Recomendo ler o texto publicado por César Felício, intitulado “O PT chega envelhecido aos 45 anos” e publicado no jornal Valor.
Segundo Felício, o “Partido tem dificuldades para renovar quadros e discurso”.
Para chegar a esta conclusão, baseia-se na comparação entre a média de idade da bancada federal do PT (“um pouco menor que 56 anos”), a média de idade de toda a Câmara em 2022 (49 anos) e a idade do atual presidente da Câmara (35 anos).
Um problema para o PT? Sim, é um problema. Não é nada positivo que a idade média dos nossos parlamentares federais tenha transitado de 38 anos em 1982 a 56 anos em 2022.
Mas é preciso tomar cuidado com essas comparações. Pois uma coisa é comparar o PT consigo mesmo, com outros partidos de esquerda e com a composição etária da classe trabalhadora. Outra coisa é comparar o PT com os partidos de direita.
Sem dúvida é positivo – para os partidos de direita – que eles estejam fazendo “renovação geracional”. Mas daí não se deduz que esta “renovação” seja um fato positivo para a imensa maioria do povo brasileiro, entre outros pelo motivo de que um “jovem de direita” não é nem um pouco melhor que um “velho de esquerda”.
E por falar nisto, o principal problema da Câmara dos Deputados não é a idade média, mas sim a origem social e a posição política da maioria dos parlamentares. Sem falar nos meios que cada um utilizou para se eleger.
Também segundo Felício, o PT “já foi retrato da renovação política no Brasil em suas primeiras décadas, mas desde a ascensão de Lula à presidência em 2002 passa por um acentuado envelhecimento de suas lideranças, o que sinaliza para problemas de renovação”.
A expressão “retrato da renovação política” é bem curiosa. Talvez com ela se queira dizer o seguinte: nas duas primeiras décadas de sua existência, o PT era um partido jovem, que defendia propostas renovadoras.
E o que teria acontecido depois?
Teria havido um “envelhecimento” das lideranças. Mas e quanto às propostas? Sobre isso, sobre aquilo que o PT defendeu e conseguiu fazer quando esteve no governo do país, de 2002 até o golpe de 2016, César Felício nada fala.
Com isso, a expressão “retrato da renovação política” vira apenas “retrato da renovação”. A política some, fica a idade.
Segundo César Felício, o “dilema” deste “PT de cabeça branca” seria “entrar na disputa nacional em 2026 sem nenhuma alternativa minimamente competitiva para substituir Lula, caso o presidente não queira concorrer pela oitava vez em uma eleição presidencial”.
Para começo de conversa, um reparo: o PT tem muitos e muitos “dilemas” a enfrentar antes e depois de 2026. Assim como tem muitas outras lideranças, além dos parlamentares: somos cerca de 2,5 milhões de afiliados/as, dezenas de milhares de militantes e dezenas de milhões de integrantes da Nação Petista.
Quanto a 2026, “dilema” mesmo é o que existe na cabeça de quem está torcendo para que Lula não possa ou não queira competir. Mas suponhamos que isto ocorra. Será mesmo que não temos “nenhuma alternativa minimamente competitiva para substituir Lula”?
Vejamos: foi algo parecido a isso que nos disseram antes de 2010. E apesar do que disseram, Dilma foi eleita e reeleita. Já em 2018, disseram que o PT certamente ficaria fora do segundo turno. Mas, apesar do que disseram, Haddad foi ao segundo turno. E teríamos vencido, inclusive com Haddad, se entre outras coisas não tivessem impedido Lula de fazer campanha.
César Felício no fundo admite isto, embora o faça de um jeito engraçado, a saber: “A reeleição de Lula em 2026 está longe de ser um cenário improvável, a julgar pelas últimas pesquisas”.
Traduzindo em linguagem direta: o mais provável em 2026 é a vitória de Lula.
Portanto, o tal “dilema” para 2026 se converte na assertiva de que “falta ao PT opções para o longo prazo”.
Segundo César Felício, “há quem especule com a presença de João Campos (PSB) prefeito do Recife, na sucessão presidencial de 2030, ou do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) em 2034. Essa é uma futurologia muito difícil de ser feita em relação ao PT. Não se vê peças de reposição”.
Não sei quem é este sujeito oculto que “especula” com os nomes de João Campos ou de Nikolas Ferreira. Ademais, “futurologia” e análise política são coisas bem diferentes. Seja como for, concordo que não temos mesmo “peças de reposição”. Não temos, nem devemos querer ter.
O que temos são inúmeros quadros, lideranças, militantes que podem exercer tarefas importantes, inclusive futuras eleições presidenciais. Nenhum desses petistas pode ou deve ser classificado como “peça de reposição”. Primeiro, porque este termo é profundamente desrespeitoso. Segundo, porque não existe como copiar/“repor” uma liderança que foi produto de um processo histórico de mais de 50 anos.
César Felício diz que o Partido “cresceu lentamente” e “teve seu auge entre 2002 e 2012. Há 23 anos foi a legenda mais votada para a Câmara (…) em 2012 conquistou seu número máximo de prefeitos”. Diz, também, que “a descida ao vale sombrio se deu entre 2016 e 2020, na esteira da LavaJato e do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, que deixaram duas cicatrizes inapagáveis na sigla: corrupção e má gestão na economia. O partido se reergueu em 2022 quando a maior parte do eleitorado brasileiro preferiu se voltar em direção ao passado que encarar um futuro com a extrema-direita no comando”.
De fato, o crescimento institucional do PT teve seu pico no passado; desde então, a depender do critério adotado, não é despropositado dizer que estamos decrescendo do ponto de vista eleitoral/institucional. Esse decréscimo se deve, ao menos em parte, às escolhas feitas pelo próprio Partido, mas em grande parte à natureza oligárquica da nossa institucionalidade, que precisa ser reformada de alto a baixo.
César Felício não fala nada ou quase nada sobre o conteúdo dos processos que ele cita. Se o fizesse, teria que admitir que a Lava Jato, o golpe de 2016 e as mentiras que disseram e seguem dizendo sobre o PT, pavimentaram o caminho para a extrema-direita chegar ao comando. Entre o “retrato” e a análise da “política”, Felício prefere o primeiro.
O PT tem dificuldade de “pautar a agenda nacional”? Seguramente tem. Em parte porque a “agenda nacional” é disputada com uma direita que dispõe de meios poderosos de impor sua pauta, inclusive a empresa onde César Felício escreve. Em parte, também, porque um pedaço do petismo as vezes aceita uma métrica parecida ao que Felício adota ao analisar: o Congresso.
Fosse outra a métrica, seria possível ao nosso governo “tocar o barco” de outra maneira. Por isso a necessidade de um debate sobre a estratégia, acerca do que, como diz Felício, não está claro que caminho o PT vai escolher.
Tangenciando isso, mas sempre “sem entrar no mérito das propostas”, Felício diz que as “formulações recentes que chamaram a atenção da opinião pública vindas da esquerda partiram do pequeno Psol”. Será verdade? Acho que não. Seja como for, é curioso que neste momento Felício desconsidere totalmente o mesmo critério que ele adotou antes para analisar o PT, a saber, o número de prefeitos, de parlamentares, as votações, as candidaturas presidenciais. No lugar disso, entra a “atenção da opinião pública”.
Neste ponto do texto, Felício pergunta de que “corrente nacional poderá vir o novo petista”, uma vez que - segundo ele - os veios de que teria nascido o PT “não correm mais nos dias de hoje”. Sem dúvida o mundo mudou muito desde 1980. Mas é um exagero dizer que o sindicalismo, o catolicismo (rural ou não) e a intelectualidade radical são veios secos. Deste exagero surge, provavelmente, a tese de que seria necessário um “novo petista”, desvinculado da “velha” classe trabalhadora.
Felício termina afirmando que a “angústia petista” torna-se mais “expressiva” porque a “encruzilhada da esquerda não é um fenômeno puramente brasileiro”. E conclui dizendo que “os tempos não são de festa para o PT”.
Não acho que “angústia” seja o termo mais adequado, embora nos tempos que correm existem pessoas angustiadas em tudo quanto é canto, a começar pelo PSDB e pela família do cavernícola.
Mas obviamente existe preocupação. Como não ficar preocupado em tempos de Trump, Bibi, Musk, Milei e outros cavernícolas, inclusive os que usam verde e amarelo.
Mas não se trata de uma “encruzilhada da esquerda”. Se trata de uma encruzilhada da humanidade. Por isso, não são tempos festivos para ninguém que tenha consciência acerca dos imensos problemas que ameaçam nossa sobrevivência coletiva. Que Felício destaque apenas o PT é um reconhecimento involuntário de nossa importância nesta luta existencial.
Nesse sentido, com o perdão do “plágio”, no Brasil não existe “peça de reposição” capaz de substituir o PT.
Também por isso, vida longa ao
Partido dos Trabalhadores. E das trabalhadoras.
SEGUE O TEXTO COMENTADO
O PT chega envelhecido aos 45 anos
Partido tem dificuldades para renovar quadros e discurso
Por César Felício — Brasília
A média de idade dos deputados
federais no Brasil em 2022, data da
eleição, era 49 anos. É
consideravelmente maior que a do
atual presidente da Câmara , Hugo
Motta (Republicanos-PB), 35 anos hoje,
33 quando saiu das urnas. Mas é bem
menor que a média de idade dos
deputados do PT, um pouco menor que 56 anos. A bancada federal
petista é aproximadamente uma geração mais velha do que o
parlamentar paraibano.
O ano padrão de nascimento dos seus integrantes oscila entre 1966 e
1967, época em que estavam sendo constituídos a Arena e o MDB,
partidos do regime militar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda
não fazia parte da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo . Em sua maioria, os deputados petistas eram
adolescentes em 10 de fevereiro de 1980, quando, em uma reunião no
Colégio Sion, em São Paulo, foi fundado o PT, há exatos 45 anos.
O PT já foi retrato da renovação política no Brasil em suas primeiras
décadas, mas desde a ascensão de Lula à presidência em 2002 passa por um acentuado envelhecimento de suas lideranças, o que sinaliza
para problemas de renovação.
Naquela eleição de 2002, a média de idade dos deputados federais
eleitos pelo PT era de 47 anos. A cada eleição essa idade média deu um
salto, até chegar a 57 anos em 2018, recuando um ano agora. Não há
informações completa no site da Câmara sobre a data de nascimento
dos parlamentares antes de 2002, mas a média etária da diminuta
bancada de oito petistas eleita em 1982 era de 38 anos.
Esse PT de cabeça branca enfrenta o dilema de entrar na disputa
nacional em 2026 sem nenhuma alternativa minimamente competitiva
para substituir Lula, caso o presidente não queira concorrer pela oitava
vez em uma eleição presidencial. Em 2018 Lula se candidatou, mesmo
inelegível, e foi substituido três semanas antes da disputa pelo atual
ministro da Fazenda Fernando Haddad.
A reeleição de Lula em 2026 está longe de ser um cenário improvável, a
julgar pelas últimas pesquisas. Mas falta ao PT opções para o longo
prazo. Há quem especule com a presença de João Campos (PSB)
prefeito do Recife, na sucessão presidencial de 2030, ou do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) em 2034. Essa é uma futurologia muito difícil
de ser feita em relação ao PT. Não se vê peças de reposição.
O partido que celebra seu aniversário no fim do mês em um evento no
Rio de Janeiro cresceu lentamente, teve seu auge entre 2002 e 2012. Há
23 anos foi a legenda mais votada para a Câmara, com um
desempenho bastante semelhante ao do PL nas últimas eleições.
Em 2012 conquistou seu número máximo de prefeitos.
A descida ao vale sombrio se deu entre 2016 e 2020, na esteira da LavaJato e do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, que
deixaram duas cicatrizes inapágaveis na sigla: corrupção e má gestão
na economia. O partido se reergueu em 2022 quando a maior parte do
eleitorado brasileiro preferiu se voltar em direção ao passado do que
encarar um futuro com a extrema-direita no comando.
A “União e Reconstrução” do governo Lula era e é o que pode ser
apresentado, face à dificuldade do PT de pautar a agenda nacional.
Essa é uma dificuldade que se torna naturalmente maior quando se é o
partido de um presidente que governa em minoria no Congresso. Lula
depende da antiga base governista de Bolsonaro para ir tocando o barco. Sem entrar no mérito das propostas, as formulações recentes
que chamaram a atenção da opinião pública vindas da esquerda
partiram do pequeno Psol.
Qual foi a bandeira do PT nos últimos dois anos para tentar ampliar o
eleitorado? E aliás qual é exatamente a estratégia? romper a
polarização, fazendo acenos ao Centro? Encarar a polarização como
inevitável e apostar no antagonismo com a Direita? Não está claro.
O PT nasceu em 1980 da força do sindicalismo, do catolicismo rural e
da intelectualidade que chegou a pegar em armas contra o regime
militar. Há um relativo consenso, muitas vezes verbalizado por Lula, de
que estes três veios não correm mais nos dias de hoje. De que corrente
nacional poderá vir o novo petista é outra pergunta em aberto.
A angústia petista torna-se mais expressiva porque a encruzilhada da
esquerda não é um fenômeno puramente brasileiro, como procuram
provar cotidianamente Elon Musk e Donald Trump. O avanço da direita
deve dar um novo salto ainda este mês, com as eleições na Alemanha.
O Canadá deve dar a sua guinada no fim do ano. A Argentina
consolidar sua conversão em outubro. Os tempos não são de festa
para o PT.