito do
nome utilizado ou das concepções pedagógicas envolvidas – a presidenta Dilma de
fato enfatiza a formação da mão de obra. Sem reduzir em nenhum momento a
importância da elevação do nível educacional técnico e profissional do conjunto
da população brasileira, entendemos que é necessário abordar de outra forma o
problema.
Não haverá mudança
social profunda no Brasil, se isto não for acompanhado por uma mudança cultural
na visão de mundo da maioria da população brasileira. Necessitamos tornar
hegemônicos os valores democráticos, populares e socialistas. Mas o que temos
assistido desde 2003 é uma reação das ideias conservadoras em todos os
terrenos. Isto se deve, em parte, ao fato de que não houve nenhuma mudança
estrutural no terreno da cultura, da educação e da comunicação. Ao contrário: o
grande capital e a direita não apenas mantiveram como ampliaram sua ofensiva em
cada um destes terrenos.
Cabe, em parte, ao
governo alterar esta situação. No terreno da Cultura, trata-se em primeiro
lugar de superar o modelo baseado na Lei Rouanet. No terreno da Educação, de
combinar a ampliação de vagas com o fortalecimento do setor público, a
valorização do profissional da educação e a mudança no projeto pedagógico. No
terreno da comunicação, trata de apoiar a aprovação da Lei da Mídia Democrática
e implementar as principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação
de 2009.
A democratização das
comunicações favorece a produção e veiculação livre de conteúdos independentes.
A regulamentação e o controle social da mídia reduzem a manipulação das
notícias. Por isso as empresas de comunicação que dominam o mercado têm reagido
atacando o governo. Este, por sua vez, evoluiu de uma posição liberal -- que
confiava no "controle remoto" -- para a defesa da regulação
econômica, que pode levar à quebra do oligopólio.
Entretanto, é preciso ir
além e rápido: mudar o conjunto da política de publicidade; apoiar a mídia
democrática; e adotar uma postura ofensiva, da parte do governo, na comunicação
com a sociedade.
O PIG tenta desqualificar as propostas de controle social da mídia como se
fossem censura, parte de uma manobra para encobrir escândalos de corrupção. As
empresas que atuam na área tentam aparecer como campeões da “liberdade de
expressão”, não apenas para disfarçar suas manipulações, leviandades e
calúnias, mas principalmente para ocultar o fato de que oligopólio é quem
pratica a censura. Por tudo isto, a comunicação governamental não pode
continuar sendo um assunto de agências publicitárias. Para defender com êxito o
governo, é preciso que o próprio governo se defenda adequadamente.
O centro da questão está
em entender que o governo é uma instituição política, não apenas
administrativa. Este é, aliás, o único aspecto racional do ataque que a direita
faz contra o chamado e mal denominado bolivarianismo.
Em outros governos
progressistas e de esquerda latino-americanos, compreende-se claramente que o
papel do governo é não apenas administrar, é também liderar politicamente. Já
em setores da esquerda brasileira, prevalece uma visão administrativista e
tecnocrática.
As manifestações massivas de 2013 levaram a presidenta Dilma a defender a
necessidade de uma profunda reforma política. O tema voltou a ser defendido na
campanha eleitoral e no discurso de posse da presidenta, apontando como pontos
centrais as formas de financiamento das campanhas eleitorais, as regras
eleitorais e os mecanismos de interlocução com a sociedade e os movimentos
sociais. Mas há um visível recuo na defesa da Constituinte e do Plebiscito. Não
há compromisso com a defesa explícita do fim do financiamento empresarial, do
voto em lista, do fim das coligações proporcionais, da paridade de gênero etc.
Se o governo não
impulsionar com firmeza a mobilização em favor destas mudanças concretas,
restará apenas o protagonismo dos partidos e movimentos democrático-populares
para se contrapor ao "protagonismo" do Congresso, com o risco de ser
aprovada uma contrarreforma conservadora, a exemplo do “distritão” do PMDB.
Atualmente, os principais projetos ou campanhas que tratam da reforma
política são os seguintes:
* PDL 1508/2013 - projeto de decreto legislativo apresentado pela campanha
do Plebiscito da Constituinte e subscrito por mais de um terço dos deputados na
Câmara. Também foi protocolado outro projeto com o mesmo teor no Senado
Federal. Dispõe sobre a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta
do plebiscito popular de setembro de 2014: “Você é a favor de uma
constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”
*PEC 352/13 - proposta
de emenda constitucional elaborada pelo GT da Câmara dos Deputados, cujo
relator foi o ex-deputado Cândido Vaccarezza. Foi retomada por Eduardo Cunha
nas últimas semanas e constitucionaliza o financiamento empresarial da
política, uma modalidade de voto distrital, o voto facultativo, o fim da
reeleição para cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os
níveis, a criação de cláusula de barreira, a unificação do prazo mínimo de
filiação para a elegibilidade em seis meses, entre outros retrocessos.
*Formulário do
abaixo-assinado do projeto de iniciativa popular de reforma política do PT.
Consta os quatro principais pontos defendidos pelo partido: 1)
financiamento público exclusivo de campanhas políticas; 2) Voto em lista
preordenada para os parlamentos; 3) Aumento compulsório
da participação feminina nas candidaturas; 4) Convocação de Assembleia Constituinte
exclusiva sobre Reforma Política.
*Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 4650), de iniciativa da OAB, questiona o
financiamento de empresas aos partidos políticos e nas campanhas eleitorais. Já
reúne maioria de 6 votos a 1 a favor da proibição do financiamento empresarial,
mas desde abril de 2014 o ministro Gilmar Mendes pediu vistas da ação e não
devolve para terminar o julgamento.
*Projeto de Lei da
Coalização pela reforma política democrática e eleições limpas (PL 6316/13).
Impulsionada pela OAB, CNBB e outros movimentos, tem como principais eixos: 1)
"financiamento democrático" de campanha (proibição da doação
empresarial e doação de pessoa física em até R$ 700); 2) Eleição proporcional
em dois turnos (1º no partido, depois no candidato); 3) Paridade de gênero na
lista pré-ordenada e 4) ampliação dos instrumentos de democracia direta.
Desde a eleição de
Eduardo Cunha, estamos sofrendo uma ofensiva da direita no debate da reforma
política. Na verdade, a direita mudou de tática sobre o tema. Se antes
atuava para impedir a aprovação dos projetos da esquerda no Congresso Nacional,
agora quer aprovar sua própria proposta de reforma política.
Como um de seus
primeiros atos, o novo presidente da Câmara submeteu e o plenário da
Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional 352/13, a
PEC Vaccarezza/Henrique Alves, que estava até então na Comissão da Constituição
e Justiça.
Desde 2013, o PT e a sua
bancada têm posição contrária à PEC por considerá-la uma contrarreforma política.
Para incidir nas
próximas eleições, a direita trabalha com a meta de aprovar a contrarreforma no
Congresso até o final de setembro e atua em jogo combinado com o ministro do
STF Gilmar Mendes, que segura há 11 meses uma Ação de Inconstitucionalidade
(ADI 4650) de iniciativa da OAB que proíbe o financiamento empresarial.
No STF, a ação já
alcançou a maioria de 6 a 1 favorável à proibição. No entanto, se a PEC da
contrarreforma for aprovada neste meio tempo, constitucionalizando o
financiamento empresarial, corremos o risco da ação ser prejudicada. Daí
a importância do movimento “Devolve, Gilmar”.
Como já dissemos, a
vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso nacional
mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição de
governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes.
A oposição de direita
pretende aprofundar sua hegemonia institucional, nas eleições municipais de
2016 e nas eleições gerais de 2018.
Frente a isto, o Partido
deve abandonar o discurso de que “a oposição não aceita que a eleição acabou” e
adotar um discurso que explique ao povo brasileiro o que está em jogo, a
importância de se organizar nos movimentos populares e instrumentos de luta dos
trabalhadores e das trabalhadoras e de apoiar os governos e parlamentares
vinculados à esquerda, a necessidade de pressionar os parlamentos e governos de
direita e a inevitabilidade de novos confrontos eleitorais em 2016 e 2018.
A atenção dedicada pelo
PT aos rumos do governo Dilma Rousseff não pode nos levar a deixar de lado o
acompanhamento dos governos estaduais e municipais, com destaque para aqueles
encabeçados pela esquerda, especialmente pelo PT.
Neste contexto,
ressaltamos a importância do governo de Minas Gerais no desmascaramento do modo
tucano de governar.
Também neste contexto,
manifestamos nosso repúdio à chacina ocorrida recentemente em Salvador, Bahia,
praticada por policiais militares, frente a qual nosso governador adotou uma
postura absolutamente tradicional, que banaliza a guerra que está sendo
praticada contra a juventude negra e pobre. Para além do conteúdo, certas
declarações feitas pelo governador – comparando os PMs a jogadores de futebol –
foram de uma infelicidade atroz. Ao mesmo tempo que nos somamos aos que
protestaram, exigindo investigação e punição, reafirmamos nossa defesa da
desmilitarização das Polícias Militares. E cobramos um posicionamento do
conjunto do PT e da área de direitos humanos do governo federal.
Manifestamos, ainda, a
necessidade de apoiar o governo estadual do Maranhão, no desmonte da oligarquia
Sarney.
Finalmente, ressaltamos
a importância do êxito da gestão encabeçada por Fernando Haddad na prefeitura
de São Paulo. Neste sentido, é preciso impedir que se repitam – agora e em 2016
– os erros táticos que nos levaram a uma derrota nas eleições de 2014 em SP.
Embora a tática
eleitoral em 2016 tenha aspectos locais, cabe ao Partido definir os parâmetros
nacionais do processo, em torno das seguintes diretrizes: apoio ao governo
Dilma, defesa de uma plataforma de aprofundamento das mudanças e prioridade
para os partidos de esquerda nas alianças.
É necessário, também, o
acompanhamento dos governos municipais e estaduais vinculados à oposição.
Um exemplo da tática
frente aos governos de direita é a mobilização ocorrida no Paraná,
contra as políticas neoliberais de desmonte do Estado, de precarização dos
serviços públicos e de cortes nos direitos de servidores, promovidas pelo
governador tucano Beto Richa.
Um contraexemplo é a
ausência do PT (até o momento em que escrevemos este texto) em mobilizações
frente ao descalabro hídrico causado pelo governo tucano de Alckmin.
Para além dos governos,
é preciso atenção para os parlamentos, com destaque para o Congresso Nacional.
O resultado da eleição
da presidência da Câmara dos Deputados confirma a predominância do
conservadorismo e do fisiologismo entre os parlamentares eleitos em 2014.
A vantagem obtida por
Eduardo Cunha, vitorioso no primeiro turno com 267 dos 513 deputados, demonstra
a necessidade de outro tipo de governabilidade, que não se iluda com a chamada
"base do governo".
Neste congresso
conservador e sob a presidência de Eduardo Cunha, temas como a reforma
política, a lei da mídia democrática, a punição dos crimes da ditadura militar,
o combate à corrupção e mesmo a cassação do deputado Jair Bolsonaro só terão
chance de êxito se houver intensa pressão social.
Neste contexto, setores
do Partido defendiam uma composição com a candidatura de Eduardo Cunha. E
criticam a opção feita pela bancada, de lançar a candidatura de Arlindo
Chinaglia. Os defensores desta proposta seguem não entendendo o quadro político
brasileiro e a necessidade de mudar de tática e de estratégia. Continuam
acreditando que mais vale um péssimo acordo do que uma boa briga.
A bancada do PT na
Câmara dos Deputados agiu corretamente. Poderíamos ter vencido, se a composição
do ministério e a atitude do conjunto do governo tivesse sido outra. Mas
sabíamos, desde o princípio, que era grande a chance de derrota. E ainda assim
era fundamental ter candidatura. Em primeiro lugar porque são nulas as chances
de composição com o que Eduardo Cunha representa, salvo ao preço da
descaracterização mais abjeta do PT. Em segundo lugar, por demonstrar quem
efetivamente combate as práticas fisiológicas, corruptas e antipopulares. Em
terceiro lugar, para sinalizar aos setores democráticos da sociedade e do
próprio Congresso Nacional a necessidade de uma nova tática, seja para combater
as tentativas de retrocesso – com destaque para a contrarreforma política – que
o novo presidente da Câmara dos Deputados busca implementar, seja para lutar
por nossa plataforma democrática e popular.
O quadro no Senado tampouco é tranquilo. Sem
mobilização social, a força da direita na institucionalidade não apenas
sufocará qualquer chance de aprofundar as mudanças no país, como provocará
retrocessos.
Mudar o PT: um partido
para tempos de guerra
A experiência histórica,
tanto nacional quanto internacional, vem demonstrando que a continuidade do
capitalismo implica em sofrimentos cada vez mais intensos e em crises cada vez
mais perigosas para a imensa maioria da população de nosso planeta.
Por outro lado, este
mesmo capitalismo criou as bases para a construção de outro tipo de sociedade,
uma sociedade baseada na produção coletiva e na propriedade social dos meios de
produção, uma sociedade onde os trabalhadores e as trabalhadoras decidam
democraticamente o quê produzir, como produzir e como distribuir as riquezas,
superando a opressão e a exploração presentes onde existe a divisão da
sociedade em classes, bem como criando as condições sociais indispensáveis à
superação de outras formas de opressão e exploração.
A experiência histórica
também demonstrou as imensas dificuldades e riscos que se colocam para aqueles
que pretendem superar o capitalismo e realizar uma transição socialista. Por
isto, devemos combinar de forma permanente a luta contra o capitalismo com o
estudo do capitalismo, a luta pelo socialismo com o estudo das tentativas de
construção do socialismo.
Deste estudo, há três
ideias que se destacam. A primeira delas é que a superação do capitalismo
depende da luta das classes trabalhadoras. A segunda delas é que, existindo as
necessárias condições objetivas, o êxito desta luta depende fundamentalmente do
grau de consciência, organização e mobilização da classe trabalhadora
assalariada – ou seja, daquela classe que é diretamente explorada pelos
capitalistas. A terceira é que a luta socialista supõe diferentes formas de
organização, de luta e de mobilização, bem como diferentes estratégias, táticas
e políticas de aliança; mas sempre exige a presença do partido político.
A experiência demonstra,
ainda, que em diferentes épocas e contextos históricos, houve diferentes tipos
de partidos políticos. Desde as revoluções burguesas até a época da Associação
Internacional dos Trabalhadores, desde a Comuna de Paris até a chamada Segunda
Internacional, desde a Revolução Russa de 1917 até a Chinesa de 1949, desde a
vitória da Revolução Cubana de 1959 até a derrota das guerrilhas
latino-americanas, passando pelas guerras de libertação em África e Ásia, pelas
experiências anarquistas, nacionalistas, populistas, social-democratas e
comunistas, a classe trabalhadora construiu variados tipos de partidos, que
algumas vezes entraram em confronto, mas também fizeram alianças entre si.
Desta larga experiência,
que também deve ser objeto de permanente reflexão, extraímos duas grandes
lições. A primeira, já referida: o sucesso da luta contra o capitalismo e pelo
socialismo exige que a classe trabalhadora se organize de diversas formas,
entre as quais o partido político. A segunda: é a prática concreta que define o
papel que um partido joga em cada circunstância histórica. Entendemos por
“prática concreta” a ideologia, a teoria, a estratégia, as táticas, as formas
organizativas e principalmente o vínculo com a classe trabalhadora realmente
existente.
Nenhum partido nasce
pronto e acabado, nenhum partido tem o monopólio da classe, nenhum partido é
eterno. Mas sem partido, a luta da classe trabalhadora será claudicante, mais
facilmente sujeita à derrotas táticas e de antemão derrotada estrategicamente.
A história dos partidos
da classe trabalhadora brasileira possui cerca de 100 anos. Inclui os
anarquistas, os socialistas, assim como setores vinculados à tradição
democrático-radical, nacionalista, cristã e sindicalista. Nesta história,
destacam-se o trabalhismo, o comunismo e o petismo.
Desde o final da
ditadura militar até os dias atuais, o Partido dos Trabalhadores é o partido
com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras, com mais força
política social e institucional, com mais destaque internacional.
Os demais partidos
vinculados à classe trabalhadora são aliados, adversários ou inimigos do PT,
mas o fato de sua ação política estar referenciada no PT confirma que na atual
fase da história brasileira o petismo mantém hegemonia sobre a esquerda
brasileira, hegemonia que decorre de sua influência de massa e também das
condições sob as quais se trava, hoje, a luta política no Brasil.
O Partido dos
Trabalhadores foi criado em 1980. Sofreu diversas transformações ao longo de
sua trajetória de 35 anos. Estas transformações responderam em parte às
mudanças objetivas ocorridas na sociedade brasileira, na luta entre as classes
sociais. Por outra parte, as mudanças sofridas pelo PT são produto da luta
entre as diversas correntes existentes no interior do Partido, correntes que
expressam de maneira mais ou menos consciente o ponto de vista de diferentes
setores da classe trabalhadora.
Para ter êxito numa
política de reformas estruturais, o PT precisa “fazer o dever de casa”, ou
seja, reiterar incansavelmente seu caráter de classe, a necessidade de manter
uma relação estreita com os movimentos e lutas sociais, e jamais abandonar ou
distorcer seus mecanismos de democracia interna.
Estas atitudes são
fundamentais para a sobrevivência do PT, seja frente às correntes de
ultra-esquerda, que procuram liquidá-lo a pretexto de que o partido abandonou
seus ideais, seja frente aos constantes ataques da direita, que procura
liquidá-lo porque tem clareza de que o PT é o principal instrumento que as
classes trabalhadoras têm disponível hoje, para a conquista do poder e para a
mudança das relações sociais.
O PT é um partido de
massas, o que significa dizer que em maior ou menor medida ele deve conter em
seu interior a diversidade de posições políticas que existe na classe
trabalhadora. Isto significa que o PT deve ser aberto à participação de
correntes desenvolvimentistas, social-democratas e inclusive social-liberais.
Entretanto, devemos travar uma luta constante para que estes setores evoluam
para posições democrático-populares e socialistas.
Embora praticando
táticas eleitorais de alianças com diversos setores sociais e políticos,
visando ao enfrentamento contra partidos e representantes da direita
neoliberal, o PT precisa combater as atitudes daqueles petistas que procuram
utilizar os mesmos métodos e hábitos burgueses desses eventuais aliados.
Por isto mesmo, o PT não
deve temer fazer autocrítica de seus erros publicamente, nem vacilar em punir
exemplarmente aqueles dirigentes e militantes que fizeram uso de métodos
burgueses de atuação e, com isso, abriram flancos aos ataques inimigos,
causaram prejuízo ao Partido e colocaram sua sobrevivência em risco.
O Partido deve ter
autonomia financeira. Para isto devemos assumir como Partido o combate contra a
dependência frente às contribuições de empresas privadas. Por isto, também,
devemos criar uma corregedoria interna, que se antecipe na descoberta de
corruptos infiltrados no Partido. Ao mesmo tempo, o PT exige auditoria e
punição contra a corrupção praticada nos governos tucanos.
O processo de construção
de um partido dos trabalhadores exige uma constante correção de rumos, através
da reafirmação de sua estratégia, da atualização das políticas e táticas, e do
aprofundamento da democracia interna, tendo em vista preservar o partido
daqueles métodos, hábitos e costumes que ameaçam destruí-lo ou deformá-lo
totalmente.
Em vista disso, o PT
deve redobrar sua capacidade de formulação política, atualizando sua análise de
classes da sociedade brasileira, com atenção especial aos deslocamentos
ocorridos no interior da classe trabalhadora, a partir da elevação dos padrões
de consumo de milhões de pessoas, nos últimos anos. Será necessário um esforço
mais efetivo de análise do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil,
da formação e transformação histórica das classes sociais e da luta entre elas.
E de reelaboração e discussão do programa estratégico para o Brasil, incluindo
a questão do poder, do papel das diferentes formas de luta que a burguesia pode
impor ao povo brasileiro e dos diferentes instrumentos organizativos das
classes trabalhadoras.
Para preparar-se e
tornar-se efetivamente capaz de ser força política hegemônica na sociedade
brasileira e conquistar a direção do poder político como um todo, o PT precisa
de uma clara hegemonia interna, em torno do programa e da estratégia
democrático-popular e socialista, reiterando seu caráter de classe, de massas,
de luta e internamente democrático. Deve, ainda, ampliar sua presença
institucional e social e revigorar sua vida partidária, com atenção primordial
a suas bases organizativas. E superar a prolongada subestimação da formação
política de dirigentes e militantes, utilizando tal formação inclusive como
primeiro passo para o ingresso no partido e a ocupação de cargos de direção.
O PT deve, também,
formular e executar uma política de cultura, educação e comunicação de massas,
tendo em vista construir uma hegemonia das ideias democráticas, populares e
socialistas no meio do povo, hoje vítima de uma violenta ofensiva do ideário
conservador.
No caso específico da
comunicação, trata-se de 1) democratizar a comunicação social; 2) ampliar a
rede de meios de comunicação (televisões, rádios, internet e imprensa)
dirigidos pelo campo democrático-popular; 3) construir os instrumentos do
próprio Partido, com destaque para um jornal diário de massas, que seja o
núcleo central de produção do conteúdo que será repercutido através dos demais
meios, especialmente das redes sociais.
Continuamos trabalhando
para que o PT assuma um papel de vanguarda, não apenas na luta pelo governo,
mas também na luta pelo poder; não apenas na luta pelo desenvolvimento, mas
também na luta por reformas estruturais e pelo socialismo.
Diretrizes organizativas
É com este espírito, também, que apresentamos as
seguintes diretrizes de reforma organizativa do Partido dos Trabalhadores:
a) voltar a ser um partido que atua também nos anos
ímpares e que sabe combinar luta social, luta cultural, construção partidária,
com disputa eleitoral, ação parlamentar e governamental;
b) reatar laços orgânicos com nossa base social, por um lado retomando a
prática do trabalho de base e por outro lado recobrando a capacidade de
mobilização social;
c) constituir uma frente popular orgânica com aqueles setores que integram o
campo democrático-popular, por exemplo outros partidos de esquerda e entidades
históricas da classe trabalhadora e da juventude, como a CUT, UNE, MST, MNLM,
CMP, CONAM e outras;
d) construir uma política de comunicação de massas -- articulando impressos
(jornais e revistas), rádio, televisão e redes sociais -- voltada a defender as
posições da classe trabalhadora, fortalecer os laços com os movimentos sociais,
lutar pela ampliação de direitos, amplificar o alcance do programa
democrático-popular e socialista na disputa ideológica, no plano nacional e
internacional, dialogar e organizar nossa ampla base social, realizar a disputa
política e ideológica permanente com nossos adversários e também com nossos
inimigos de classe;
e) reconstruir sua rede de organizações de base, através da constituição de
núcleos do PT nos locais de trabalho, de moradia e de estudo;
f) reorganizar seu trabalho de formação, do básico à formação de quadros
dirigentes, com o objetivo de atingir da maneira mais rápida o maior número de
militantes, dando ênfase não apenas a nossa história e a nossas propostas
programáticas democrático-populares, mas também aos aspectos
político-ideológicos e teóricos indispensáveis à luta da classe trabalhadora
pelo poder e pelo socialismo;
g) fortalecer as instâncias partidárias, em detrimento dos centros de comandos
paralelos localizados nos gabinetes parlamentares e executivos. Com este
espírito, proibir que seja presidente partidário quem exerce mandato
legislativo ou executivo;
h) eleger as direções partidárias nos congressos partidários. Fim do PED e da
influência das práticas eleitorais burguesas (como a compra de votos) nos processos
internos;
i) organizar a atuação e a influência de massas do petismo entre os jovens,
através de uma JPT de massas, que supere seu profundo processo de dispersão e
desorganização em um dos momentos em que o PT é mais desafiado a dialogar com
as novas gerações;
j) reafirmar a paridade de gênero e as cotas étnica e de juventude na
composição das direções partidárias, reafirmando nosso esforço de organizar
setores historicamente excluídos e compreendendo que sua presença nas direções
partidárias pode contribuir para superar nossos problemas políticos e
organizativos;
k) garantir a auto-sustentação financeira. Um partido de trabalhadores não pode
depender de recursos financeiros doados pelo empresariado, seja para fazer
campanhas eleitorais, seja para conduzir o cotidiano da vida partidária;
l) fortalecer nosso trabalho de relações internacionais;
m) colocar a política no comando e reafirmar o caráter de classe do Partido. Os
problemas organizativos vividos pelo PT derivam de opções políticas e sua solução
também passa pela política.
E a principal decisão política é: o PT pretende continuar sendo um partido da
classe trabalhadora.
Brasília, 25 de março de 2015
Bruno Elias, Jandyra Uehara, Adriano Oliveira,
Rosana Ramos, Valter Pomar e Iole Ilíada, em nome da Direção Nacional da
Articulação de Esquerda